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* as opiniões expressas neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do 4oito
Por Aderbal Machado 13/04/2024 - 11:37 Atualizado em 13/04/2024 - 11:38

Saudade das noites de muita conversa e risada pelas esquinas ou nos bares de Criciúma e Araranguá, no fogo da juventude, misturado a tantos amigos mais ou menos velhos. Naquele tempo, o mano Aimberê me levava a tiracolo nessas tertúlias, como a querer me ensinar os meneios da vida. Os jovens daquele tempo fugiam dos hábitos atuais: poucos se embebedavam nessas ocasiões e os papos circulavam entre política, coisas mundanas, a vida dos outros, mulheres. Não necessariamente nesta ordem.
Nessas ocasiões, destacavam-se alguns personagens típicos da época. Difícil nominá-los todos, pela distância esmagadora dos tempos, com meu juízo já afogado em esquecimentos pontuais. 
Houve ocasiões de cruzarmos noites e noites praticando ações práticas, como aos sábados em Criciúma, editando o Jornal de Criciúma, semanário inventado pelo mano Aryovaldo e pelo então prefeito Nery Rosa. O jornal tinha impressão em máquina impressora vertical (página por página), montado com tipos móveis, impressão dupla da capa (porque as manchetes eram coloridas e os textos em preto). Os textos principais eram do Aryovaldo, depois do Nery (um artigo), eu tinha uma coluna (“De tudo um pouco”) e o Aimberê revisava e escrevia uma coluna sobre História, sua predileção. 
Passávamos as noites de sábado, até o raiar do sol de domingo dormindo sobre resmas de papel e acordando como soldados em guarda: de duas em duas horas para revisar páginas. 
Primeiro a gráfica do Dilto Rovaris (cunhado de Aryovaldo), contratada para o serviço, ficava num beco indo da Praça Nereu Ramos até o terreno da oficina da empresa São Cristóvão (rua Floriano Peixoto), atrás do famoso Carlitos Bar. E onde hoje está o Shopping  Dellagiustina. 
Depois, foi para a esquina da Rua Pedro Benedet com a Travessa Engenheiro Boa Nova. Um prédio pequeno pertencente ao dentista Alexandre Herculano de Freitas, falecido anos depois num acidente de trânsito indo para Florianópolis. No mesmo local funcionou durante muito tempo um laboratório de análises clínicas. 
Tempo bom. Hoje jornalistas se baseiam em recursos de informática, com corretores automáticos de texto, recebem informações de mão-beijada e ainda reclamam da falta de detalhes, de fotos, de filmagens. Se mal feitas, então, o mundo cai. Precisariam ter convivido com um cara que nem o Paulo de Lima, que madrugava nos plantões de polícia para pegar as ocorrências e transmiti-las, fresquinhas, às sete da manhã. E saia com um gravador pendurado no ombro à caça de novidades pela cidade – e sempre encontrava um “furo”.
É. Já foi. Já era.

Por Aderbal Machado 03/04/2024 - 07:58 Atualizado em 03/04/2024 - 08:05

Nasci no velho Araranguá, aquele Araranguá com a abrangência gigantesca de praticamente todo o extremo sul do Estado, quando tudo até o limite com o Rio Grande do Sul pertencia a Araranguá, inclusive Criciúma. Tudo. Corria o ano de 1944, num maio poderoso e benfazejo, um dia 10 de um taurino cheio de viço, moreno açodado na sua juventude, crente na sua linhagem, mistura de cabocla bugra de Dona Amarfilina e do imponente Doutor Telésforo. Ela, analfabeta; ele, advogado, poliglota, professor e eminente orador. Isso tudo está em mim, em maior ou menos escala. Tudo se deve, porém, à nata rica do chão natal. Onde aprendi a ser o que sou. 

Pois o Araranguá, neste 3 de abril, completando 144 de emancipação política. Poderia enunciar mil palavras aqui de exaltação à cidade d’hoje. Mil não: milhões. Não posso. Vejo-a, há muitos anos, apenas por imagens esparsas de fotografias mandadas por amigos ou captadas em publicações aqui e ali. Então remonto à cidade do meu tempo, com as imagens ainda guardadas nas retinas como se fossem muito atuais. E não os farei perder tempo com minhas peripécias de infância e juventude por lá. São preciosas para mim, mas desimportantes para outros. 

As imagens são de José Genaro Salvador, o mitológico fotógrafo da cidade, captadas ao longo do tempo por favores de conhecidos ou por estarem em meus alfarrábios de saudade. 

Parabéns, minha terra natal. Estamos aqui. Um dia esmagarei esta saudade danada indo até aí. Espero seja breve. Muito breve. Então, até lá.

Um abraço do Nego Deba. 

E, de inesquecível em inesquecível, uso e abuso de trecho poético e musical:

Todo mundo canta sua terra
Eu também vou cantar a minha
Modéstia à parte, seu moço
Minha terra é uma belezinha
...
Minha terra tem beleza
Que em versos não sei dizer
Mesmo porque não tem graça
Só se vendo pode crer
(Versos da música “Todos cantam sua terra”, interpretada por Alcione)
...

(AS IMAGENS SÃO DE 1956, QUANDO MEUS DOZE ANOS FLORESCIAM AO REDOR DA PRAÇA HERCÍLIO LUZ)

  • A foto com legendas afixadas é do ponto onde moramos durante anos e anos;
  • A outra foto da cidade é exatamente a visão do ponto em que morávamos, na direção leste;
  • A terceira foto é do coreto da praça, em cujo térreo funcionava a Biblioteca Municipal, criminosamente demolido para dar lugar a nada.
Por Aderbal Machado 30/03/2024 - 08:52 Atualizado em 30/03/2024 - 09:57

O desejo meu é homenagear os irmãos jornalistas – César, Aryovaldo, Agilmar -, precursores da saga familiar inspirados nos ditames éticos, culturais e profissionais do Velho Telésforo, como o chamavam todos os irmãos, incluindo-se Aimberê e Icleia, também dois jornalistas e radialistas eventuais em vários momentos, sem profissionalizar-se ou consagrar-se à carreira. Eu, nem tanto. Ao menos enquanto ele viveu. Nunca me referi como Velho Telésforo, apenas pai. Afinal, ele se foi quando completei 15 anos (1959). 

Em tantos instantes, mentalizo o estilo de cada um, César (Attahualpa César Machado), Aryovaldo (Aryovaldo Huascar Machado) e Agilmar Machado (e somos ambos, ele e eu, donos de apenas nome e sobrenome, sem enfeites nos meios. Coincidência cabalística: 7 letras (Aderbal e Agilmar) e 7 letras (Machado).

Pois César tinha seu estilo fino, castiço, sem meneios maiores, objetivo, direto. Polemista, chegava forte na primeira investida. Metralhava de uma só vez. Ou demolia num tiro só ou encerrava a polêmica ali. 

Já Aryovaldo, caprichoso também com o português, tinha uma habilidade única: caprichava em terminologias poéticas e citações históricas, ávido leitor vívido que foi. Cáustico ao extremo. Em suas polêmicas profissionais via rádio, jornal ou televisão, curtia o tempo, ia cercando o opositor, jogando-o para campo aberto e então aplicava o torniquete final – guardava as balas de prata para os derradeiros ataques ou contra-ataques.

O Agilmar seguia uma linha diferenciada. Tinha seus arroubos de chegar forte também pelos flancos do “adversário”, fustigando devagar e forte. Culminava com ironias e cozinhava em banho lento, o banho-maria, até ferver. E então batia pra derrubar.

Por mim, nem cheguei a aproximar de todos, porém reuni um pouco do estilo de cada um. Mais do Aryovaldo, meu padrinho como profissional. Foi ele quem me conduziu ao rádio e ao jornal. E, mais adiante, eu o conduzi para a televisão. Com ele aprendi referenciais interessantes de redação e de locução. Na televisão, sem falsa modéstia, o superei, cuidando para manter a devida humildade. Afinal, lidava com meu mestre. 

Conto essa história familiar circunstanciando um jeito de agraciar lições a quem interessar. É importante absorver aprendizados práticos. Mesmo sem desejar, mesmo sem programar. Eu soube disso muito depois. Foi na base do piloto automático. Talvez porque isso já estivesse em mim, por atavismo. Depois de apanhar um monte.

Um detalhe: o único a permanecer na atividade fui eu. E aqui estou ainda, me esfregando nos 80 anos de idade e beirando os 60 anos de exercício profissional, como aprendiz ou como “carteira assinada” e devidos registros profissionais como radialista e jornalista. 

E olha rapaziada da profissão: esta merda passa rápido demais, sô!

Termino citando Quintana, traduzindo isto tudo, muito apropriadamente:

“A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente...
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.”

Aprendam a lição. Ou se arrependerão muito depois. E tarde demais.

Por Aderbal Machado 23/03/2024 - 07:12 Atualizado em 23/03/2024 - 07:14

Uma pena a tentativa – ou fato irreversível – de alterar a aparência da Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, no meu Araranguá. A intenção e suas explicações dos inventores dessa excrescência histórico-cultural beiram o ridículo.
Imagino aqui os países europeus como Itália, Portugal ou França alterarem seus símbolos históricos – ou o Vaticano, vá lá – à guisa de modernizá-los. Meter uma tinta nova e diferente e uma alegoria fantasiosa na Torre de Belém. Pendurar umas limalhas na Torre Eiffel. Colocar imagens simbólicas modernas no Arco do Triunfo. Ou remontar com concreto as arenas milenares de Roma. Lá não se mexe nesses símbolos. É uma heresia.
O ruim foi lá atrás, em 1957, quando, ao inaugurar a “nova” matriz, derrubaram a anterior à sua frente. Ruim foi lá atrás, quando derrubaram, simples e criminosamente, o coreto da Praça Hercílio Luz. Outra época - é verdade –; as compreensões disso ainda eram superficiais ou nem tanto graves como hoje. Mesmo assim, o exemplo de países europeus (ou Peru, ou Bolívia) vem de longe, de séculos, não de ontem ou d’hoje.
Mas o pior de tudo é lidar com a indiferença, o quase sarcasmo de quem insiste nisso, como se fossem os donos da arbitrariedade e a usarão como bem querem ou entendem, sem interessar o sentimento geral.
A Matriz atual do Araranguá eu vi surgir. Conheci a anterior, por dentro e por fora. Mamãe me levou em ambas dezenas de vezes, eu guri rebelde e carregado quase pelo pescoço pra ir, mas ia. Não ousava contrariar mamãe.
Querer enfiar ali uma alteração visual ou estrutural é desalentador. Um tabefe na cara.
Estão de brincadeira. Letal, vergonhosa, fedorenta, despudorada.
"Desculpem o mau jeito, mas, apesar de longe fisicamente, o Araranguá está no meu coração. Fugi das minhas elucubrações sentimentais e cotidianas e cheguei a este desabafo. Há coisas assim e não consegui calar".

Por Aderbal Machado 16/03/2024 - 08:00

O tema Gervásio

Professor do Colégio Marista de Criciúma na década de 70/80 e depois de um curso particular intensivo na cidade e mais tarde professor em Jaraguá do Sul, Gervásio Oesckler me ensinou uma regrinha simples jamais esquecida e, também, serve até hoje pra demonstrar as simplicidades óbvias. Basta captá-las por aí.

Na aula de geografia, perguntou qual a ordem dos planetas a partir do Sol. Hoje o Google resolveria, mas naqueles tempos ou sabia ou ficava a ver navios. A gente até dizia, mas precisava pensar um bocado, rememorando a ordem planetária.
Então ele proclamou: “me ve te ma ju sa u ne plu” ((Mercúrio, Venus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão). O Plutão tá meio falido, mas continua assim.

O tema código

Todos os artigos vendidos em lojas comerciais tinham na época o preço inscrito e um código de letras logo abaixo. Achava aquilo esquisito até descobrir a razão: o preço era o de venda e o código de letras o de custo. Como? As letras eram dez letras diferentes entre si, de modo ser a primeira representativa do 1 e a última representativa do zero. Assim, o comerciante sabia dos valores entre elas e, ao ser consultado sobre eventuais descontos ao freguês, fazia a leitura e determinava a possibilidade ou não e de quanto poderia ser.

Esse código alfa poderia ser uma sequência aleatória fácil de captar ou uma palavra. 
Duas eu cheguei a conhecer, por vias transversas. O da famosa Casa Ouro, do Esperandino Damiani e da dona Loli: era “depurativo”. O das Casas Pernambucanas era bem óbvio: “Pernambuco”. Dez letras diferentes entre si. 
Cheguei a ir várias vezes lá só pra conferir os preços e os lucros deles.  E eles jamais sonharam ou souberam de meu segredo.
Em compensação, este meu conhecimento jamais serviu pra titica nenhuma. Uma inutilidade completa.

Por Aderbal Machado 02/03/2024 - 10:28 Atualizado em 03/03/2024 - 20:34

O confronto diário com as realidades criam choques e surpresas. Com vividos quase 80 anos, a impressão de ainda não ter visto tudo se revigora a cada momento. Encontro por aqui pessoas as quais conheci ao longo dos anos passados. Até um ex-soldado do Exército cujo serviço se deu no mesmo quartel, o 14º Batalhão de Caçadores de Florianópolis, nos idos de 1963-1964. E a cada encontro, desfilam diante dos meus olhos episódios saudosos. No Exército, na flor dos meus 19 anos, integrei as mobilizações do movimento militar de 1964, correndo o estado sobre carroçarias de caminhões basculantes do Estado, chamados “tombadeiras”, convenientemente forrados com colchões de palha pra gente se confortar um bocadinho. E assim estivemos guarnecendo ou cumprindo missões em Laguna, Imbituba, Criciúma, Tubarão e na região Serrana. Nada de mais extraordinário houve entre nós ou conosco, mas prevaleceu a vivência das carências de locais para descansar, por exemplo. A alimentação convencional do Exército deu lugar a ofertas espontâneas da população, através de restaurantes locais e mesmo famílias. Assim fortalecemos laços com a comunidade local, cujo respeito por nosso trabalho sempre se mostrou evidente e forte.
Muitas filosofias podem ser tiradas daí. A mais forte é a capacidade de resistência até inimaginada por nós mesmos. O jeito de se adaptar a situações complicadas, muitas vezes, até com ares de graça, pois a nós nos parecia uma diversão, por mais contraditório que pareça.
Outro fator era a convicção do poder sentido, quando se saía pelas ruas reverenciados por todos. Dava uma sensação de segurança o fato de se andar paramentado com armamento, cintos de guarnição e a pose cívica. 
O Exército foi uma escola e tanto, com reflexos até hoje, 60 anos depois. Por isso, jamais alguém engraxou meus sapatos, por exemplo. Nunca me barbeio em barbearias. Minha roupa, por uma quase gentileza, minha esposa Sonia passa a ferro. Mas se for preciso, eu o faço sem dificuldade ou queixa. Porque no Exército isso era normal. A barba era diária e não barbear-se rendia até punição. Roupa desabotoada também. Coturnos sujos, nem pensar. 
O principal reflexo do Exército, contudo, foi a disciplina. Nos compromissos, nas atividades profissionais, nos horários e nos tempos das coisas (isto também se reforçou com a atividade de rádio e televisão).
Afinal, fui um soldado “caxias” (de alta disciplina e cumpridor dos regulamentos), com nenhuma punição durante a incorporação e até uma Menção Honrosa na baixa do serviço. 
Saí cabo apto a promoção a terceiro sargento, se convocado após sair (durante o interregno de cinco anos). 
Companhia, sentido! Descansar!

Por Aderbal Machado 24/02/2024 - 10:05 Atualizado em 24/02/2024 - 10:07

Uma breve lembrança.

Os “remédios” e tratamentos de antigamente nos fazem pensar. Mamãe usava “escalda pés” contra uma porção de coisas: bexiga presa, febre, dor nas costas, dor de cabeça, gripe. Mais ainda, aplicava um emplastro carregado de produtos pra mim ainda desconhecidos, aquecidos (bem aquecidos) no fogo, enfiados num pedaço de pano e colocado sobre as dores, como compressa. E passava. Havia unguentos para curar feridas, feitos de plantas do quintal.

Dona Mariquinha, esposa de Otávio Ramiro, sogra de meu irmão mais velho, benzia contra cobreiro. O cobreiro seria decorrente do contato de aranhas com a pena da gente, diziam. Ou da roupa por onde uma aranha passou. Experimentava de tudo: pomadas, álcool, vinagre e sei mais. Agente ia na Dona Mariquinha e ela, a seco, mandava baixar a calça e ia no ponto, geralmente nas partes íntimas. Com um pedaço de um mato qualquer, sei lá qual, ficava balançando aquilo e cochichando uma reza esquisita. Depois, mandava embora, sem cobrar nada. Era “missão”. No outro dia, o cobreiro estava seco. Comprovem os mais antigos, também viventes desse tipo de “medicina”.

Papai nos fez ingerir um copo de água com alho curtido, ali esmagado pela manhã e durável até a noite. Todos os dias. Todos. Reforçava as defesas do organismo. Por isso, até hoje, gripe custa muito a me pegar. Nem as comuns e nem as famosas.

Há, por certo, muitos depoimentos por aí sobre essas experiências dos tempos antigos. Muitas experiências. Tem quem saiba mais do que eu, certamente.

Digo isso tudo pra representar os melodramas atuais sobre tratamentos disso ou daquilo.

Me despeço aqui. Vou ali tomar minha água tônica com quinino. E passar pomada Minâncora numa pereba aqui.

Tchau.

Por Aderbal Machado 17/02/2024 - 07:57 Atualizado em 17/02/2024 - 10:36

Nos anos 60, o sucesso social do Araranguá, eu me desdobrando na puberdade, foi a emblemática Boate do Quitandinha. Ali, ao lado do Hotel dos Viajantes, perto da Matriz Nossa Senhora Mãe dos Homens. O dono, Alírio Monteiro (apelido Quitandinha), empresário, simpático, jogador de futebol por diletantismo, tocava seu bar na parte da frente e a boate ficava atrás. Lugarzinho pequeno e lindamente aconchegante.

Ele mesmo manobrava os discos (vinis) numa eletrola linda. Pareceria loucura hoje, num vislumbre de choque dos apetrechos artesanais d’antes e os sofisticados sistema eletrônicos d’agora. Isso favoreceu, quiçá. Exigia criatividade e discernimento. A escolha das músicas, ou repertório, era do próprio Quitandinha. Ele selecionava as músicas e a sequência sempre perfeita. Rolavam ali Pocho e Sua Orquestra, Roberto Yanés, Trio Irakitan, orquestras. Basicamente sambas e boleros. Daqueles sambas e boleros de “matar o veio”. Coisa romântica de mais da conta. 

O orgulho do Quitandinha, dito e repetido trilhões de ocasiões, era ali, naquele recanto, terem nascido romances cujo final foram muitos casamentos. Verdade. Com um detalhe fascinante: abrir às 23 ou 24 horas e ia até às quatro da matina, quando encerrava. O encerramento épico: a música “Buenas Noches mi amor”, com Roberto Yanês. Aos primeiros acordes, o pessoal começava a levantar e se dirigir à saída. Um rito inesquecível.

O duro é saber da raridade, hoje, de um Quitandinha. Ele até tentou renascer, numa dependência atrás, em separado. Mas os tempos não eram os mesmos.

Por Aderbal Machado 10/02/2024 - 07:37 Atualizado em 10/02/2024 - 07:37

Antigamente, nem tanto assim (década de 1960 e parte de 1970), vendia-se leite, pão, carne e outros alimentos em carrocinhas pelas ruas de Criciúma. Entregava-se pão amontoado em balaios. Cuidadosamente forrados com panos brancos.

A higiene, por certo, tinha lá suas restrições, embora as aparências enganassem. E isto pouco importava. O interessante era receber na porta. Havia o método do leite entregue nas portas. Inclusive a granel, dos grandes fornecedores, colocados em pequenos tonéis nas propriedades. Alguns leites “batizados” – ou seja, com misturas de água, para render mais.

Ouvi dizer, e isso se repetiu várias vezes: até piavinhas miúdas eram encontradas nos leites assim distribuídos.

Folclore? Quem sabe. Duvidar, eu? Nem um pouquinho. E sabe o que mais: ninguém, ninguém mesmo, ousava mexer ou furtar as garrafas e tonéis nas ruas. Outros tempos até nisso.

Todavia, nem ricos e nem pobres reclamavam. Isso seria absurdamente impossível hoje. A evolução sanitária impediria - como impede -, esse sistema de comodidade, com muitas razões. A saúde ganhou prioridades preventivas imensas desde então. Sabia-se de casos decorrentes do uso de alimentos assim colocados à disposição do povo? Não lembro. Quem sabe por não haver ainda esse fenômeno maluco da internet, verdadeira máquina de fazer doidos. Hoje até doenças surgiriam, alardeados pelos sanitaristas e pelos jornalistas “especialistas” ou apenas, mais provável, curiosos e de paladar mais aguçado e seletivo.

Ah, lembro-me doutra: no armazém de “secos e molhados” do Luiz Wendhausen, no Araranguá, bem no prédio da Bene Chede, pertinho de nossa casa, sacos de aniagem cheinhos de camarão salgado e pré-cozido, ficavam expostos à porta do estabelecimento, entregues à sanha das intempéries, poeira, salivas diversas – e consumidos experimentalmente por cada um passante mais ansioso. Lembro do Nadico, entregador de compras do armazém, comendo punhados daquele camarão. E o Luiz nem aí. Pois o Luiz era um bonachão, homem elétrico, sempre muito rápido nas suas movimentações e na fala. Personagem fascinante.

Em Criciúma, a Padaria e Confeitaria Brasil, do José Zacaron, tinha o Marmo. Ele corria de casa em casa, com um balaio enorme cheio de pão, entregando para “os fregueses”. Sabia quantos entregar em cada casa. Anotava e o freguês ia pagar no final do mês. Não havia pix. Sequer DOC (agora extinto, coitado), transferência. Só cheques. Papai pagava em grana vivíssima.

Eu sempre comia o pão mentalizando o cheirinho maravilhoso, expandido nos ares nas madrugadas, da produção de pães e bolachas “Araré” da Padaria do Zacaron. Os pensamentos me chegam ao final da madrugada e limiar do dia de sábado, 10, ventinho fresquinho, com prenúncio de sol causticante, como prevê a meteorologia.

Os poréns da vida me levam a ruminar saudades. E as registro com a alma lambida de provocações – como o enorme desejo de pedir, como graça a Deus, a volta às origens e aos sentimentos lindos daqueles tempos. Puros e etéreos sentimentos.
Buenas.

Por Aderbal Machado 03/02/2024 - 07:52 Atualizado em 03/02/2024 - 09:15

Relembrando a infância mais tenra, quase no pé da Serra, lá nos confins do Turvo e do Meleiro, na Boa Vistinha inesquecível, com a invasiva e benfazeja natureza açoitando de beleza e frescor nossas vidas. 
E aí fervilham saudades das estripulias dos manos mais velhos, a cavalgar no Rosilho, um cavalo “passarinheiro”, como dizia Aryovaldo, pois assustado ao extremo com qualquer detalhe esquisito no ambiente – como uma folha caindo à sua frente durante o galope. Ou do mano Agilmar a criar seus bodes carregadores, inventando carrinhos para puxar mantimentos ou apenas para mostrar suas destrezas criativas. Ou da mana Icleia, caseira por excelência e grande companheira de mamãe nas fainas cozinheiras. O César, mais velho, tenho poucas lembranças daqueles tempos. Ele já se aventurava por Araranguá, como auxiliar da Relojoaria Labes e, num repente, casado com Zezinha, filha de Otávio Ramiro e de Dona Mariquinha, aos 16 anos de idade, ela com 17.

Aryovaldo era professor, concluído o Curso Complementar. Naquele tempo valia e, bom lembrar, latim e francês eram línguas ministradas no curso. Aryovaldo dava aulas na escolinha ao lado da igrejinha – que ainda está lá, bela e fagueira (“à sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais...). E até o mano Aimberê foi seu aluno. Sem colher de chá e protecionismos. Ele dizia ser exemplo para os demais. Relembro, por necessário, da atafona e dos lavandins à beira do rio, onde mamãe e tia Carolina lavavam roupas da família e de vizinhos. 

Bem mais tarde – e na época pareceu uma eternidade o passar do tempo entre a infância número um e a infância número dois, acoplada à puberdade no Araranguá e em Criciúma. A alternância entre as duas cidades ocorreu num ciclo vertiginoso. Hoje, pensando nisso, quase endoido naquela rotatividade entre uma cidade e outra. Papai parecia um cigano, definição dele mesmo ouvida por mim várias vezes, tal a assiduidade dessas idas e vindas.

E então vem à mente um tio, irmão de mamãe, com quem papai mantinha ótima relação, pois ele cuidava das nossas terras, na Sanga da Perdida e ali mesmo, na “sede da Boa Vistinha. Era o Tio Zeca, com sua esposa, a Tia Xandoca, com quem convivemos por anos e anos.

Muito mais tarde, mano Aimberê e eu ficamos chocados ao tentar visitar a Sanga da Perdida. Haviam aterrado para plantar fumo. Choramos muito. Desmantelaram um bom pedaço da nossa alma e dos nossos relicários. Poucos veneravam tanto a Boa Vistinha como Aimberê. Mais que eu. Muito mais. Aryovaldo, inclusive. A tal ponto de estarem no Rio Jundiá as suas cinzas, a pedido especial e específico.  Ele sempre repetia ter vivido lá seus melhores dias. Não duvido. Nós também.
Em verdade vos digo: há décadas não vou à Boa Vistinha. Lamento muito por isso, mas essa vida de maluco me prende nos afazeres profissionais e em limitações que nem lhes conto. Gostaria de lá estar em forma de cinzas, espero que bem mais tarde, para fixar bem minha origem grata.

Por Aderbal Machado 27/01/2024 - 07:48 Atualizado em 27/01/2024 - 07:52

Lembro, vez por outra, de episódios vividos na infância no Araranguá. Quando, em turma, íamos à Lagoa da Serra a pé, só pra zoar à beira da água, sobre a relva fresca e sob as árvores selvagens. O medo de jacaré saindo de repente do lago existia. Todo cuidado com cobras. À noite, sapos e outros bichos. E a mosquitada comia solta.

No caminho, ida ou volta, metia-se a mão em melancias dando sopa ao lado da rodovia. Muitas melancias amarelas, hoje raras. Se ombreavam com as vermelhas em quantidade. E algumas vezes éramos surpreendidos pelo dono da roça. Um corridão e pronto. Estávamos a uma distância segura.

Noutras ocasiões, ficava-se de papo na esquina da Sete com a Regimento Barriga Verde, gastando bobagens e mentindo muito sobre conquistas amorosas nunca havidas, só pra dar sintoma de galã. Juntos, ali, quase toda noite, Galo Cego (Sérgio Benito Maciel); Nego Dido; Juarez e o irmão, filhos de Edmundo Grisard – então já falecido e outros “menos votados”. O Galo morava na esquina, ali mesmo. Eu, na Regimento, terreno ao lado. Éramos vizinhos.

O Nego Dido e os filhos de Edmundo Grisard eram funcionários da marcenaria do Bilo, fabricante de caixões funerários. De tal modo virou moda, ao falar de alguém mal de saúde ou colocando em risco a própria segurança – a referência do bordão: “Chama o Bilo”.

É ficção falar disso agora. Muitas gerações passaram desde a época e parece loucura essas referências. Até eu duvido, pois foi tudo tão assustadoramente rápido que me causa uma sensação de perdição, como se tivesse deixado passar uma série de verdades da vida. E quando tento comparar com as coisas d’hoje, piora bem.

E termino relembrando minha amizade com o Juja (José Francisco Grechi), filho de Urivaldi e Eufêmia, irmão de Humberto Ronald e de Dom Moacir Grechi, emérito religioso de alta tradição na Igreja Católica do Brasil.

Juja foi, depois, funcionário destacado do Banco do Brasil. Nossa amizade se moldava em longos passeios de bicicleta pelos recantos da cidade, jogar pião e bolinha de gude ao lado da casa dele, esquina da Sete com a Caetano Lummertz, em frente da casa do Pedrinho Mello, motorista de táxi preferido de papai. A casa de Pedrinho, mais tarde, virou fórum. E hoje é o que é.

Os tempos passados, na comparação com o hoje, foram desfigurados pelo seguir de cada um e pelo alegado “progresso” urbano. Eu, por mim, ainda misturo as imagens e as liquidifico para selecionar as melhores e entronizá-las indelevelmente cá dentro de mim.

Porque não consigo – e nem quero - me separar de um passado muito venerado.

Por Aderbal Machado 20/01/2024 - 08:18 Atualizado em 20/01/2024 - 08:19

Quem mora na praia sabe: nas temporadas as visitas aparecem como se brotassem do chão. Cá em casa é assim. Com uma diferença: as visitas brotam do chão há quase uns 15 anos, sei lá. Por aí. Não erro por muito. Todo ano. Jogam meu sossego na lata do lixo, amontoam malas, roupas, colchões, travesseiros por todo canto, se empilham pelos vãos da casa e minha liberdade de andar pelado acaba.

Dentre as positividades: fazem comida, compram inclusive, varam madrugadas e noites nos carteados e, suprema maluquice: ficam no sol de manhã até a tarde, lagarteando na beira d”água. 
Falando-se em Balneário Camboriú, num apartamento a 100 metros da areia da Praia Central, pior ainda: parece um chamariz de doido, embora o doido seja eu. Pra cá vêm meu cunhado, mulher, duas filhas e algumas visitas avulsas de vez em quando, trazidas a tiracolo por eles, lá de Curitiba.

Não, não estou reclamando (até parece...), apenas elucubrando... 

Cabe um kkkkk aqui. 

Meu cunhado, Carlos Alberto Mariani, irmão de Dona Sonia, filho de Noé Moraes Mariani e neto de Hermenegildo Colombo do Rio Maina – o velho Gildo, já nos eternos campos de caça fumando palheiro e falando mal de mim. E, claro, de Dona Maria Venturini (irmã de conhecidíssima Irmã Ana Luísa, a eterna monitora do Colégio São Bento de Criciúma  – e ninguém, respeitando os demais, deixou tanta saudade quanto ela. Anfitriã de mão cheia, dona Maria adorava receber netos, netas, genros, noras e filhos em sua casa, ali no Bairro Pio Correia. Sua especialidade era fazer comida para batalhões num fogão a lenha – sempre fervendo a chapa com toras de lenha abastecidas a cada hora pra manter o fogaréu aceso e o feijão borbulhando sempre.

Estou misturando as etapas justamente para causar. Dizer: isso vem do sangue, é atávico. Por linhas diretas e indiretas. Porque receber e cozinhar divinamente, mamãe também gostava e fazia. Mas era uma cabocla de hábitos mais recatados – mas cozinheira de mão cheia e mestre em desatar nós de nossas consciências e almas. Seu analfabetismo parecia mentiroso, tal sua capacidade de compreender vicissitudes e idiossincrasias dos seus.

E essa mistura dos tempos revela, a meu ver, outra coisa: reclamo, mas gosto.

Por Aderbal Machado 13/01/2024 - 06:39 Atualizado em 14/01/2024 - 22:11

Fico a olhar, espantado, para as surpresas vividas agora mesmo na Internet. 

Depois de longa existência, de repente vi explodir, num mês apenas, os acessos de minha fanpage (www.facebook.com/jornalistaaderbalmachado) , em função de duas inocentes e corriqueiras observações sobre Balneário Camboriú: uma foto do imenso congestionamento da madrugada do dia 1º de janeiro, pós foguetório do réveillon na orla da Praia Central – considerado o mais famoso e bonito do Brasil neste ano – e uma foto muito antiga da cidade, num ângulo aéreo sentido sul/norte, década de 40 – ainda tudo mato, lagoas e rios onde hoje está a selva de pedras.

Lá, na primeira hora, já 20 mil de alcance. Ao final do dia 2, chegou a 100.000, e foi crescendo em níveis assustadores (no bom sentido) e eu sem entender nada até agora. Feliz, mas sem entender. A foto antiga gerou um alcance de mais de 500 mil e a do congestionamento, mais de 600 mil. Uma loucura, para meus padrões, um mandurico do Araranguá e um ex-serviçal do carvão e da cerâmica da Criciúma dos bons tempos. 

Isso provoca a imaginação e agora vivo a planejar como tratar isso. Sem planejamento não dá. Os acessos, comentários e compartilhamentos são do país inteiro, do Acre até Maranhão, do Rio Grande do Sul até Espírito Santo. 

No meio disso, as mais variadas opiniões. Até xingamentos. Maioria elogios. A sensação de exposição é agradável por um lado e preocupante por outro, pois delega responsabilidades enormes daqui pra frente. Como a de tratar as postagens como altíssima responsabilidade, evitando descambar para agudezas críticas, fugir do egocentrismo, travar os pontos de vista ideológicos (os piores) e as ilações eventualmente políticas (sempre tentam).

Agora mesmo, fiquei imensamente satisfeito com um colega radialista de Campo Grande, afirmando me seguir por gostar das manifestações sobre Balneário Camboriú, cidade na qual resolvi, há 27 anos consecutivos e belos, encostar meu esqueleto provecto.

Escrevo isso sem qualquer intenção de vangloriar. Longe disso. Até pela simples razão de existir quem, em meu nível, tenha infinitamente mais acessos. A jactância não cabe, portanto. Apenas estou eufórico, pois a mim se inscreve como uma salutar novidade: a de estar sendo visto e lido por tanta gente, dentre muitos que me gostam e não me gostam – aos primeiros, minhas saudações e encômios; aos segundos, vão catar coquinho.

Por Aderbal Machado 06/01/2024 - 07:25

Há 146 anos, num 5 de janeiro, em São José (SC), nascia Manoel Telésforo Machado, meu pai. Sua missão se cumpriu com louvores. Ele se foi numa manhã de 24 de outubro de 1959, aos 81 anos. O doutor Telésforo fez história no Araranguá, tendo sido seu primeiro advogado e seu primeiro professor.

Meu avô, pai do doutor Telésforo, o coronel Bernardino Manoel Machado, foi o primeiro prefeito de Palhoça e deputado constituinte de SC no final do século 19.

Temos no sangue muito de política - direta ou indiretamente. Por isso o gosto pela temática nos trabalhos profissionais.

O doutor Telésforo, ilustre aniversariante do dia, nos ensinou muito não nos ensinando nada: ele apenas nos estimulava a apanhar muito pra aprender por conta própria. Direcionou-nos aos livros, como fontes de formação essencial. Não nos impunha, mas nos orientava. A qualquer pergunta sobre literatura ou termos mais estranhos para nós, mandava consultar dicionários, obras jurídicas ou romances famosos (um deles, de minha lembrança, era "A Retirada da Laguna", do Visconde de Taunay). Era fã de dois personagens políticos: Juan Domingo Perón e Charles De Gaulle.

O poliglota doutor Telésforo dominava francês, italiano, alemão e espanhol. E foi mestre emérito em português. 

Ainda hoje, 65 depois de ter se ido, sinto-o aqui, bem ao lado. Me mandando ler livros.

Um feliz aniversário pega bem. É o que lhe desejo, como em todos os anos.

Por Aderbal Machado 30/12/2023 - 07:11 Atualizado em 30/12/2023 - 14:47

Culmina 2023. Ano de soma 7. Agora vem um ano de soma 8. Acredito em números pares. Superstição? Pode ser. Intuição também. Azar ou sorte depende de cada um. Trabalha, conquista, vence. Sorte. Não trabalha, não conquista, não vence. Azar.

A vida é um torvelinho. Faça-se por merecer, ora pelotas! As lógicas nem sempre superam as fantasias. As imaginações quase nunca são materializadas. Porém, viver sem sonhos é uma hecatombe. Sonhos sem exageros, sem enfeites, sem lantejoulas, explico e insisto. De preferência com muitos espinhos, muitas subidas íngremes, pedras agudas pelo caminho, muitos degraus acentuados, muitos espaços a preencher – porque aí a vitória é mais sentida, mais valiosa. A questão é uma: não parar. Bater na cara do destino uma, duas, três, mil vezes, até este safado olhar pra gente e dizer: “Cara doido. Vou entregar logo antes que ele me moa de pancadas”. Penso assim. Errado? Depende. Minhas doidices vão a vários lugares e circulam por pontos indefiníveis nas minhas conjecturas de vida.

Durante 2023, como durante alguns outros antes, a vida me reservou desavenças mentais. Sofrimentos atrozes – os principais as perdas de pessoas muito queridas e próximas. Até meu gato, o Félix, me fez sofrer com sua ida para as hostes sagradas de São Francisco de Assis, que deve tê-lo requisitado pra ele.
Penso ser a vida essa mistura – ora bendita, ora maldita – de acontecimentos difíceis ou complicados com as benesses dos caminhos vencidos e da disposição de luta e os claros desígnios de Deus reservados a nós. 

Um filosofismo pobre, reconheço  –  todavia verdadeiro e sincero.

Pois vem aí o 2024. Vestir qual cor? Pular sete ondas? Orar um bocadinho? Pedir amparo aos amigos e parentes que se foram para sempre e cujas almas circulam por aí, por perto de nós? Supõe nossa filosofia – vã? – um delírio de anseios multiplicados a cada passagem de tempo. De 31 de dezembro a 1º de janeiro, qualquer janeiro e qualquer dezembro, parece transmutar-se um novo horizonte – sempre vislumbrado com otimismo e sorrisos. 

Virá o quê? Não sei e nem quero saber, diriam meus irmãos araranguaenses, nos seus dizeres típicos dos meus tempos por lá. Quero é ir adiante. Armado até os dentes de vontade e gana de palmilhar as sendas desconhecidas e ver os céus se abrirem de augúrios venturosos.
Falei fora de padrões? É uma bobagem? Isso você pensa. Sabe de nada, inocente...

FELIZ 2024 PRA TODOS NÓS. MERECEMOS.

Por Aderbal Machado 23/12/2023 - 09:00 Atualizado em 23/12/2023 - 09:28

Em dezembro de 2019 Dona Sonia e eu seguimos pra Portugal. Objetivo, o nascimento da neta Liz, hoje cabelos de fogo linda do vô e da vó. Portuguesa da gema. Lá ficamos de 9 a 29 de dezembro. Inverno duro, muita chuva. Restaram dez dias esplendorosos, entanto, de sol. Frio, ok. Porém luminosidade absoluta.

A lenga-lenga para por aqui.

Circulamos intensamente, Dona Sonia a observar belezas e contrastes. Ela ama natureza e lidamos muito com ela, nas bem cuidadas árvores frutíferas em plenas praças públicas e nos terrenos privados, jogando frutas para fora dos muros.  E sem freios a quem quisesse usufruir. Civilidade, isto se chama.

E eu, um bocado além, quis aspectos históricos e culturais. Mania de família, herança do velho Telésforo, professor emérito, poliglota (alemão, italiano, espanhol – fluentes) e escritor, advogado e observador de tudo relacionado ao mundo.

E observei comportamentos, detalhes de serviços e atitudes pessoais e coletivas. Contarei parte – servindo, no fundo, de paradigma.

Nos mercados – carrinhos de compra disponíveis, só podendo ser liberados com imposição de um euro. Devolvido o carrinho ao lugar devido, o euro voltava. Carrinho abandonado, por exemplo, no estacionamento, o euro ia embora.

Na saúde – no nascimento de Liz, tendo em mãos o PB-4, papel do SUS do Brasil válido por um ano lá, nos Açores e, creio, na Itália, ocorreu num hospital normal. Estrutura modesta, perfeita nos atendimentos. De lá a criança nascida só saia com o registro pronto e exames pós natividade completos. Documento: identidade plástica. 

As receitas – vinham (ou vem, ainda) com o nome do remédio, laboratório e PREÇO. E aquele preço valia EM TODO O PAÍS. Só mudaria se o cliente preferisse de outro laboratório.

Lixo – Missão impossível encontrar nas ruas. E, vejam: prédios e casas não têm permissão para lixeiras nas ruas. Nem pensar. Junta-se o lixo em casa, separa-se como manda o figurino e, final do dia, deposita-se nas cisternas lá fora, existentes em todas as quadras.
E, falando de lixo, nos 20 dias lá vividos, jamais vi garis varrendo rua. Como o lixo, também não consegui ver caminhão de coleta circulando. Eles só passavam na noite para recolher dos contêineres públicos (ou cisternas, como disse lá atrás).

Pera aí, sem lixeiras nos prédios e casas? Sim, e raríssimas lixeiras nas ruas. Só em pontos estratégicos, próximo a mercados e coisas parecidas. No mercado, sacola de plástico – nem pensar, mano. Ou se usava as sacolas recicláveis (trouxemos algumas de lá) ou se levava na mão. Responsabilidade do comprador.

Como aquilo tudo era limpo, sem lixeiras? Ah, veio: educação, cultura. É pra poucos...

Bicicletas circulando, só vi nas praias. Moto: vi UMA. Assim mesmo porque meu nariz apontava praquele lado. Nenhum ruído. Parecia um Mercedes.

Lá tudo é trem. Ônibus só os micro para circular entre as gares ou ir a locais específicos. O trem? Meninos, eu vi: tudo na hora marcada. Uma hora a saída, era uma hora a saída. Nada de 12,59 ou 13,01. Uma hora, uma hora. Chega, abre a porta, a gente entra e ele arranca com tudo. Lá dentro, informações totais num painel luminoso: locais, vento, temperatura, itinerário, destino. Compra-se um tíquete e com ele se vai embora só passando nas cancelas. Ninguém controla. Não burlam isso? Raramente acontecia. Em acontecendo, ai do transgressor. Entra nas portas do inferno.

Ah, e os monumentos. E as histórias contadas. E os ídolos do mundo lá: Vasco da Gama, Fernando Pessoa, príncipes, imperadores e princesas – em todos os lugares. Monumentos distribuídos aos montes pelas ruas e praças. Virei fã de Fernando Pessoa lá, ao posar ao lado do seu túmulo, no Mosteiro dos Jerônimos, em Belém, tocando-o carinhosamente. Ali também toquei no túmulo de Camões. Sensação irresistível e imorredoura.

Comemos o Pastel de Belém famoso, ao lado do Mosteiro dos Jerônimos. Inevitável passar pela Torre de Belém, claro. Mas meu fascínio foi o Mosteiro. E, noutro dia, o ápice: a visita ao Cabo da Roca, ponto mais ocidental do continente europeu, na freguesia de Colares, município de Sintra. Luís Vaz de Camões descreveu-o como o local “Onde a terra se acaba e o mar começa” (Os Lusíadas, Canto III).

Há muito mais. Vinte dias foram poucos. Minha alma, quando me for, se dividirá entre minha terra e aquilo tudo lá. Voarei por sobre o Atlântico sem fechar os olhos para a transição dos meridianos. 

E reviverei a luz e a noite como vivo hoje a transição soberba do mundo giratório de cada dia como se fosse o último. E um dia será.

Por Aderbal Machado 16/12/2023 - 07:00

Tenho comigo uma ojeriza medular à temática política atual. Transgrediram tudo. Pisotearam sobre a herança dos grandes líderes nacionais ao longo do tempo. Sabemos, aqueles cuja vivência está plantada lá atrás, nos tempos de PSD e UDN – os originais -, quantos são os buracos cavocados ao longo do caminho e, no crepúsculo das realidades, chegarmos à triste culminância atual. Até os fanatismos d’hoje são doidos e exacerbados em demasia, porque pessoais, fratricidas, odiosos ao extremo, quase letais (alguns até o são).

Nos tempos de UDN e PSD havia radicalismos fortíssimos. Porém, na comparação com a baderna de siglas de hoje, sem qualquer estigma de lealdade interna e externa, aqueles radicalismos se resumiam, inclusive e no melhor sentido, à lealdade e à fidelidade aos princípios partidários e respeito e obediência aos seus líderes. LÍDERES, eu disse, LÍDERES.

Impensável, por exemplo, um pessedista ou um udenista votar num ou defender um adversário. Nem a família aceitava isso de algum parente. Nem de irmão. Nem de pai. Nem de mãe. Os pensamentos, obrigatoriamente, iam prum lado só. Ou era PSD ou era UDN. Se misturasse, fosse viver uma vida separada. De preferência muito longe. Respeitava-se a divergência. À distância máxima. Se fosse preciso ir pro confronto, se ia.

Havia pragmatismos, claro. Raríssimos e cuidadosos, de modo a não machucar o arcabouço da legenda. Lembram-se, em Criciúma, das lideranças antigas de PSD e UDN. Não nomino, pois a cidade os conhece historicamente muito melhor que eu. No Araranguá também. Em Florianópolis as trincheiras giravam em torno até do futebol. Rádio da UDN, rádio do PSD. Jornal da UDN, jornal do PSD. Time do PSD, time da UDN. Clube do PSD, clube da UDN.

Nas campanha políticos da década de 50, lembro bem e já falei disso aqui, permitia-se transporte de eleitores e refeição para eleitores. E então, eu vi com esses olhos que haverão de ser cremados, a cidade se dividir entre hotéis e restaurantes do PSD e hotéis e restaurantes da UDN. Sem misturas. Só o Vico Borges, do velho Hotel Imperial, ao lado de nossa casa na Praça Hercílio Luz, da UDN, vi aceitar clientes do PSD. Ao ser questionado pela heresia, foi, aí sim, pragmático: “O dinheiro deles vale igual”. Afinal, era apenas comida, não compromisso.

Pois naquele tempo pedra era pedra e pau era pau. Hoje não se sabe. Exceções raríssimas pululam por aí; tão raras que chegam a sumir na cabeça da gente. 

Dizia-se (traduzindo para hoje): se alguém vendesse apoio em troca de cargo, dinheiro ou qualquer outro tipo de benefício “não se elegia mais nem pra inspetor de quarteirão”. Hoje se diz “nem pra síndico de prédio”.

Há uma prostituição ético-política por aí na atualidade, nos legislativos e executivos de todos os níveis. Só falta o balde com a luz vermelha dentro à frente, para chamar mais atenção. Vergonhoso.
E juro de patas juntas – as quatro: nunca mais repetirei temática política aqui. E cumprirei: não sou político.

Por Aderbal Machado 09/12/2023 - 08:00

Houve um tempo curto no trabalho na região sul, quando fazia rádio e assessoria na Câmara Municipal, gestões dos presidentes Nereu Guidi e Edi Tasca, em que eu transitava diariamente entre Araranguá e Criciúma. Morava no Araranguá, na rua Caetano Lummertz, ao lado do Banco do Brasil. á, na rua Caetano Lummertz, ao lado do Banco do Brasil. De manhã cedo, programa na Rádio Araranguá. À tarde, expediente na Câmara de Criciúma. Todo santo dia. Até consegui um passe com a São Cristóvão, pra não pesar no orçamento, já naquele tempo um tanto curto e exigindo ginástica mensal pra garantir a boia. 

A solução, sempre: marmitinha preparada por Dona Sonia, atulhada de muito feijão e arroz e variando as carnes e os demais ingredientes. Adorava almôndegas – menos trabalho para mastigar.

Pois naquele tempo parecia um paraíso. E era, meus camaradas. E era. Aquele trajeto, hoje comum a muitos de carro, apresentava a oportunidade de relacionamento com outros passageiros e com os motoristas e cobradores. Era papo a viagem inteira e algumas passagens pitorescas.

No almoço de marmita o sabor da comida ganhava uma dimensão inimaginável. Adorava aquilo. Muitos achavam e diziam da impropriedade daquilo (impropriedade? Vão catar coquinho...). Poderia comer num restaurante ou lanchonete. Pra quê, cristão de Deus? Deixar de lado os temperos medidos e certinhos de Dona Sonia por indecifráveis e misteriosas inserções de sei lá o que na comida? Não mesmo. Além da higiene. Com todo o respeito, sempre me causaram dúvidas as formas de preparo dessas comidas. Até hoje.

O tempo das marmitas, do passe do ônibus para baratear os custos e da agonia de só poder retornar no ônibus das 23 horas, porque o das 21 nunca conseguia pegar, pois as sessões da Câmara sempre ultrapassavam este horário – e muitas vezes perdia por minutos a possibilidade de ir nesta viagem; isso era ruim, mas só – faria tudo de novo. Com riqueza de detalhes. 

E isso me deixa aquela sensação de conquista de um modelo de atuação sempre modesto, jamais precário. Mantendo a linha nas medidas da realidade. Porque desta – da realidade – ninguém escapole. Nem dos fatos. Respeite-se os fatos.
Uma frase de Fernando Pessoa é capitular: “Vivo o presente, pois o futuro não o conheço e o passado já não o tenho”.

Por Aderbal Machado 02/12/2023 - 07:50

Pois de uns tempos pra cá, lá se vão uns trinta dias consecutivos, com uma falha aqui e ali nos dias de chuvarada inclemente, adotei o hábito saudável de andarilhar por aí. Há 26 anos residindo em Balneário Camboriú, na cara da praia – areia e orla a menos de 200 metros de casa – só agora veio a decisão. 

E enquanto circulo, registro o cotidiano, cenas, jogo conversa fora, comento coisas, mostro os cenários para quem queira usufruir e assim vai. Junto o útil ao agradável. 

Nem foi conselho médico rigoroso. Todos os médicos com quem tratei sempre me aconselharam isso. Desde o venerável Doutor Henrique Packter, oftalmologista, passando pelo Doutor Raymundo Jorge Perez, radiologista e culminando no ilustre Doutor David Luiz Boianowski, pediatra e uma das 99 vítimas da tragédia do avião da TAM em São Paulo. Outros médicos, urologistas, cardiologistas, dentistas, pneumologistas – todos, todos mesmo – recomendaram-me caminhar.

Nunca segui e hoje pago o preço de estar ferrado. Nem tanto, mas ferrado. 

Por isso alerto aos navegantes às portas da derradeira curva do circuito: caminhem, caminhem, suas bestas quadradas! É o exercício mais importante, dentre tantos, como a natação. Nada de academia, esteiras, bicicletas ergométricas, supinos. Nada. Só caminhar. E fim.

Relembro duas coisas: quando mostrei a montoeira de comprimidos de minha obrigação tomar para coração, pulmão, saco, pinto, próstata, intestinos, o meu colega Paulo Brito, nobre e destravado cronista esportivo de Florianópolis, sentenciou: “Negão, joga a metade fora e vai caminhar na praia”.

E muito lá atrás, quando consultei em Florianópolis os meus olhos mal sucedidos, com sua sala ainda no térreo do Hospital de Caridade, o Doutor Henrique Packter, perguntado sobre o que não poderia comer num regime contra diabetes e coisas assemelhadas, atirou de bate-pronto: “Tudo o que é bom”. Mas também “receitou” caminhadas. Remédio natural e eficiente.

Essas lógicas curtas e pesadas do Brito e do Henrique Packter fazem-me ver a simplicidade de uma caminhada como sucedâneo de dúzias de remédios.

E então continuo me entupindo de medicamentos imprescindíveis, mas outros abandonei. Meus equilíbrios se alteraram positivamente, o sono melhorou e o resto seguiu bem.

Só o pinto faliu, coitado. Nada é perfeito.

Por Aderbal Machado 25/11/2023 - 08:00

QUANDO ME AMEI...

Quando me amei de verdade, compreendi que, em qualquer circunstância, eu estava no lugar certo, na hora certa, no momento preciso. E, então, pude relaxar. Hoje sei que isso tem nome: AUTOESTIMA.

Quando me amei de verdade, pude perceber que minha angústia e meu sofrimento emocional não são, senão, sinais de que estou indo contra minhas próprias verdades. Hoje sei que isso é AUTENTICIDADE.

Quando me amei de verdade, parei de desejar que a minha vida fosse diferente e comecei a ver que tudo o que acontece contribui para o meu crescimento. Hoje chamo isso de AMADURECIMENTO.

Quando me amei de verdade, comecei a perceber porque é ofensivo tentar forçar alguma situação ou alguém apenas para realizar aquilo que desejo, mesmo sabendo que não é o momento ou a pessoa (talvez eu mesmo) não está preparada. Hoje sei que o nome disso é RESPEITO.

Quando me amei de verdade, comecei a me livrar de tudo que não fosse saudável: pessoas e situações, toda e qualquer coisa que me pusesse para baixo. De início, minha razão chamou essa atitude de egoísmo. Hoje sei que se chama AMOR PRÓPRIO.

Quando me amei de verdade, deixei de me preocupar por não ter tempo livre e desisti de fazer grandes planos, abandonei os mega-projetos de futuro. Hoje faço o que acho certo, o que gosto, quando quero e no meu próprio ritmo. Hoje sei que isso é SIMPLICIDADE.

Quando me amei de verdade, desisti de querer sempre ter a razão e, com isso, errei muitas menos vezes. Hoje descobri a HUMILDADE.

Quando me amei de verdade, desisti de ficar revivendo o passado e de me preocupar com o futuro. Agora, me mantenho no presente, que é onde a vida acontece. Hoje vivo um dia de cada vez. Isso é PLENITUDE.

Quando me amei de verdade, compreendi que minha mente pode me atormentar e me decepcionar. Mas, quando eu a coloco a serviço do meu coração, é uma valiosa aliada. E isso é SABER VIVER!

Não devemos ter medo de nos questionarmos; até os planetas se chocam e do caos nascem as estrelas.

[Charles Chaplin]

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