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* as opiniões expressas neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do 4oito
Por Aderbal Machado 13/07/2024 - 10:06 Atualizado em 13/07/2024 - 10:07

O ano era 1961. Eu, nomeado para ser servidor da secretaria de Obras de Criciúma, cujo escritório ficava no Edifício Martignago, ao lado da antiga prefeitura, na Praça Nereu Ramos. Gestão do prefeito Nery Rosa. E então resolveram contratar um engenheiro de Tubarão como secretário. Era da Rede Ferroviária e especialista em saneamento. Logo ao chegar, defendeu a canalização do rio Criciúma, na época escancarado por entre as edificações do centro urbano, mas já tomado por alicerces de prédios construídos. O nome do engenheiro: Dagoberto Octávio Gaio, jovem ruivo e cheio de ideias. Lembro dele colocando um mapa da cidade no chão e apontando os detalhes do projeto ao prefeito e ao Aryovaldo, meu irmão e chefe de gabinete de Nery Rosa. Questionado se não era ousadia de mais, sentenciou: "É obra para ser lembrada daqui a 50 anos". Pois não canalizaram e os resultados foram muito ao longo dos tempos. E lá se vão 63 anos.

Dagoberto pode nem mais estar por aqui, mas mostrou - e as ideias permanecem - a visão futura de forma esplendorosa. Depois, outro engenheiro mostrou a visão de como transformar estruturalmente uma cidade e modernizá-la pensando no futuro: Altair Guidi, discípulo de Jaime Lerner.  Por justiça, relembro outros dois: Algemiro Manique Barreto (Avenida Centenário) e Eduardo Pinho Moreira (sistema de transporte coletivo integrado).

Relembrar isto me faz pensar em eleição, escolher pessoas certas para gerir cidades, independente de partidos e ideologias. Aqui e acolá. 

A preocupação é com a cabeça dos eleitores.

Por Aderbal Machado 06/07/2024 - 11:06 Atualizado em 06/07/2024 - 11:08

Numa entrevista na Rádio Câmara de Balneário Camboriú, sem imaginar, retornei ao passado em Criciúma. Falei com duas personagens de estudos afro-brasileiros da UDESC, núcleo de Balneário Camboriú: as professoras Daniele Lima Chaves Lopes e Maria Helena Tomaz. 

Após a entrevista e eu citar o exemplo da convivência e contribuição africana para o progresso de Criciúma, onde permaneci por mais de 20 anos, a entrevistada Maria Helena Tomaz aguardou o final do programa e revelou ser de Criciúma e, surpresa: é sobrinha da saudosa professora Clotildes Martins Lalau (irmã de sua mãe) e, por afinidade, de Vilson Lalau, também professor e tenor do Coral da cidade. Casal que tive a honra de ter como amigo, ambos falecidos.

Clotildes, inclusive, foi professora de Dona Sonia, no Rio Maina. Vejam quanta coisa ligada num só instante feliz. Foi uma alegria imensa, risadas de lembrança e o registro do momento, aqui estampado. As coisas, felizmente, nos trazem emoções muito alegres e gostosas. Adorei.

Por Aderbal Machado 29/06/2024 - 09:24 Atualizado em 29/06/2024 - 10:46

Dois personagens do Araranguá (Romário e Campolino) e um de Criciúma (Valério). 

Quem eram? São do meu tempo de guri pequeno. 

Valério era o entregador de pães da Padaria Brasil. Num balaio forrado com uma toalha, ele corria as ruas de Criciúma, levando os pães aos clientes “cadastrados”. Eles pagavam no final do mês. Impensável hoje, pelas exigências sanitárias. Mais tarde, essas entregas eram também feitas numa carroça, com o leite e até carne. Doidice da época.  

Romário era um caboclo, amicíssimo do meu falecido irmão mais velho Adherbal Telésforo, que morreu afogado no rio Araranguá em 16 de agosto de 1943. Por isso, ele era reconhecido como filho por meu pai, pois vestiu a “coberta d’alma” de Adherbal. O que era? Ele foi escolhido por papai (era um tipo de tradição) para vestir, no velório e sepultamento, uma roupa do falecido e, assim, homenageá-lo. Romário vendia lenha acomodada num carro de bois pelas ruas do Araranguá. E mamãe era cliente dele. Todo sábado, ele aparecia e fornecia lenha pro nosso fogão, única forma de cozinhar  daqueles tempos. 

Campolino era um esmoleiro das ruas do Araranguá. O mais tradicional da época. E naqueles tempos só era permitido pedir esmola aos sábados. Virou costume. Então papai, um benemérito compulsivo, trocava dinheiro, colocava uma mesinha e cadeiras na frente de casa e dava uma moeda ou cédula de dinheiro para cada um. Faziam fila. Mas a doação era limitada a uns 10 ou 20. Quem chegasse primeiro. 

O Campolino foi especial porque, além da esmola, ele sentava e ficava trolando com papai. No meio dos papos, soltavam sonoras gargalhadas. E eu nunca soube do que falavam. Campolino era um cidadão analfabeto e papai emérito advogado. Isso jamais embotou a relação de ambos. Eram amigos e parceiros de contações de histórias. 

Essa realidade, hoje, parece uma utopia. Entretanto, saudosas lembranças marcaram bem aqueles episódios. Saudades eu tenho...

Por Aderbal Machado 22/06/2024 - 08:02

Eu sou, mesmo, um cara muito estranho. Profissional do rádio há mais de 60 anos e até hoje detesto ouvir rádio e assistir televisão. Só quando há algo muito atrativo. Algo que me chame a atenção com muita força. Do contrário, nem chego perto. Minha mulher Sonia é testemunha. Há perguntas: "Como pode? Você é um profissional de rádio!!". Ora, pode podendo, diria um araranguaense da cepa, como eu. 

Eu ouço os meus programas rigorosamente na marra, porque me obrigo a usar fones, ainda mais agora, quando, na Rádio Câmara, trabalhamos em dupla. Outra coisa: detesto minha própria voz quando a ouço. 

Talvez haja resquícios de loucura nisso, sei lá. Já tentei me explicar e quase enlouqueci.

Entretanto não é caso único na família: o mano Aimberê virou bancário (Banco do Brasil) e lá ficou por 25 anos. E detestava a rotina de banco. Só aguentou porque o permitia sobreviver com alguma folga. E acabou se aposentando antes do tempo, pela agonia de sair logo e cair no mundo. Literalmente. Viajou por dezenas de países várias vezes. E entrou na literatura, produzindo livros com essência político-ideológica e reminiscência de sua juventude e infância.

Queria o que eu sempre quis: viver em paz comigo mesmo. Dando e levando uns sopapos da vida. Mas indo adiante. Acabo sendo um fracassado de sucesso. E ferrenhamente ranzinza. Que Deus me proteja e nos guarde a todos.

Por Aderbal Machado 08/06/2024 - 09:06 Atualizado em 08/06/2024 - 09:14

Pois os nomes mais tradicionais de meu tempo de guri, conforme minha lembrança vai mandando: Padaria do Zacaron (Brasil), em Criciúma; posto do Júlio Gaidzinski (Criciúma); Lojas Renner (Criciúma, de Sinval Rosário Bohrer; A Brasileira (loja de Max Finster, com Mário Belolli na gerência, ainda novinho); Sapataria do Zé Kilisque (Araranguá); loja do Elaine Garcia (bicicletas e outras coisas mais, no Araranguá); Armazém de "Secos & Molhados" do Luiz Wendhausen (Araranguá); Posto do André Wendhausen (Araranguá, bem ao lado de nossa casa, na beira do rio); Café Ouro Preto (Criciúma); Sapataria Lurdete (Criciúma); Casa Ouro (Criciúma).

Há mais? Bota mais nisso. Mas fico com a derradeira: Gruta Azul, na subida da João Zanette, quase ao lado do Hotel Brasil, em Criciúma, com um pastel divino e uma batida (depois chamada vitamina) de banana com pitadas de chocolate e a Churrascaria OK, na rua Seis de Janeiro, em Criciúma.

Fico por aqui. Amplexos a todos.

Por Aderbal Machado 01/06/2024 - 09:03 Atualizado em 01/06/2024 - 09:05

Não faço a mínima ideia de como estão cidades onde vivi por tanto tempo. Só sei por ouvir dizer. Perdi a conta de minha ausência, premida por circunstâncias geográficas e, claro, operacionais, digamos assim. Criciúma, Florianópolis e Araranguá tiveram de mim uma intensa convivência e vice-versa. Foram 18 anos (Araranguá), 22 anos (Criciúma) e 10 anos (Florianópolis). Cinquenta anos cravados. Foram muitas emoções, diria Roberto Carlos. E foram. Tropeços, avanços, alegria, tristezas, enfrentamentos, abraços e proximidades inesquecíveis, cada uma coisa no seu patamar próprio - de lamentos ou de júbilos. 

A velocidade urbanística e progressista (sei lá), desfigurou minhas referências telúricas. Muito do que vi e vivi se foi. Talvez, indo lá, nem lembre do original de meu tempo.

Isso não fere as bonomias daqueles tempos. Eram outros tempos, definitivamente. Nada dos avanços tecnológicos, por exemplo, existiam. Vivia-se com o que havia para exercer a profissão e, enfim, para usufruir a vida pública e até em família. 

Muitos amigos meus já foram embora para os eternos campos de caça. Parentes principalmente.

E prefiro nem mexer nessas lembranças. Prefiro mantê-las nos meus relicários sentimentais.

Quero ir lá - e irei - numa vilegiatura quem sabe derradeira. Pois as raízes não se desmancharam.

O tempo é danado.

Buenas.

Por Aderbal Machado 25/05/2024 - 09:43 Atualizado em 25/05/2024 - 09:47

Fomos muito próximos por mais tempo nas relações familiares entre irmãos, da cota masculina. A Icleia, única mana, teve convivência mais assídua, pois até moramos em casas contíguas em Araranguá, mas não havia a mesma preferência por coisas como, por exemplo, debates sobre política, cultura e vida cotidiana. Aimberê foi mestre nisso. Discordávamos muito, sem radicalizações.


Ele tinha um jeito singular: acreditava nas conquistas por valores próprios. Mirava um objetivo e ia. Enquanto corria mundo como funcionário do Banco do Brasil: Araranguá, Criciúma, Brasília, Porto Alegre, Blumenau, estudava. Formou-se em Direito. Não quis advogar e mantinha a inscrição na OAB juntando-se a outros colegas em ações mínimas por ano, uma imposição regulamentar (não sei se isso se  mantém). Terminou a vida jubilado na OAB, pela idade.


Já falei: Aimberê foi ferrenhamente comunista. Desde os 15 ou 16 anos, estudante do primário ou do secundário. Foi líder estudantil. Seus pendores ideológicos se baseavam em fundos estudos. Dirão: como pode? Podia. Ele tinha sólidas bases de discussão. Uma capacidade imensa. Discordei dele a vida inteira neste aspecto e, por isso, evitávamos discutir sobre. Ele lá e eu cá, conservador na medula. Nossa fraternidade nunca se misturou a isso.


Poderia discorrer sobre alguns detalhes outros de nossa convivência, no âmbito da saudade. Fico no mais singular dos seus atributos: ele tinha por mim uma admiração que, mesmo sendo irmão, nem eu entendia. Era profundo nisso e expunha sempre. E vice-versa. 


A sua morte deixou para trás muitas conversas não reveladas, muitos palavrórios ditos nos encontros solos. Coisa que ninguém testemunhou e nem testemunhará. Ficou só pra nós. E irão embora comigo, quando o Aimberê e eu nos encontrarmos novamente e marcarmos uma visita à Boa Vistinha – ainda Araranguá quando nascemos -, só pra matar saudades da terra mãe.

Por Aderbal Machado 11/05/2024 - 10:32 Atualizado em 11/05/2024 - 11:33

Casimiro de Abreu ensejou os versos maravilhosos de “Meus oito anos” (Oh, que saudades que tenho...). Eu vou além: “Meus oitenta anos”. É o ciclo fechado e empacotado neste 10 de maio de 2024. Oitenta? Puta que pariu!! Tá doido, meu!
Mas...
O matutar de minuto em minuto é: como cheguei até aqui? Ih, não convém tentar explicar. Arrumaria serviço pra uns dez anos. Foram fases vividas e sentidas em boa parte desse estado de Santa Catarina. Os primeiros verdores do tempo foram no Araranguá – até 17 anos. Depois, 22 anos em Criciúma. Ali forjei a profissão. Depois, uma universidade de tudo e o aperfeiçoamento, digamos assim, em Florianópolis. Passagens aqui e ali e finalmente ancorado em Balneário Camboriú, meu porto seguro e lindo até hoje: 27 anos. Desde 22 de agosto de 1997. Sob os auspícios generosos de Silvano Silva, na época gerente da Rádio Menina, hoje chefão supremo regional do ND+. Poderoso. E fui recomendado pra cá por outro saudoso amigo: Eno Steiner. Uma coisa gostosamente inesperada.
Esta cidade acolhedora me favoreceu, fazendo-me cidadão pleno dela. Pleno mesmo. Me sinto parte dos seus cenários. 
Pois, porém, contudo, entretanto, todavia – auguro a todos os amigos, cujas homenagens recebi de muitas formas, diretas e indiretas, presenciais ou distantes, uma pilha incontável de gratidões.
O fundamento é a família, meu sustentáculo e meu sustento emocional e cardíaco. Aqui meu coração repousa, meio pifando, sustentado a vitaminas e travas e meias travas medicinais, mas vívido. Enquanto não resolver parar, esse filho de uma égua, vou levando. 
Assim é e assim será. Espero muito mais homenagens nos meus sólidos 160 anos. Não demorará muito. Aguardem.

Por Aderbal Machado 27/04/2024 - 07:08

Semana passada falhei na coluna por uma razão desagradável: faleceu meu sogro.

Falarei dele. Noé Moraes Mariani, gaúcho, torcedor do Grêmio, motorista aposentado das carboníferas Criciúma e Catarinense (onde lidou com Miguel Medeiros Esmeraldino e Fidélis Barato como seus chefes), se foi aos 97 anos, após longo período de enfermidade e reveses provenientes da idade. No entanto, sempre teve vida saudável e tinha mobilidade e capacidade de trabalho. Morou conosco por 11 anos, em Criciúma, Jaraguá do Sul e em Balneário Camboriú. Depois, migrou para a casa da filha Beti, em Florianópolis. Antes disso, residiu sozinho num quartinho modesto no Bairro Monte Alegre, de Camboriú, sob nossos cuidados e por escolha própria.

Finalmente, os filhos Soraya e Carlos o levaram para Curitiba e lá viveu até morrer na sexta, 19 de abril, Dia do Índio. Seus vínculos conosco sempre foram muito fortes, até pela sua condição de homem só, dependente de viver com filhos e familiares.

Ainda recordo, e sempre recordarei, dos seus cuidados com nossa casa, remendando, consertando e criando coisas e cuidando dos nossos bichos – quatro caninos herdados do cunhado Carlinhos e uma cadelinha – Laica – adotada por nós ainda bebê em Jaraguá do Sul. Três morreram idosas – Brisa, Laica e Tara e um, o John Lennon, um fila enorme, teve uma doença grave e faleceu em Jaraguá do Sul. Desconfiamos ter sido por falta de espaço pra exercitar-se, embora Noé passeasse com ele e as demais todos os dias.

Essas coisas são inevitáveis em todas as famílias: entes queridos (animais de estimação inclusive)  que se vão e deixam um vazio. Sempre absorvemos obrigatoriamente, sendo difícil entender, sempre. A vida é tão simples e tão complicada de a gente mentalizar e compreender a natureza fatal: nascer, viver, morrer. Cabe um “né” sem nenhum voluntarismo e até com simplicidade.

Por Aderbal Machado 13/04/2024 - 11:37 Atualizado em 13/04/2024 - 11:38

Saudade das noites de muita conversa e risada pelas esquinas ou nos bares de Criciúma e Araranguá, no fogo da juventude, misturado a tantos amigos mais ou menos velhos. Naquele tempo, o mano Aimberê me levava a tiracolo nessas tertúlias, como a querer me ensinar os meneios da vida. Os jovens daquele tempo fugiam dos hábitos atuais: poucos se embebedavam nessas ocasiões e os papos circulavam entre política, coisas mundanas, a vida dos outros, mulheres. Não necessariamente nesta ordem.
Nessas ocasiões, destacavam-se alguns personagens típicos da época. Difícil nominá-los todos, pela distância esmagadora dos tempos, com meu juízo já afogado em esquecimentos pontuais. 
Houve ocasiões de cruzarmos noites e noites praticando ações práticas, como aos sábados em Criciúma, editando o Jornal de Criciúma, semanário inventado pelo mano Aryovaldo e pelo então prefeito Nery Rosa. O jornal tinha impressão em máquina impressora vertical (página por página), montado com tipos móveis, impressão dupla da capa (porque as manchetes eram coloridas e os textos em preto). Os textos principais eram do Aryovaldo, depois do Nery (um artigo), eu tinha uma coluna (“De tudo um pouco”) e o Aimberê revisava e escrevia uma coluna sobre História, sua predileção. 
Passávamos as noites de sábado, até o raiar do sol de domingo dormindo sobre resmas de papel e acordando como soldados em guarda: de duas em duas horas para revisar páginas. 
Primeiro a gráfica do Dilto Rovaris (cunhado de Aryovaldo), contratada para o serviço, ficava num beco indo da Praça Nereu Ramos até o terreno da oficina da empresa São Cristóvão (rua Floriano Peixoto), atrás do famoso Carlitos Bar. E onde hoje está o Shopping  Dellagiustina. 
Depois, foi para a esquina da Rua Pedro Benedet com a Travessa Engenheiro Boa Nova. Um prédio pequeno pertencente ao dentista Alexandre Herculano de Freitas, falecido anos depois num acidente de trânsito indo para Florianópolis. No mesmo local funcionou durante muito tempo um laboratório de análises clínicas. 
Tempo bom. Hoje jornalistas se baseiam em recursos de informática, com corretores automáticos de texto, recebem informações de mão-beijada e ainda reclamam da falta de detalhes, de fotos, de filmagens. Se mal feitas, então, o mundo cai. Precisariam ter convivido com um cara que nem o Paulo de Lima, que madrugava nos plantões de polícia para pegar as ocorrências e transmiti-las, fresquinhas, às sete da manhã. E saia com um gravador pendurado no ombro à caça de novidades pela cidade – e sempre encontrava um “furo”.
É. Já foi. Já era.

Por Aderbal Machado 03/04/2024 - 07:58 Atualizado em 03/04/2024 - 08:05

Nasci no velho Araranguá, aquele Araranguá com a abrangência gigantesca de praticamente todo o extremo sul do Estado, quando tudo até o limite com o Rio Grande do Sul pertencia a Araranguá, inclusive Criciúma. Tudo. Corria o ano de 1944, num maio poderoso e benfazejo, um dia 10 de um taurino cheio de viço, moreno açodado na sua juventude, crente na sua linhagem, mistura de cabocla bugra de Dona Amarfilina e do imponente Doutor Telésforo. Ela, analfabeta; ele, advogado, poliglota, professor e eminente orador. Isso tudo está em mim, em maior ou menos escala. Tudo se deve, porém, à nata rica do chão natal. Onde aprendi a ser o que sou. 

Pois o Araranguá, neste 3 de abril, completando 144 de emancipação política. Poderia enunciar mil palavras aqui de exaltação à cidade d’hoje. Mil não: milhões. Não posso. Vejo-a, há muitos anos, apenas por imagens esparsas de fotografias mandadas por amigos ou captadas em publicações aqui e ali. Então remonto à cidade do meu tempo, com as imagens ainda guardadas nas retinas como se fossem muito atuais. E não os farei perder tempo com minhas peripécias de infância e juventude por lá. São preciosas para mim, mas desimportantes para outros. 

As imagens são de José Genaro Salvador, o mitológico fotógrafo da cidade, captadas ao longo do tempo por favores de conhecidos ou por estarem em meus alfarrábios de saudade. 

Parabéns, minha terra natal. Estamos aqui. Um dia esmagarei esta saudade danada indo até aí. Espero seja breve. Muito breve. Então, até lá.

Um abraço do Nego Deba. 

E, de inesquecível em inesquecível, uso e abuso de trecho poético e musical:

Todo mundo canta sua terra
Eu também vou cantar a minha
Modéstia à parte, seu moço
Minha terra é uma belezinha
...
Minha terra tem beleza
Que em versos não sei dizer
Mesmo porque não tem graça
Só se vendo pode crer
(Versos da música “Todos cantam sua terra”, interpretada por Alcione)
...

(AS IMAGENS SÃO DE 1956, QUANDO MEUS DOZE ANOS FLORESCIAM AO REDOR DA PRAÇA HERCÍLIO LUZ)

  • A foto com legendas afixadas é do ponto onde moramos durante anos e anos;
  • A outra foto da cidade é exatamente a visão do ponto em que morávamos, na direção leste;
  • A terceira foto é do coreto da praça, em cujo térreo funcionava a Biblioteca Municipal, criminosamente demolido para dar lugar a nada.
Por Aderbal Machado 30/03/2024 - 08:52 Atualizado em 30/03/2024 - 09:57

O desejo meu é homenagear os irmãos jornalistas – César, Aryovaldo, Agilmar -, precursores da saga familiar inspirados nos ditames éticos, culturais e profissionais do Velho Telésforo, como o chamavam todos os irmãos, incluindo-se Aimberê e Icleia, também dois jornalistas e radialistas eventuais em vários momentos, sem profissionalizar-se ou consagrar-se à carreira. Eu, nem tanto. Ao menos enquanto ele viveu. Nunca me referi como Velho Telésforo, apenas pai. Afinal, ele se foi quando completei 15 anos (1959). 

Em tantos instantes, mentalizo o estilo de cada um, César (Attahualpa César Machado), Aryovaldo (Aryovaldo Huascar Machado) e Agilmar Machado (e somos ambos, ele e eu, donos de apenas nome e sobrenome, sem enfeites nos meios. Coincidência cabalística: 7 letras (Aderbal e Agilmar) e 7 letras (Machado).

Pois César tinha seu estilo fino, castiço, sem meneios maiores, objetivo, direto. Polemista, chegava forte na primeira investida. Metralhava de uma só vez. Ou demolia num tiro só ou encerrava a polêmica ali. 

Já Aryovaldo, caprichoso também com o português, tinha uma habilidade única: caprichava em terminologias poéticas e citações históricas, ávido leitor vívido que foi. Cáustico ao extremo. Em suas polêmicas profissionais via rádio, jornal ou televisão, curtia o tempo, ia cercando o opositor, jogando-o para campo aberto e então aplicava o torniquete final – guardava as balas de prata para os derradeiros ataques ou contra-ataques.

O Agilmar seguia uma linha diferenciada. Tinha seus arroubos de chegar forte também pelos flancos do “adversário”, fustigando devagar e forte. Culminava com ironias e cozinhava em banho lento, o banho-maria, até ferver. E então batia pra derrubar.

Por mim, nem cheguei a aproximar de todos, porém reuni um pouco do estilo de cada um. Mais do Aryovaldo, meu padrinho como profissional. Foi ele quem me conduziu ao rádio e ao jornal. E, mais adiante, eu o conduzi para a televisão. Com ele aprendi referenciais interessantes de redação e de locução. Na televisão, sem falsa modéstia, o superei, cuidando para manter a devida humildade. Afinal, lidava com meu mestre. 

Conto essa história familiar circunstanciando um jeito de agraciar lições a quem interessar. É importante absorver aprendizados práticos. Mesmo sem desejar, mesmo sem programar. Eu soube disso muito depois. Foi na base do piloto automático. Talvez porque isso já estivesse em mim, por atavismo. Depois de apanhar um monte.

Um detalhe: o único a permanecer na atividade fui eu. E aqui estou ainda, me esfregando nos 80 anos de idade e beirando os 60 anos de exercício profissional, como aprendiz ou como “carteira assinada” e devidos registros profissionais como radialista e jornalista. 

E olha rapaziada da profissão: esta merda passa rápido demais, sô!

Termino citando Quintana, traduzindo isto tudo, muito apropriadamente:

“A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ª feira...
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente...
e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.”

Aprendam a lição. Ou se arrependerão muito depois. E tarde demais.

Por Aderbal Machado 23/03/2024 - 07:12 Atualizado em 23/03/2024 - 07:14

Uma pena a tentativa – ou fato irreversível – de alterar a aparência da Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, no meu Araranguá. A intenção e suas explicações dos inventores dessa excrescência histórico-cultural beiram o ridículo.
Imagino aqui os países europeus como Itália, Portugal ou França alterarem seus símbolos históricos – ou o Vaticano, vá lá – à guisa de modernizá-los. Meter uma tinta nova e diferente e uma alegoria fantasiosa na Torre de Belém. Pendurar umas limalhas na Torre Eiffel. Colocar imagens simbólicas modernas no Arco do Triunfo. Ou remontar com concreto as arenas milenares de Roma. Lá não se mexe nesses símbolos. É uma heresia.
O ruim foi lá atrás, em 1957, quando, ao inaugurar a “nova” matriz, derrubaram a anterior à sua frente. Ruim foi lá atrás, quando derrubaram, simples e criminosamente, o coreto da Praça Hercílio Luz. Outra época - é verdade –; as compreensões disso ainda eram superficiais ou nem tanto graves como hoje. Mesmo assim, o exemplo de países europeus (ou Peru, ou Bolívia) vem de longe, de séculos, não de ontem ou d’hoje.
Mas o pior de tudo é lidar com a indiferença, o quase sarcasmo de quem insiste nisso, como se fossem os donos da arbitrariedade e a usarão como bem querem ou entendem, sem interessar o sentimento geral.
A Matriz atual do Araranguá eu vi surgir. Conheci a anterior, por dentro e por fora. Mamãe me levou em ambas dezenas de vezes, eu guri rebelde e carregado quase pelo pescoço pra ir, mas ia. Não ousava contrariar mamãe.
Querer enfiar ali uma alteração visual ou estrutural é desalentador. Um tabefe na cara.
Estão de brincadeira. Letal, vergonhosa, fedorenta, despudorada.
"Desculpem o mau jeito, mas, apesar de longe fisicamente, o Araranguá está no meu coração. Fugi das minhas elucubrações sentimentais e cotidianas e cheguei a este desabafo. Há coisas assim e não consegui calar".

Por Aderbal Machado 16/03/2024 - 08:00

O tema Gervásio

Professor do Colégio Marista de Criciúma na década de 70/80 e depois de um curso particular intensivo na cidade e mais tarde professor em Jaraguá do Sul, Gervásio Oesckler me ensinou uma regrinha simples jamais esquecida e, também, serve até hoje pra demonstrar as simplicidades óbvias. Basta captá-las por aí.

Na aula de geografia, perguntou qual a ordem dos planetas a partir do Sol. Hoje o Google resolveria, mas naqueles tempos ou sabia ou ficava a ver navios. A gente até dizia, mas precisava pensar um bocado, rememorando a ordem planetária.
Então ele proclamou: “me ve te ma ju sa u ne plu” ((Mercúrio, Venus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão). O Plutão tá meio falido, mas continua assim.

O tema código

Todos os artigos vendidos em lojas comerciais tinham na época o preço inscrito e um código de letras logo abaixo. Achava aquilo esquisito até descobrir a razão: o preço era o de venda e o código de letras o de custo. Como? As letras eram dez letras diferentes entre si, de modo ser a primeira representativa do 1 e a última representativa do zero. Assim, o comerciante sabia dos valores entre elas e, ao ser consultado sobre eventuais descontos ao freguês, fazia a leitura e determinava a possibilidade ou não e de quanto poderia ser.

Esse código alfa poderia ser uma sequência aleatória fácil de captar ou uma palavra. 
Duas eu cheguei a conhecer, por vias transversas. O da famosa Casa Ouro, do Esperandino Damiani e da dona Loli: era “depurativo”. O das Casas Pernambucanas era bem óbvio: “Pernambuco”. Dez letras diferentes entre si. 
Cheguei a ir várias vezes lá só pra conferir os preços e os lucros deles.  E eles jamais sonharam ou souberam de meu segredo.
Em compensação, este meu conhecimento jamais serviu pra titica nenhuma. Uma inutilidade completa.

Por Aderbal Machado 02/03/2024 - 10:28 Atualizado em 03/03/2024 - 20:34

O confronto diário com as realidades criam choques e surpresas. Com vividos quase 80 anos, a impressão de ainda não ter visto tudo se revigora a cada momento. Encontro por aqui pessoas as quais conheci ao longo dos anos passados. Até um ex-soldado do Exército cujo serviço se deu no mesmo quartel, o 14º Batalhão de Caçadores de Florianópolis, nos idos de 1963-1964. E a cada encontro, desfilam diante dos meus olhos episódios saudosos. No Exército, na flor dos meus 19 anos, integrei as mobilizações do movimento militar de 1964, correndo o estado sobre carroçarias de caminhões basculantes do Estado, chamados “tombadeiras”, convenientemente forrados com colchões de palha pra gente se confortar um bocadinho. E assim estivemos guarnecendo ou cumprindo missões em Laguna, Imbituba, Criciúma, Tubarão e na região Serrana. Nada de mais extraordinário houve entre nós ou conosco, mas prevaleceu a vivência das carências de locais para descansar, por exemplo. A alimentação convencional do Exército deu lugar a ofertas espontâneas da população, através de restaurantes locais e mesmo famílias. Assim fortalecemos laços com a comunidade local, cujo respeito por nosso trabalho sempre se mostrou evidente e forte.
Muitas filosofias podem ser tiradas daí. A mais forte é a capacidade de resistência até inimaginada por nós mesmos. O jeito de se adaptar a situações complicadas, muitas vezes, até com ares de graça, pois a nós nos parecia uma diversão, por mais contraditório que pareça.
Outro fator era a convicção do poder sentido, quando se saía pelas ruas reverenciados por todos. Dava uma sensação de segurança o fato de se andar paramentado com armamento, cintos de guarnição e a pose cívica. 
O Exército foi uma escola e tanto, com reflexos até hoje, 60 anos depois. Por isso, jamais alguém engraxou meus sapatos, por exemplo. Nunca me barbeio em barbearias. Minha roupa, por uma quase gentileza, minha esposa Sonia passa a ferro. Mas se for preciso, eu o faço sem dificuldade ou queixa. Porque no Exército isso era normal. A barba era diária e não barbear-se rendia até punição. Roupa desabotoada também. Coturnos sujos, nem pensar. 
O principal reflexo do Exército, contudo, foi a disciplina. Nos compromissos, nas atividades profissionais, nos horários e nos tempos das coisas (isto também se reforçou com a atividade de rádio e televisão).
Afinal, fui um soldado “caxias” (de alta disciplina e cumpridor dos regulamentos), com nenhuma punição durante a incorporação e até uma Menção Honrosa na baixa do serviço. 
Saí cabo apto a promoção a terceiro sargento, se convocado após sair (durante o interregno de cinco anos). 
Companhia, sentido! Descansar!

Por Aderbal Machado 24/02/2024 - 10:05 Atualizado em 24/02/2024 - 10:07

Uma breve lembrança.

Os “remédios” e tratamentos de antigamente nos fazem pensar. Mamãe usava “escalda pés” contra uma porção de coisas: bexiga presa, febre, dor nas costas, dor de cabeça, gripe. Mais ainda, aplicava um emplastro carregado de produtos pra mim ainda desconhecidos, aquecidos (bem aquecidos) no fogo, enfiados num pedaço de pano e colocado sobre as dores, como compressa. E passava. Havia unguentos para curar feridas, feitos de plantas do quintal.

Dona Mariquinha, esposa de Otávio Ramiro, sogra de meu irmão mais velho, benzia contra cobreiro. O cobreiro seria decorrente do contato de aranhas com a pena da gente, diziam. Ou da roupa por onde uma aranha passou. Experimentava de tudo: pomadas, álcool, vinagre e sei mais. Agente ia na Dona Mariquinha e ela, a seco, mandava baixar a calça e ia no ponto, geralmente nas partes íntimas. Com um pedaço de um mato qualquer, sei lá qual, ficava balançando aquilo e cochichando uma reza esquisita. Depois, mandava embora, sem cobrar nada. Era “missão”. No outro dia, o cobreiro estava seco. Comprovem os mais antigos, também viventes desse tipo de “medicina”.

Papai nos fez ingerir um copo de água com alho curtido, ali esmagado pela manhã e durável até a noite. Todos os dias. Todos. Reforçava as defesas do organismo. Por isso, até hoje, gripe custa muito a me pegar. Nem as comuns e nem as famosas.

Há, por certo, muitos depoimentos por aí sobre essas experiências dos tempos antigos. Muitas experiências. Tem quem saiba mais do que eu, certamente.

Digo isso tudo pra representar os melodramas atuais sobre tratamentos disso ou daquilo.

Me despeço aqui. Vou ali tomar minha água tônica com quinino. E passar pomada Minâncora numa pereba aqui.

Tchau.

Por Aderbal Machado 17/02/2024 - 07:57 Atualizado em 17/02/2024 - 10:36

Nos anos 60, o sucesso social do Araranguá, eu me desdobrando na puberdade, foi a emblemática Boate do Quitandinha. Ali, ao lado do Hotel dos Viajantes, perto da Matriz Nossa Senhora Mãe dos Homens. O dono, Alírio Monteiro (apelido Quitandinha), empresário, simpático, jogador de futebol por diletantismo, tocava seu bar na parte da frente e a boate ficava atrás. Lugarzinho pequeno e lindamente aconchegante.

Ele mesmo manobrava os discos (vinis) numa eletrola linda. Pareceria loucura hoje, num vislumbre de choque dos apetrechos artesanais d’antes e os sofisticados sistema eletrônicos d’agora. Isso favoreceu, quiçá. Exigia criatividade e discernimento. A escolha das músicas, ou repertório, era do próprio Quitandinha. Ele selecionava as músicas e a sequência sempre perfeita. Rolavam ali Pocho e Sua Orquestra, Roberto Yanés, Trio Irakitan, orquestras. Basicamente sambas e boleros. Daqueles sambas e boleros de “matar o veio”. Coisa romântica de mais da conta. 

O orgulho do Quitandinha, dito e repetido trilhões de ocasiões, era ali, naquele recanto, terem nascido romances cujo final foram muitos casamentos. Verdade. Com um detalhe fascinante: abrir às 23 ou 24 horas e ia até às quatro da matina, quando encerrava. O encerramento épico: a música “Buenas Noches mi amor”, com Roberto Yanês. Aos primeiros acordes, o pessoal começava a levantar e se dirigir à saída. Um rito inesquecível.

O duro é saber da raridade, hoje, de um Quitandinha. Ele até tentou renascer, numa dependência atrás, em separado. Mas os tempos não eram os mesmos.

Por Aderbal Machado 10/02/2024 - 07:37 Atualizado em 10/02/2024 - 07:37

Antigamente, nem tanto assim (década de 1960 e parte de 1970), vendia-se leite, pão, carne e outros alimentos em carrocinhas pelas ruas de Criciúma. Entregava-se pão amontoado em balaios. Cuidadosamente forrados com panos brancos.

A higiene, por certo, tinha lá suas restrições, embora as aparências enganassem. E isto pouco importava. O interessante era receber na porta. Havia o método do leite entregue nas portas. Inclusive a granel, dos grandes fornecedores, colocados em pequenos tonéis nas propriedades. Alguns leites “batizados” – ou seja, com misturas de água, para render mais.

Ouvi dizer, e isso se repetiu várias vezes: até piavinhas miúdas eram encontradas nos leites assim distribuídos.

Folclore? Quem sabe. Duvidar, eu? Nem um pouquinho. E sabe o que mais: ninguém, ninguém mesmo, ousava mexer ou furtar as garrafas e tonéis nas ruas. Outros tempos até nisso.

Todavia, nem ricos e nem pobres reclamavam. Isso seria absurdamente impossível hoje. A evolução sanitária impediria - como impede -, esse sistema de comodidade, com muitas razões. A saúde ganhou prioridades preventivas imensas desde então. Sabia-se de casos decorrentes do uso de alimentos assim colocados à disposição do povo? Não lembro. Quem sabe por não haver ainda esse fenômeno maluco da internet, verdadeira máquina de fazer doidos. Hoje até doenças surgiriam, alardeados pelos sanitaristas e pelos jornalistas “especialistas” ou apenas, mais provável, curiosos e de paladar mais aguçado e seletivo.

Ah, lembro-me doutra: no armazém de “secos e molhados” do Luiz Wendhausen, no Araranguá, bem no prédio da Bene Chede, pertinho de nossa casa, sacos de aniagem cheinhos de camarão salgado e pré-cozido, ficavam expostos à porta do estabelecimento, entregues à sanha das intempéries, poeira, salivas diversas – e consumidos experimentalmente por cada um passante mais ansioso. Lembro do Nadico, entregador de compras do armazém, comendo punhados daquele camarão. E o Luiz nem aí. Pois o Luiz era um bonachão, homem elétrico, sempre muito rápido nas suas movimentações e na fala. Personagem fascinante.

Em Criciúma, a Padaria e Confeitaria Brasil, do José Zacaron, tinha o Marmo. Ele corria de casa em casa, com um balaio enorme cheio de pão, entregando para “os fregueses”. Sabia quantos entregar em cada casa. Anotava e o freguês ia pagar no final do mês. Não havia pix. Sequer DOC (agora extinto, coitado), transferência. Só cheques. Papai pagava em grana vivíssima.

Eu sempre comia o pão mentalizando o cheirinho maravilhoso, expandido nos ares nas madrugadas, da produção de pães e bolachas “Araré” da Padaria do Zacaron. Os pensamentos me chegam ao final da madrugada e limiar do dia de sábado, 10, ventinho fresquinho, com prenúncio de sol causticante, como prevê a meteorologia.

Os poréns da vida me levam a ruminar saudades. E as registro com a alma lambida de provocações – como o enorme desejo de pedir, como graça a Deus, a volta às origens e aos sentimentos lindos daqueles tempos. Puros e etéreos sentimentos.
Buenas.

Por Aderbal Machado 03/02/2024 - 07:52 Atualizado em 03/02/2024 - 09:15

Relembrando a infância mais tenra, quase no pé da Serra, lá nos confins do Turvo e do Meleiro, na Boa Vistinha inesquecível, com a invasiva e benfazeja natureza açoitando de beleza e frescor nossas vidas. 
E aí fervilham saudades das estripulias dos manos mais velhos, a cavalgar no Rosilho, um cavalo “passarinheiro”, como dizia Aryovaldo, pois assustado ao extremo com qualquer detalhe esquisito no ambiente – como uma folha caindo à sua frente durante o galope. Ou do mano Agilmar a criar seus bodes carregadores, inventando carrinhos para puxar mantimentos ou apenas para mostrar suas destrezas criativas. Ou da mana Icleia, caseira por excelência e grande companheira de mamãe nas fainas cozinheiras. O César, mais velho, tenho poucas lembranças daqueles tempos. Ele já se aventurava por Araranguá, como auxiliar da Relojoaria Labes e, num repente, casado com Zezinha, filha de Otávio Ramiro e de Dona Mariquinha, aos 16 anos de idade, ela com 17.

Aryovaldo era professor, concluído o Curso Complementar. Naquele tempo valia e, bom lembrar, latim e francês eram línguas ministradas no curso. Aryovaldo dava aulas na escolinha ao lado da igrejinha – que ainda está lá, bela e fagueira (“à sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais...). E até o mano Aimberê foi seu aluno. Sem colher de chá e protecionismos. Ele dizia ser exemplo para os demais. Relembro, por necessário, da atafona e dos lavandins à beira do rio, onde mamãe e tia Carolina lavavam roupas da família e de vizinhos. 

Bem mais tarde – e na época pareceu uma eternidade o passar do tempo entre a infância número um e a infância número dois, acoplada à puberdade no Araranguá e em Criciúma. A alternância entre as duas cidades ocorreu num ciclo vertiginoso. Hoje, pensando nisso, quase endoido naquela rotatividade entre uma cidade e outra. Papai parecia um cigano, definição dele mesmo ouvida por mim várias vezes, tal a assiduidade dessas idas e vindas.

E então vem à mente um tio, irmão de mamãe, com quem papai mantinha ótima relação, pois ele cuidava das nossas terras, na Sanga da Perdida e ali mesmo, na “sede da Boa Vistinha. Era o Tio Zeca, com sua esposa, a Tia Xandoca, com quem convivemos por anos e anos.

Muito mais tarde, mano Aimberê e eu ficamos chocados ao tentar visitar a Sanga da Perdida. Haviam aterrado para plantar fumo. Choramos muito. Desmantelaram um bom pedaço da nossa alma e dos nossos relicários. Poucos veneravam tanto a Boa Vistinha como Aimberê. Mais que eu. Muito mais. Aryovaldo, inclusive. A tal ponto de estarem no Rio Jundiá as suas cinzas, a pedido especial e específico.  Ele sempre repetia ter vivido lá seus melhores dias. Não duvido. Nós também.
Em verdade vos digo: há décadas não vou à Boa Vistinha. Lamento muito por isso, mas essa vida de maluco me prende nos afazeres profissionais e em limitações que nem lhes conto. Gostaria de lá estar em forma de cinzas, espero que bem mais tarde, para fixar bem minha origem grata.

Por Aderbal Machado 27/01/2024 - 07:48 Atualizado em 27/01/2024 - 07:52

Lembro, vez por outra, de episódios vividos na infância no Araranguá. Quando, em turma, íamos à Lagoa da Serra a pé, só pra zoar à beira da água, sobre a relva fresca e sob as árvores selvagens. O medo de jacaré saindo de repente do lago existia. Todo cuidado com cobras. À noite, sapos e outros bichos. E a mosquitada comia solta.

No caminho, ida ou volta, metia-se a mão em melancias dando sopa ao lado da rodovia. Muitas melancias amarelas, hoje raras. Se ombreavam com as vermelhas em quantidade. E algumas vezes éramos surpreendidos pelo dono da roça. Um corridão e pronto. Estávamos a uma distância segura.

Noutras ocasiões, ficava-se de papo na esquina da Sete com a Regimento Barriga Verde, gastando bobagens e mentindo muito sobre conquistas amorosas nunca havidas, só pra dar sintoma de galã. Juntos, ali, quase toda noite, Galo Cego (Sérgio Benito Maciel); Nego Dido; Juarez e o irmão, filhos de Edmundo Grisard – então já falecido e outros “menos votados”. O Galo morava na esquina, ali mesmo. Eu, na Regimento, terreno ao lado. Éramos vizinhos.

O Nego Dido e os filhos de Edmundo Grisard eram funcionários da marcenaria do Bilo, fabricante de caixões funerários. De tal modo virou moda, ao falar de alguém mal de saúde ou colocando em risco a própria segurança – a referência do bordão: “Chama o Bilo”.

É ficção falar disso agora. Muitas gerações passaram desde a época e parece loucura essas referências. Até eu duvido, pois foi tudo tão assustadoramente rápido que me causa uma sensação de perdição, como se tivesse deixado passar uma série de verdades da vida. E quando tento comparar com as coisas d’hoje, piora bem.

E termino relembrando minha amizade com o Juja (José Francisco Grechi), filho de Urivaldi e Eufêmia, irmão de Humberto Ronald e de Dom Moacir Grechi, emérito religioso de alta tradição na Igreja Católica do Brasil.

Juja foi, depois, funcionário destacado do Banco do Brasil. Nossa amizade se moldava em longos passeios de bicicleta pelos recantos da cidade, jogar pião e bolinha de gude ao lado da casa dele, esquina da Sete com a Caetano Lummertz, em frente da casa do Pedrinho Mello, motorista de táxi preferido de papai. A casa de Pedrinho, mais tarde, virou fórum. E hoje é o que é.

Os tempos passados, na comparação com o hoje, foram desfigurados pelo seguir de cada um e pelo alegado “progresso” urbano. Eu, por mim, ainda misturo as imagens e as liquidifico para selecionar as melhores e entronizá-las indelevelmente cá dentro de mim.

Porque não consigo – e nem quero - me separar de um passado muito venerado.

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