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* as opiniões expressas neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do 4oito
Por Aderbal Machado 11/02/2023 - 09:28 Atualizado em 11/02/2023 - 09:30

Fiquei olhando ao longe – com a imensidão do mar e das pedras agressivas, vislumbrando aquela visão magnífica e imaginando a cabeça de Camões ao sentenciar:

“Aqui onde a terra se acaba e o mar começa”, nos Lusíadas (Canto III), referindo-se ao Cabo da Roca, ponto mais ocidental de Portugal continental e da Europa continental. Fica na freguesia de Colares, concelho (sic) de Sintra e distrito de Lisboa.

O Cabo da Roca se precipita sobre o Oceano Atlântico e é visitável, não até o extremo, mas até uma área a 140 metros de altitude.

A sua flora é diversa e, em muitos casos, tem espécies únicas, sendo objeto de vários estudos que se estendem, igualmente, à geomorfologia.

Pois ali, em meio à modernidade, vê-se uma mistura de agressivo cenário – lindo e agressivo -, de matas extensas, caminho de pedras e chão batido ao longo da trilha.

Só Camões para cantá-la numa frase curta e definitiva: “Aqui onde a terra se acaba e o mar começa”.

Ali estivemos em dezembro de 2019, por recomendação da filha e do genro, que nos levaram até lá. 

No cume de um morro está o  Castelo dos Mouros e isso nos remeteu a sensações históricas seculares, de um tempo de Portugal invadida e recomeçada, país de descobridores e sábios. Como Camões, como  Fernando Pessoa, como Alexandre Herculano, para citar só três dos mais notáveis.

Poucos podem imaginar o que se sente ao lá estar. O sabor é indizível. O lugar é único, geográfica e historicamente. Não existe similar (o ponto mais ocidental da Europa e de Portugal continental). E por isso o seu imenso valor.

Saudades de Portugal.

Por Aderbal Machado 04/02/2023 - 08:40 Atualizado em 04/02/2023 - 09:57

Creio que corria o ano de 1972, sei lá. O bestunto não ajuda muito no relógio do tempo. Nereu Guidi, então presidente da Câmara de Criciúma e eu, seu assessor. Decidiu-se criar a Associação dos Vereadores de Santa Catarina, hoje União dos Vereadores. Fomos a Rio do Sul para um encontro definitivo.

A “comitiva” (não lembro mais quem a compunha) ficou num hotel muito perto de uma ponte, captando todo o ruído do trânsito que por ali passava. No barateamento de custos, ficamos em quartos duplos. Coube a Nereu ficar no mesmo quarto que eu; ou eu no mesmo quarto do Nereu, afinal a autoridade era ele, o secundário era eu. O

Nereu foi quem escolheu assim, em nome da nossa amizade.

Na primeira noite, depois de andar pela cidade à procura de algo para fazer – e nada encontrando – resolvemos dormir. No meio da noite, assustado, acordei com o Nereu de janela aberta, olhando o “movimento”. Preocupado, perguntei: “O que houve, Nereu?”

E ele: “Pô, cara, roncando do jeito que você ronca, pensei que estavas morrendo. Estou aqui, acordado, te cuidando”.

No outro dia, fomos jantar em um restaurante (não esperem que eu lembre qual). Nereu, cuidadoso, pediu “uma sopinha”. Olhei o cardápio e lá estava: “Virado à paulista” (feijão, arroz, bisteca de porco, torresmo, um ovo frito e outras coisas “levinhas”). Pedi. Nereu protestou: “Oh, desgraçado, vais me fazer ficar acordado mais uma noite? Come outra coisa!”

A ordem não foi obedecida. E Nereu passou outra noite em claro. Apesar disso, o “Virado à Paulista” estava um espetáculo…

Na foto, Nereu em imagem da época:

Por Aderbal Machado 28/01/2023 - 10:59 Atualizado em 28/01/2023 - 11:00

Roberto disse isso numa música e eu relembro as flores do jardim da nossa casa, numa esquina da Praça Hercílio Luz (Jardim Alcebíades Seara), ao lado do posto de gasolina do André Wendhausen, no Araranguá velho de guerra.

Mamãe as plantava com um zelo incomum e sem seguir rigores estéticos nos canteiros. E assim, nasciam as flores desordenadas, porém lindas no seu conjunto. Muitas flores. Lembro das margaridas. Adorava desmanchar o seu núcleo central como se fosse farinha. Guri malvado. 

Relembro suas hortas de todas as plantas verdes. Ali tinha de tudo. Tudo mesmo. Jamais adquirimos verduras, legumes ou frutas no comércio. Mamãe as plantava e colhia com fartura. Os imensos pomares de laranjas e vergamotas na Boa Vistinha, além da sombra generosa, nos brindavam com frutos fresquíssimos, colhidos na hora e saboreados com quase ânsia. As cascas ficavam ali mesmo, adubando o chão.

Os gramados se espichavam por boa parte do terreno. Ali ninguém pisava, mesmo sem uma advertência explícita.

Também tínhamos um terranão inóspito, com um poço d’água lá no meio, de onde tirávamos a água que nos causava incidência de muitos vermes. Mas naqueles tempos, isso era considerado quase normal. E então surgiu a Ankilostomina Fontoura. Específica e mortal contra verminoses. Os caboclos compravam em pacotes. Pra família toda.

Esta variação temática eu a uso para desviar um pouco algumas angústias, algumas lembranças insistentes de coisas nada compensadoras doutros momentos. A infância e a juventude fervilhavam de alguns entrechoques: o nada ter, o nada poder e o nada desejar. A vida parecia ser uma sequência natural. Em verdade a preocupação com o futuro se restringia à impressão maluca de que os pais seriam imortais e estariam sempre ali, a nos prover de nossas necessidades. Nada ter, nada poder e nada desejar tinha o condão de nos fazer satisfeitos com o momento. E vivê-lo com a intensidade possível. Assim, as enxurradas eram uma farra, as corridas nas estradas empoeiradas, o escalar árvores para apanhar frutas, os banhos no rio Amola Faca e Jundiá, o cuidado com os bichos, o tomar o leite espumante tirado das vacas na hora, o pão caseiro, o milho verde, as conversas cheias de mistério de mamãe e nossos tios – entremeadas por fantasias fantasmagóricas assustadoras sempre. Parecia que adoravam nos ver de olhos esbulhados a cada narrativa terrível. Sempre havia fantasmas atrás das portas, arrastando correntes, emitindo seus sons guturais de chamamento. As “almas penadas”.

E então, de repente, a vida passou num relâmpago e aqui estamos. 

A juventude de hoje, completamente avessa àquele tipo de vida, nem saberia usufruí-lo. A nós cabe a lembrança e a saudade de um tempo inolvidável e longe demais. Não só no fator temporal, mas nos costumes, nas formas de encarar a vida, na forma de enfrentar as agruras e, quiçá, até as facilidades.
Não soubemos aproveitar. Ou, no vulgo: “Éramos felizes e nem sabíamos”.

Por Aderbal Machado 21/01/2023 - 09:00 Atualizado em 21/01/2023 - 09:11

Pois a gente vai buscando na memória alguns momentos marcantes e vai digressando sobre eles.

Continuo sobre Portugal. A insistência tem um pouco de deslumbramento justificado por ter sido a primeira e única viagem internacional que fizemos.

Felizmente tendo como destino um país fascinante sob vários aspectos: pelo que é e pelo que representa, historicamente, na formação da Nação Brasileira, consideradas todas as formas de interpretação.

Chegando lá, após um voo por demais longo (preso dentro de uma avião me dá uma sensação de impotência física, impressionável que sou em certas circunstâncias).

Ao chegar, fiquei matutando sobre as eventuais dificuldades com a migração. Diziam-se ser uma dureza os questionários do pessoal sobre as finalidades da chegada da gente no país. Ledo engano. Depois de encarar uma fila enorme, porém célere, chegamos ao guichê, apresentamos o passaporte e a pergunta clássica veio: “Qual a finalidade da viagem?”.

Resposta: “Assistir ao nascimento de nossa neta”.

“Onde a família reside?”

Resposta: São João de Rana (o funcionário me corrigir: “São Domingos de Rana”. Correto. Ele riu do meu erro.

E carimbou o passaporte. Perguntei, finalmente: 

Perguntei, curioso: “O senhor não quer a comprovação (tínhamos a declaração da filha, do genro e do neto, estabelecendo a veracidade documental)?”

E o funcionário: “Não, a sua palavra basta”. 

Acho que foi com a minha cara ou então imaginou: “Um negrão idoso não iria mentir numa coisa tão banal”. Fiquei feliz.

E aí começou a saga esplêndida dos dias a seguir. Contei detalhes noutras crônicas.

Mas houve coisas iniciais impressionantes, já “de cara”: a imensidão do aeroporto de Lisboa, a paisagem ao longo do caminho, a impressionante organização ambiental, a maravilhosa e vistosa sucessão de residências cercadas de árvores, muita vegetação. E a tranquilidade do tráfego. Sabendo-se que, lá, a velocidade é 70 km/h nessas rodovias de longo curso. Cheio de radares por todo canto. E ninguém chia que nem aqui. Apenas cumprem.

E chegamos a São Domingos de Rana. A filha, genro e netos não moram mais lá. Ficaram mais chiques e se mudaram para Carcavelos, uma belíssima praia. Mas

São Domingos de Rana me deixou uma excepcional impressão de como uma vida pode e deve ser bem vivida e como uma comunidade deve e precisa se comportar em relação a qualquer quesito que se queira.

Foto: Divulgação

 

Por Aderbal Machado 14/01/2023 - 07:00

Um dos pontos que mais me deixou pensativo em Portugal foi o destaque de Alexandre Herculano no Mosteiro dos Jerônimos, em Belém, na Grande Lisboa.

Enquanto Vasco da Gama, Fernando Pessoa e mesmo outros descobridores e personagens destacados de Portugal mereceram monumentos dentro do complexo histórico, as cinzas de Alexandre Herculano estão numa tumba no meio de um salão enorme – enorme MESMO. E ali estão suas frases, seus pensamentos e as referências às suas principais obras. E percebi que ele foi mais importante para a história do que os demais. Pelo menos quanto à literatura, com decisiva força na forja das identidades culturais.

Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo (Lisboa, 28 de março de 1810 – Quinta de Vale de Lobos, Azoia de Baixo, Santarém, 13 de setembro de 1877) foi um escritor, historiador, jornalista e poeta português da era do romantismo.

Como liberal que era, teve como preocupação maior, estabelecida nas suas ações políticas e seus escritos, sobretudo em condenar o absolutismo e a intolerância da coroa no século XVI para denunciar o perigo do retorno a um centralismo da monarquia em Portugal.

Faleceu no dia 18 de Setembro de 1877. Encontra-se sepultado no Mosteiro dos Jerônimos, transladado para aí em 6 de Novembro de 1978.

Uma das obras mais notáveis de Alexandre Herculano é a sua História de Portugal, cujo primeiro volume é publicado em 1846, obra que introduz uma historiografia científica em Portugal, não podia deixar de levantar enorme polêmica, sobretudo com os setores mais conservadores, encabeçados pelo clero, que o atacou por não ter Herculano admitido como verdade histórica o então célebre Milagre de Ourique - segundo o qual Cristo aparecera ao rei Afonso Henriques numa batalha.

Herculano foi o responsável pela introdução e pelo desenvolvimento da narrativa histórica em Portugal. Juntamente com Almeida Garrett, é considerado o introdutor do Romantismo em Portugal, desenvolvendo os temas da incompatibilidade do homem com o meio social.

O trabalho literário de Herculano foi, juntamente com as Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett, o ponto inicial para o desenvolvimento da prosa de ficção moderna em Portugal. A partir disto, as narrativas históricas foram focando épocas cada vez mais próximas do século XIX.

Na imagem, a amplitude do local, onde estivemos

 

Por Aderbal Machado 07/01/2023 - 06:00

Meu gatinho melhorou e começou a receber quimioterapia. Serão, inicialmente, seis sessões imediatas. Duas na quinta, 5, em seguida outras duas (uma por semana) e, finalmente, duas na derradeira semana do “esforço concentrado” determinado pelo oncologista. Após, uma sessão mensal. O custo é alto e precisaria dar uma rebolada financeira pra pagar, mas vale a pena pela vida do meu bichano. É um grande amor que nos une. Seu olhar suplicante, ao ser atingido pela doença me desmontou, até que fui à busca de socorro. Meu desabafo, agora com ares de mais otimismo.

Dito isso, vamos à baila normal.

Volto às minhas memórias de Portugal, onde vivem minha filha, meu genro e meus netos há oito anos e pedradas. Já estão, neste momento, com cidadania quase consagrada.

Lá estivemos, como disse na outra crônica, entre 9 e 29 de dezembro de 2019, vivendo uma experiência maravilhosa de conhecimentos culturais.

Foto: Arquivo Pessoal

Meca do descobrimento, Portugal dominou grande parte da Europa e muitas partes do mundo e até hoje tem influências. 

O mais impressionante, a mim ficou claro, é a cultura e a educação, com raríssimas exceções. Raríssimas mesmo. Não é enfeite vernacular.

Outro mérito notório é a preservação histórica da memória cívica e política. Exceção das marcas deixadas por Antônio de Oliveira Salazar. Mesmo assim, não puderam, por evidente impossibilidade, eliminá-la, pois, majestosa, a Ponte 25 de Abril, por ele construída e originalmente identificada pelo seu nome é um portento. A ponte é algo de inefável beleza e grandiosidade. 

A arquitetura colonial é impressionante em todos os lugares. Em alguns, com mais presença, outros, com menos presença. Um detalhe singular: não há espigões enormes em Portugal. Nenhum, em lugar nenhum. Acho que chamam isso de consciência de sustentabilidade. Lá funciona.

Ainda guardo na memória, dentre tantas visões magníficas, as decantadas visões do Monumento dos Descobridores, do protótipo do avião de Gago Coutinho e Sacadura Cabral e da Torre de Belém, esta talvez a imagem mais identificadora de Portugal. Estando lá perto, livrei-me de me extasiar e fixei a memória prática e poética dos sentimentos atávicos – os Machado são originários da península ibérica. Fechei os olhos e fiquei memorizando, por longos momentos (não esqueçam: eu estava à beira do Tejo, o símbolo vivo de tudo), a saga de Cabral e de Vasco da Gama, ao partir dali para navegar em busca de novos mundos. Me coloquei dentro de um daqueles navios – e vivi a emoção do “terra à vista”!

Minha mulher ante o Monumento dos Descobridores | Foto: Arquivo Pessoal

E então encerro com Camões:

As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

(Lusíadas, Canto I, parte inicial de 106 versos)

Amo meu país e minha terra, mas Portugal é carinho especial.

Por Aderbal Machado 31/12/2022 - 07:00

Começo homenageando meu valente gatinho Félix, acometido por um surpreendente e demolidor câncer intestinal. Estamos tratando com quimioterapia. Mas é irreversível, segundo o oncologista veterinário. Dará uma sobrevida. Cogitou-se eutanásia. Jamais. Vamos tratá-lo, gastando um dinheiro que não temos, para garantir-lhe um final de vida digno e perto dos seus, cercado de carinho. Ficará conosco até quando for possível, não importa o custo.

Meu gatinho Félix, xodó do papai, doentinho

A ele dedico a singeleza de Fernando Pessoa, para tentar me aliviar neste momento terrível:

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu"

Entanto, precisamos ir adiante, embora com a alma ferida e o coração angustiado. Vamos então.

Pois retorno a falar sobre a viagem a Portugal, em dezembro de 2019, minha mulher e eu, a fim de ver o nascimento da netinha portuga Liz, hoje uma linda ruiva, cabelos de fogo e brejeira como poucas.

Naqueles 20 dias frutíferos, cuidei de observar comportamentos e circunstâncias.

1. Nas ruas de São Domingos de Rana, Grande Lisboa, onde  moram a filha Andreia, o neto Arthur e o genro Gregory, circulei muito. Arborização absoluta. Córregos públicos puríssimos, até com peixes. Parques imensos, como o Parque do Bugio. Árvores frutíferas nos terrenos públicos e à beira dos muros. Condomínios abertos.

2. Andei bastante e não vi um sequer gari nas ruas, nem caminhão de lixo. Condomínios e residências não têm recipientes pra lixo doméstico. Este precisa ser guardado em casa e, ao final do dia, é levado a contêineres públicos, que toda quadra tem. O caminhão de lixo recolhe tudo à noite.

3. Nada de lixo nas ruas e, exótico: não há lixeiras por todo canto, só em locais estratégicos, com nas saídas de supermercados e pontos de alta frequência, como os locais turísticos.

4. Nos supermercados, os carrinhos de compras são presos a um sistema, só liberado ante o depósito de um euro, recuperado quando o carrinho  retorna à origem. Nos caixas, zero sacolas de plástico.

5. Ainda irregular por lá, a filha deu entrada na maternidade usando o formulário PB-4, produto de convênio Brasil/Portugal, que dá direito a atendimento de SUS por  um ano e renovável. Com uma diferença: altíssima qualidade e nada de esperas, praticamente. 

6. Ao sair da maternidade, a criança já terá sua identidade magnética com todos os dados em chip. Detalhe assombroso: a receita médica tem os remédios, cujo preço é mostrado e em NENHUMA farmácia do país pode ser diferente, exceto se o paciente quiser trocar de laboratório. E mais: há a data da fabricação e a validade. 

7. Numa vez, além dos tantos pontos históricos (noutras crônicas contarei), fomos a Carcavelos, praia lindíssima. Tudo à beira da orla. Bons restaurantes. E, vejam, cães circulando nas areias e entre as mesas dos restaurantes. Não é vedado e ninguém impede ou reclama. Entretanto, se ocorrer algo danoso pelos cães, o dono é responsável e cobrado na hora.

8. Cinto de segurança, em táxi ou uber: se o passageiro estiver sem e for flagrado, é ele quem paga a multa. Ah, sim: multa cash, com recibo na hora. Ou não sai do lugar. Ou vai preso. O motorista está isento se estiver ele mesmo de cinto. Senão, marcha também. Se não tiver grana na hora, é levado até um caixa rápido.

9. Transporte: se vi dois ou três ciclistas circulando foi muito. Só nas ciclofaixas das praias. Motocicletas: lembro-me de ter visto uma circulando. Assim mesmo porque olhei, pois absolutamente silenciosa.

10. No trânsito, ninguém atravessa fora da faixa de segurança. E motorista PÁRA. 

11. Transporte: tudo é de trem. No país inteiro. Não vi um ônibus. Só microônibus, que servem para levar os passageiros até as gares dos trens. Limpíssimas e ordenadas. Numa delas, em Belém, com um piano para quem quiser e souber tocar. Brilhando de conservado. Compra-se o crédito até onde queira ir e é só ir passando nas catracas. Não há ninguém para cobrar. Ao menos parece, porque fiscalização deve existir, quando alguém burla. Não vi. 

12. Se gostar de churrasco, prepare-se: carne vermelha é caríssima e rara. No mais é frango, coelho, porco e outros bichos. Se quiser dois bifinhos pra matar o desejo é de rebentar o orçamento. 

13. Finalmente: os trens saem RIGOROSAMENTE nos horários. E dentro deles há informações em painéis de horário, condição de tempo, itinerário e as paradas. 

Que inveja me deu...

Por Aderbal Machado 24/12/2022 - 07:00

Visitando Portugal pela primeira e única vez até aqui, atentei para os fatos históricos marcados em Belém, de cujo ponto saíram Cabral e Vasco da Gama para suas aventuras e descobertas.

Fascinado por história, cuidei de visitar o Mosteiro dos Jerônimos, bem ao lado do local onde servem os internacionais “pastéis de Belém”, que, por sinal, degustei, após uma fila enorme cheia de gentes de todas as nacionalidades. Era dezembro de 2019, antes do Natal. Para lá fui dia 9 e de lá sai dia 29. Foram 20 dias de grandes aprendizados “in natura” ou “in loco”, se preferirem. Nada é mais vigoroso do que isto. Ali, dona Sonia e eu giramos o que deu. Não sem uma parada nostálgica à margem do Rio Tejo, com visão panorâmica da Ponte 25 de Abril, maravilha da engenharia e construída pelo ditador Salazar. Por ela passam veículos e trens. Um portento.

Na beira do Rio Tejo, num botequinho modesto, consultei o garçom como poderia ter Internet ali. Ele, imediatamente, me deu o login e a senha. E o sinal entrou rachando. E então meti uma live fora de gelo. Inesquecível.

Isso de sinal de Internet é muito doido: trabalhando na emissora oficial da Câmara de Balneário Camboriú, de vez em quando enfiamos um link de entrevista em vídeo. Os locais sempre têm problemas e falhas. Muitos em pontos ao lado da Câmara. E em duas entrevistas via link de vídeo, uma de Londres e outra de Lisboa, os sinais chegaram arrebentando. Alguma coisa tem aí nesse cafofo. E imagino o que seja.

Pois no Mosteiro dos Jerônimos, tive a honra de visitar os túmulos de Alexandre Herculano, Vasco da Gama, Camões e, destacadamente, de Fernando Pessoa (na imagem).

Foto: Arquivo Pessoal

O registro aqui é apenas para aliviar a barra de um ano que encerra e abrindo luzes para o ano que vem. Este 2022 teve péssimos momentos, entremeado de bons. É assim a vida, porém não gostaria de fosse tão duro o ano, ao perder um irmão, uma cunhada do coração e ver meu gatinho, como agora, com doença grave. 

De qualquer forma, tentemos alterar o rumo, com vontades, com disciplina, com rompimentos à força dos empecilhos e, quem sabe, com orações muito fortes. 

Saravá ou amém.

Como homenagem a Fernando Pessoa, meu personagem predileto, mostro um de seus versos marcantes, que muito dizem sobre meus anseios:

...Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero..."

Fernando Pessoa
Trecho de A passagem das horas

Por Aderbal Machado 17/12/2022 - 06:55

Corria o ano, se me não engano, de 1974 ou 1975. Murilo Canto, então um dos líderes do MDB de Criciúma, ciceroneou na cidade Tancredo Neves. Meu amigo, Murilo levou Tancredo para eu entrevistá-lo no programa jornalístico de debates que tinha na rádio. Depois do programa, Murilo nos levou para jantar na Churrascaria Castelinho, ao lado da emissora, esquina da Rua Marechal Deodoro com Rui Barbosa, de propriedade do Nim Milioli, pai do radialista Milioli Neto.
Sentados à mesa, sozinhos no restaurante àquela hora, continuamos a conversar sobre amenidades e política. Num dado momento, Murilo precisou se ausentar e deixou-nos, Tancredo e eu, aguardando o jantar.

Confesso que fiquei meio sem jeito. Afinal, a imagem de Tancredo, historicamente, o colocava no patamar de um ídolo político dos tempos do getulismo, a época áurea da política brasileira. Como admirador de Getúlio que sempre fui, fiquei meio pasmado diante de Tancredo. E comecei a fazer perguntas simples, quase envergonhadas, sem alcançar a dimensão de uma conversa com um homem daquela estatura histórica e de conhecimentos indiscutíveis na política nacional. E uma testemunha ocular e personagem principal de tantos acontecimentos que marcaram para sempre a vida do Brasil e dos brasileiros.

Mesmo assim, Tancredo fez o que um homem da sua imensidão moral e intelectual faria: ao invés de esperar que eu pudesse alcançar seu patamar – coisa impossível -, simplificou e iniciou a conversar sobre coisas de Santa Catarina, fazendo perguntas sobre mim e sobre a vida em Criciúma. Pediu minha opinião sobre a política local e sobre as pessoas envolvidas. Este foi um dos meus momentos de profundo aprendizado: deixar as pessoas à vontade, não ser arrogante, não tentar fazer prevalecer sua superioridade e nem demonstrar conhecimentos com a intenção de humilhar quem não os têm.

A tal ponto chegou à conversa que, na minha imberbidade profissional, lasquei a pergunta mais profunda e mais óbvia que me ocorreu. Sabendo ter sido ele um dos mais íntimos interlocutores de Getúlio Vargas, indaguei como ele definia o Brasil daquele tempo. E ele foi ainda mais óbvio: “O Brasil antes de Getúlio e o Brasil depois de Getúlio, esta é uma demarcação que nunca se apagará”.

Depois daquele momento, a história mostrou Tancredo Neves emoldurando os mais fantásticos caminhos da política nacional. E eu, claro, jamais poderia ter a pretensão ou a ilusão de, então, ter outro momento de intimidade com ele.

Às vezes a gente vive instantes que se perdem por não termos sabido dar-lhes a dimensão devida.

Por Aderbal Machado 10/12/2022 - 08:40 Atualizado em 10/12/2022 - 08:42

O mano Aimberê se foi numa noite pesada de sábado, 4 de setembro, após uma intensa luta de 25 dias contra males malditos. Apagou lentamente, relatam médicos. O coração perdeu o ritmo, simplesmente. 

Alimento-me, neste momento duro e pesado, das lembranças. Foi o irmão com quem mais me relacionei diretamente. Fomos parceiros na infância e na juventude. Os últimos a separar-se, com cada um seguindo sua rota. Depois disso, ainda, nos mantivemos ungidos por vínculos afetivos fartamente demonstrados nas breves ou nas longas conversas.

Diametralmente opostos politicamente, jamais perdemos tempo tentando um demover o outro de suas ideias. Jamais. Ficamos cada um na sua e fim. Os papos eram retos e apenas retóricos. 

Aimberê tinha forte cultura histórica. Estudou muito. Viajou bastante pelo mundo. Aproveitou bem seus momentos de pujança física.

Marinheiro saído da Escola de Aprendizes de Florianópolis, seguiu para o Rio de Janeiro, na Escola Naval de Villegaignon, onde permaneceu por três anos. 

Adorava e se orgulhava disso.

Estudioso, tornou-se o único dos seis irmãos a completar curso acadêmico. Formou-se em Direito. Nem chegou a advogar. Apenas se manteve vinculado a ações com outros advogados a fim de garantir seu registro na OAB.

Deixemos de currículo, porém. Prefiro ficar aqui, perto de chorar, rememorando as tantas peripécias vividas entre nós. Em Criciúma, moramos no mesmo quarto e dormíamos na mesma cama, uma peça de casal, a chamada “cama turca”, toda estofada, dos pés à cabeça. Linda e florida, comprada ali mesmo. Era a “Pensão do Seu Frasson”, na rua Marechal Deodoro, em frente à casa dos pais do Nereide Serafim, nosso amigo. Os donos, um casal simpático, nos envolviam mensalmente numa conversa de “inflação”, para aumentar o pagamento do aluguel do quarto. E a gente nem discutia, pois ali também fazíamos nossas refeições à moda italiana, algo incomum, pela fartura e qualidade caseira da “boia”. 

A vida em Criciúma e em Araranguá, em plena infância e juventude, nos balizou a personalidade. Aprendemos, na prática, a sermos racionais, simples (até simplórios) nos nossos gostos e prazeres. Contentávamos-nos com pouco. Ou com o suficiente para nos mantermos vivos. Aimberê sempre foi assim: racional. A ponto de, um dia, decidir vender o automóvel que possuía, por absoluta “inutilidade” de ter algo cuja manutenção e custo não compensava, segundo ele. 

Serviu como funcionário do Banco do Brasil por 25 anos, admitido por concurso. Chegou a ocupar várias chefias, inclusive a gerência do Posto Avançado de Paulo Lopes, onde, recebendo o dobro do salário, investiu em propriedades. Tinha isso: sabia valorizar o dinheiro.

Intelectual reconhecido, autor de várias obras literárias, nem parecia ser, tal a forma comum com que falava com a gente. Dizem que os intelectuais verdadeiros são assim: não demonstram. Ele era. 

Pois o Aimberê se foi e me deixa um legado de força mental e espiritual. Ele era agnóstico, mas tenho certeza que, pela sua obra e vida, Deus haverá de lhe dar a bonificação do livre-arbítrio. Pois mal jamais causou a alguém. Assim, embora descrendo, serviu aos propósitos de Deus, apesar de deles dissentir, filosoficamente. 

Sentirei muita saudade dos seus abraços fortes dos nossos encontros. E, sem dúvida, das sonoras risadas que dávamos contando piadas repetidas mil vezes e, para os demais, absolutamente sem graça. Mas nós sabíamos do que estávamos falando. 

Saludos, grumete. Até depois.

Por Aderbal Machado 03/12/2022 - 07:00

Comprar “cartucho americano”, água, cocada, pastel no trem marcava bem aquele tempo de guri, quando, com papai, seguia de Araranguá para Criciúma, com papai indo a serviço, na condição de advogado da CBCA. 

A oferta, a cada parada nas estações, se multiplaca. Um vendedor atrás do outro, sistematicamente. A mim, vejam só, parecia escandaloso vender água. Imaginava: tem em todos os lugares – é só jogar o balde no poço e pronto. Tinha pra mim ser uma excrescência natural. A inocência histórica...

Imagem: FCC - Prefeitura Municipal de Criciúma

Adorava, no curso da viagem, aquele som das rodas do trem passando pelas intersecções dos trilhos: ta-tac-ta-tac-ta-tac-ta-tac-ta-tac. Em compensação, os senões: a fumaceira preta invadindo os vagões, empurrada pelo vento. Cheiro ruim do carvão. E não raro se impregnava nas roupas. E muitas vezes a fuligem sujava a gente todinha. 

Uma hora e meia, com paradas e tudo, era o quanto durava a viagem. De ônibus também, mas o trem era mais cômodo. Quando se decidia pelo ônibus, muito raramente, mil paradas também pelo meio do caminho. E a voz inconfundível do motorista: “Maracajá, quem fica...”

E lá se ia o pessoal descendo. Chamava-se “pinga-pinga”. Tinha os diretos, como hoje. Mais caros na tarifa. Como hoje.

Em algumas ocasiões, papai, pela pressa e pelo conforto, convocava o Pedrinho, tradicional “motorista de praça” do Araranguá, seu amigo pessoal, para nos levar. Eu adorava. O Pedrinho ia conversando o tempo inteiro e a gente podia curtir a paisagem sem atropelos e sem aglomero. 

Até hoje sinto nas narinas aquele cheirinho de café novinho e dos pastéis dos bares de Criciúma, ao desembarcar na estação. E me conforta saber que vivi tudo, de corpo presente.

É forçoso ficar matutando, como em tantas lembranças daqueles tempos, o quanto de perdas tivemos de romantismo, de improvisos, de incômodos que hoje nos dão saudades – pois, nas comparações temporais, vimos o romantismo inocente indo embora. Muito dele já foi. Os mais velhos sabem disso como eu. E sentem saudades como eu. 

Era o tempo das conversas diretas, vis-à-vis, sem disfarces. O mundo era o melhor psicólogo para mentes confusas. Tudo simples, direto, sem sombras. Ah...

Por Aderbal Machado 26/11/2022 - 07:00

Valério era o entregador de pão da Padaria Brasil, ou “Padaria do Zacaron”, como dizia papai. Os pães, entregues de casa em casa, eram acondicionados em um balaio forrado por um pano branco. 

Outros entregadores, desde as épocas dos anos 40, 50, até os anos 60 e quem sabe um bocadinho dos anos 70, faziam o serviço em carrocinhas envidraçadas, nas quais os pães ficavam visíveis. 

Tudo isso hoje é impossível, pelos cuidados da higiene pública e riscos de disseminação de doenças. Verdade, porém: naqueles tempos ninguém dava a mínima pra isso. Valia o conforto do pão na hora do café, novinho em folha e sem preocupações com sair de casa.

No Araranguá, peixes eram vendidos de carrinho de mão, de casa em casa ou em paradas estratégicas em pontos das ruas ou das praças. O mestre dessa arte era o Neném Gago, cujo nome verdadeiro jamais soube qual seja. 

Neném Gago era gago mesmo, não apenas um apelido. Acordava-se com seus gritos: “Olha o peixe; é bagre e não é tainha”. Ou “olha a tainha fresquinha”. Vendia tudo. 

Ah, sim: aqueles tempos eram também os tempos de comprar lenha cortadinha, transportada em carros de boi. Um dos vendedores era o Romário (vejam só!). Havia uma ligação próxima dele com nossa família. Ele foi grande parceiro do meu falecido irmão Adherbal e sofreu muito com sua morte. Acabou sendo praticamente adotado por papai, embora sem morar conosco. Tinha em papai um cliente fiel para comprar suas lenhas. Hoje isso também soa improvável, por razões óbvias. O progressismo,  necessário até na maioria dos casos, isolou esses romantismos e desafios econômicos.

A mana Icleia atendia, todos os sábados, um pedinte chamado Zezinho. Ele batia à sua porta sempre, porém sem pedir esmola. Queria trabalho e receber por isso. A dignidade do cidadão...

O chavão: “Bom dia, dona Icleia.  A senhora tem lenha pra eu picar?” Sempre tinha. E Zezinho só ia embora de café tomado e dinheirinho na mão. Cliente fixo.

Os tempos da lenha serviam ao uso dos chamados “fogões econômicos”, de ferro, substitutos dos velhos e notáveis fogões de tijolos e cimento, até hoje símbolos vivos da boa cozinha do interior. 

E agora, escrevendo isso daqui, fico matutanto: o modernismo foi MESMO um bom negócio?

Por Aderbal Machado 19/11/2022 - 07:00

Ao ser admitido na Companhia Carbonífera Próspera, em 1964, meu exame admissional teve a assinatura do Dr. Raimundo Perez, radiologista renomado da cidade. Lembro-me da submissão a uma radioscopia e, ao final, sorvendo seu cachimbo indefectível e de aroma fortíssimo, o médico falava grosso e baixo. E assinou minha ficha, recomendando como “apto”. A saúde estava boa e foi um alívio. Estava garantido. Na Próspera fiquei por cinco anos (até 1970), quando saí para começar a carreira de radialista na Rádio Eldorado, levado pelo Antônio Luiz e com o contrato inicial assinado pelo Dite Freitas com a sua conhecida caneta de tinta verde, simbolizando o Metropol.

A ficha eu a tenho até hoje (está mostrada aqui, pra provar que não minto), incólume de intempéries. Relíquia. Seu valor histórico pra mim é inestimável.

Pois então:

O Dr. Perez atendia a gente quando se ia “entrar de salário-doença”. Ou seja: quando a gente ficava doentinho ou enjoadinho ou quando inventava uma indisposição para folgar uns dias, o Dr. Perez recebia a gente, atestava, mas receitava os medicamentos e lenitivos: não lembro de outros remédios por ele recomendados e lembro até hoje os que ele receitava fosse qual fosse a “doença” (acho que ele conhecia a malandragem dos fingimentos da turma): Debefenium (remédio pras “bichas”, também chamadas de vermes), Dinistenile (vitamina B12) e Glucoenergan (supressor de apetite e complexo vitamínico). Este último era aplicado na veia e dava um calorão danado. Tinha que ser aplicado bem lentamente. O mais lentamente possível. 

Como eram um bocado doloridas, essas injeções acabavam inibindo novas aventuras de vadiagem e até situações de fato.

Ainda me é muito viva a memória de alguns colegas que, nas tardes do escritório, resolviam tirar uma soneca dentro dos sanitários coletivos. Fechavam a portinhola, estendiam jornais no chão e ali deitavam, não sem antes pedir a um colega que o acordasse um tempo depois (sim, tinha uma “camanga” pra isso entre a turma), tirando um belo cochilo. Até que, não muito tempo depois, o Célio Grijó, chefe do escritório, foi alertado. E tomou uma decisão simples e fatal: mandou serrar a parte inferior das portinholas. Acabou com a farra dos dorminhocos malandros.

Tudo isso era formatado de maneira simples. O escritório era uma comunidade interessante e heterogênea. Corro o risco de esquecer alguns. Mas posso recordar do Hélio Souza, do Érico Machado da Rosa, do Casimiro Schaucoski, do Romeu Vanceta Drum (Toruca), do casal Maria Helena Frutuoso Schmitz e  Toninho, do inesquecível meu amigo Moacir Jardim de Menezes, do Otávio Gaidzinski, Ediz Milaneze, Olávio Pavei, Laurindo Lodetti, Altair Cascaes, Marli Luz e seu pai, Otávio Pacheco dos Reis e mais os chefões Mário Balsini e Jaci Fretta. Não posso deixar de citar Pedro Isaú Conti, se não a Leila vai ficar danada de braba comigo. E com razão. Tive com Pedro uma amizade de muito tempo. Depois, até, a gente trabalhou junto com o Sebastião

Neto Campos num projeto especial. Ele era o chefe e eu o datilógrafo de projetos. Como era um trabalho eventual e eu só aparecia de vez em quando, o Pedro Isaú não teve dúvida e me colocou um apelido: Cometa Halley. 

Aqueles tempos cheios dessas coisas todas eram insuperáveis em convivência. 

“Oh, que saudades que tenho...”

Por Redação 12/11/2022 - 07:00

Algumas conquistas ou caminhos da vida nos dão orgulho. Um deles, pra mim, foi ter a honra de servir ao Exército. Um ano de prestação com consequências eternas: disciplina, integridade, hábitos saudáveis, visão humanística, saúde mental e física.

Seriam oito meses, esticados para um ano (junho a junho, entre 1963 a 1964) em virtude da Revolução. Pra alguns, golpe; pra outros, movimento militar. Nem me importa o apelido a quem interessar possa. Façam bom proveito de suas idiossincrasias. Minhas vivências da época foram singulares, sendo desimportantes as qualificações.

Sair pelo Estado em grupamentos, como saímos, cumprindo missões superiores, nem sempre em condições ideais. Mas sempre, isto sim: SEMPRE superando os óbices apresentados e se adequando aos momentos e às circunstâncias. Dormindo em chãos de cimento duro, solo úmido, sob chuva, vento e frio, com longos períodos indormidos. Porém com as atenções voltadas à consciência do cumprimento do dever. Estávamos ali para isso. 

Lá se via e ouvia de tudo. Fazia-se graça, descontraia-se, viviam-se tensões, aprendia-se a comer o que tinha, nem sempre com a higiene hoje tão decantada e imposta. 

Levantar cedo, tomar banho frio – inverno ou verão – vestir-se rapidamente, não deixar botões expostos e “fora da casinha” (considerava-se o soldado nu quando um botão estava fora da casa): “Soldado, você está nu!”, exclamava o sargento. Podia-se olhar: em algum lugar havia um botão desabotoado. 

Até hoje, quando necessário, meus sapatos são por mim engraxados. Barba jamais a trato em barbearias. Minha roupa, tirada do guarda-roupa e um bocadinho amassadinhas aqui e ali, eu mesmo as passo a ferro. No Exército, lavávamos nossas roupas, enxugávamos e passávamos. Se quiséssemos e gostássemos. Porque mordomia passava longe.

Uma saudade imensa daquela época. E uma lembrança de arrependimento: cabo recruta bem comportado, com Menção Honrosa ao final do cumprimento do serviço, fui convidado a engajar. Disse-me o comandante da Companhia, o Capitão Carlos Augusto Caminha que, engajado, me mandaria para a Quinta Região Militar, em Curitiba e, lá, seria promovido facilmente e seguiria uma carreira boa. Ele gostava da minha disciplina. Não quis. 

O arrependimento me açoita até hoje.

Por Aderbal Machado 05/11/2022 - 07:00 Atualizado em 05/11/2022 - 07:53

Analfabeta (e, inobstante, de uma inteligência invejável), reativa, harmoniosa, gregária por excelência, frágil no físico e gigante no espírito, coração imenso, sorriso meigo, mamãe - Senhora Dona Amarfilina Martins Machado - faleceu num 1º de Novembro, em 1980, vítima de um câncer pulmonar. E jamais fumou na vida. 

Quando percebemos o câncer - e foi por acaso, ante a estranheza de ela caminhar se entortando para a esquerda. Perguntada, disse que não conseguiu endireitar-se, pois doía a lateral. 

Consultamos o Dr. Celso Menezes, oncologista de Criciúma, nosso amigo e, no dia 1º de Novembro de 1979, ele diagnosticou um câncer. Já havia consumido um dos pulmões e o outro "compensava", ocupando mais espaço, pressionando a coluna. Por isso ela se entortava.

Ele nos deu a informação, ao indagarmos quando tempo ela teria: "Um ano". Por triste ironia, foi exatamente um ano.

Durante esse tempo, devo dizer, jamais soltou um gemido ou uma queixa sequer, não demonstrou qualquer dor ou desconforto especial, exceto a perda de memória. A metástase agigantava-se a cada dia.

Até que a internamos (até ali tratávamos em casa) no Hospital Bom Pastor, do Araranguá.

Ali ela faleceu. Mansamente. Exatamente como viveu.

É importante afirmar: católica fervorosa, mulher de fé inquebrantável, assistia missas DIARIAMENTE (seis da manhã), na capela do Ginásio Nossa Senhora Mãe dos Homens, dos padres murialdinos, pertinho de casa.

Fazia-me acompanhá-la todos os anos ao cemitério, nos dias de Finados, na homenagem aos nossos mortos. Levava-me às missas aos domingos. Não obrigava, no entanto. Mas era difícil negar-lhe.

Nos dias da padroeira da cidade, era a primeira da fila nas procissões.

Às noites, à beira da cama, rezava o rosário inteirinho. Só depois adormecia. Sempre candidamente. Às cinco da manhã, ou antes, erguia da cama e partia para as fainas diárias, com uma disposição invejável.

Há episódios incríveis dela. Ficaria longo contar. Tinha reações inesperadas, como quando, ao deixar de pagar o consumo de energia, foram cortar (Força e Luz). Ela suplicou que não o fizessem, pois iria quitar. Negaram. Ela foi atrás de casa, pegou um machado e partiu na direção dos funcionários, que, claro, correram. E então meteu o machado no relógio, espatifou inteiro e sentenciou: "Agora podem cortar esta merda. E nunca mais liguem. Vou usar a lamparina". Usou sempre. Só parou quando, ao morarmos com ela provisoriamente - eu e dona Sonia -, religamos. Foi um tempo delicioso nossa vida em comum naquela casa com ela.

Os terrenos em que residimos eram sempre forrados de árvores e muitas plantações e hortas, cultivadas e plantadas por ela. A natureza lhe era importante. 

Aqui peço minha bênção à Senhora Dona Amarfilina Martins Machado, a velha analfabeta mais inteligente do mundo.

(NA IMAGEM, EU NO SEU COLO CARINHOSO, NOS IDOS DE 1945, NA BOA VISTINHA DO TURVO)

 

Por Aderbal Machado 29/10/2022 - 07:00

Às vezes me perco no tempo e me surpreendo a relembrar momentos distantes dos vínculos profissionais, porém próximos das saudades alimentadas no fervor das visões sonhadas nuns tempos bem servidos de fantasias.

Relembro, por atavismo e amor telúrico, os famosos “Torneios das Profissiões”, promovidos em Araranguá. Times formados por classes de trabalhadores disputavam, num só domingo festivo, no estádio antigo do Grêmio Fronteira e suas enormes dimensões, um título muito doido e inusitado.

Os jogos iam dos primeiros momentos da manhã até quase ao final da tarde, dependendo da quantidade de times em disputa. Cada jogo era 10m x 10m corridos, sem intervalo e sem acréscimos. O perdedor caía fora e o vencedor, automaticamente, seguia adiante. E assim ia o torneio, até chegar ao final. Eram os contadores, os advogados, os dentistas, os estofadores, os mecânicos, os funcionários públicos, os bancários, os comerciários, os industriários e assim por diante. Havia um limite, mas não lembro qual.

Atletas em disputas oficiais estavam fora. Veteranos podiam, se pertencentes à profissão. 

O torneio fez parte do calendário anual do Araranguá. Mas isso tem um tempo doido. Eu era guri, imaginem...

E na LARM, a tabela do campeonato se montava através de um “Torneio Início”. É quando o campeonato começava na Liga. Os vencedores tinham o privilégio de irem encabeçando a tabela. Ao final, estava formada a tabela – o quem contra quem. 

E isso tinha, igualmente, o cheiro e os ares de festa. As disputam eram no “Campo do Comerciário”, depois Estádio Heriberto Hulse do hoje Criciúma. 

Naqueles saudosos tempos dos times da região, alguns atualmente inexistentes. E impressionava a ferocidade (no melhor sentido) das disputas. Tempos do império “larmeano” de Próspera, Comerciário, Atlético Operário, Metropol, Itaúna, Minerasil, Barão do Rio Branco e vai por aí. 

Em ambos os casos – Araranguá e Criciúma – quando ainda os estádios sequer tinham arquibancadas ou alambrados. Tudo franco e aberto. 

Épocas em que os árbitros e os adversários tomavam todo o cuidado – nem sempre com sucesso – ao sair do estádio  (ou a chegar): passava-se, literalmente, no meio da torcida. Não era raro sombrinhadas na cabeça de árbitros ou adversários, por torcedoras fanáticas e mais afoitas, como a mãe de Jóia, Cecê e Mememo, jogadores do Grêmio Araranguaense. Relembro os nomes: Jóia: Joênio Luchina; Cecê: Antônio Reconci Luchina e Mememo: Zelmo Luchina. Todos meus amigos da época.

Por Aderbal Machado 22/10/2022 - 16:41 Atualizado em 22/10/2022 - 19:59

Bolinha – Carlos Eduardo Mendonça – quando trabalhou na Rádio Eldorado em Criciúma, fez um sucesso descomunal. Chegou arrasando como repórter esportivo: ia aos campos vestindo um agasalho coloridíssimo, cheio de bossa e fazia uma festa nas suas intervenções.

Simultaneamente, mostrou uma incomum verve como repórter político. E teve sorte, como todo bom profissional. Foi no tempo em que atuava por lá um famoso bandido chamado “Doutorzinho”, um bandido de classe média alta que se comprazia em se fazer passar por militares de alta patente e até médicos (ele foi estudante de medicina durante muitos semestres). Disseram, na época, que ele chegou a se passar por um coronel do Exército (estávamos no militarismo brabo) para abordar pessoas graúdas e assaltá-las. Nessa condição fez até sequestros de alto calibre.

Noutra ocasião, também disseram, se fez passar por médico em Turvo e lá teria até clinicado durante um tempo. Acompanhava-o um marginal feioso e perigoso cujo apelido (!!!) era “Chumbinho”. Na hora dos “atraques”, Doutorzinho fazia o papel do bom moço, educado e gentil, enquanto Chumbinho era o homem mau, o durão e frio (e era mesmo…).
Pois a Polícia saiu atrás dos dois por toda a região. Um dia, ambos apareceram mortos, enterrados nos cômoros da praia do Arroio do Silva, hoje município.

E quem fez a cobertura, num “furo” espetacular? O Bolinha. Imaginem a farra que ele fez, da forma espetaculosa que só ele sabia fazer. Ficou um mês deitando e rolando em cima do assunto, com informações exclusivíssimas todo dia.

Pois o Bolinha trabalhava na Rádio Eldorado e eu ainda não estava lá (entrei em 1970). Um dia, estavam o Antônio Luiz (gerente) e mais não sei quem apresentando o Jornal Falado do meio-dia. E Bolinha, no vidro da frente, junto ao operador de som, tentava fazer Antônio e seu companheiro rirem. E Antônio falou: “Não adianta, Bolinha, pode fazer a micagem que você quiser que nós não vamos rir.” E o Bolinha fez de tudo: balançou a barriga, espichou a boca, arregalou os olhos, revirou-os e nada. De repente, ele sumiu. Teria desistido?

Que nada. De repente, o Bolinha desceu a calça do agasalho (era de uma gordura imensa!!) ficou de costas para o Antônio e seu colega e esmagou o traseiro, apertando-o contra a divisória de vidro. Antônio perdeu a aposta. Rolaram a rir e o jornal acabou ali.

Por Aderbal Machado 15/10/2022 - 07:00

Seja em rádio, no meu começo – ou em televisão, um pouco mais adiante e também no começo, havia empecilhos sumários ou imensos, dependendo da circunstância ou momento. Transmitir ao vivo se enquadrava como uma epopeia: envolvia pedido de linha à Telesc, preferencialmente uma “LPP”, convencionada como “ida e volta”, para transmissão e escuta a um só tempo. Pedido, diga-se, com antecedência. Dependendo da ocasião, com dias de prazo. Caso, por exemplo, da transmissão da eleição indireta de Colombo Salles em 1970, na Assembleia Legislativa, ainda localizada naquele casarão cinzento-escuro da Avenida Rio Branco, depois sede do Batalhão da PM. Hoje não sei o que seja.

Houve casos hilários, como quando Antônio Luiz e eu fomos transmitir uma regata da classe “snipe” no Campestre Iate Clube, hoje Condomínio Villa Suíça. Chegando lá, montamos o aparato todo, liga daqui, liga dali, confere a linha (“alô estúdio, alô estúdio, se estiver ouvindo dá dois cortes”). Depois de uma meia hora, terminamos e íamos iniciar a transmissão. Mas, transmitir o quê, aquele monte de barcos a uma distância enorme, lá no meio da lagoa, significava o quê mesmo? Quem estaria vencendo? 

Olhamos para o lado e lá estava Silvio Bittencourt, o comodoro do Iate Clube e dono do lugar todinho, sentado com outro sujeito a falar e beber cerveja. Ao perguntarmos ao Sílvio sobre a disputa para se familiarizar com detalhes técnicos, ele apontou ao sujeito sentado com ele: “Já terminou. O Nelson Piccolo aqui sentado comigo, venceu”. Nelson era campeão mundial da categoria. 

Enfiamos a cara no chão e saímos vermelhos de vergonha. Vexame.

Ensacamos todo o equipamento sem organizar muito e nos mandamos embora.

Na eleição de Colombo, em Florianópolis, em 1970, também fomos eu e o Antônio Luiz, mas aí a transmissão saiu direitinho. Ali conheci Ramiro Gregório da Silva, mais tarde meu camarada dileto na Rádio Aquarela (hoje Marazul) de Barra Velha, então absoluto em Joinville pela Rádio Cultura. Cheio de marra e competente colega. Fazia chover canivete nas transmissões.

Aqui homenageio os tantos colegas que tive nos tempos da TV Eldorado, pioneira no sul e jamais esquecida no seu protagonismo forte no sul inteiro, de fio a pavio. Saudades ardidas daquele tempo.

Porque sem eles nada seria igual. Abração a todos.

Por Aderbal Machado 08/10/2022 - 08:00 Atualizado em 08/10/2022 - 08:18

Lembro de Adhemar Ghisi, deputado federal da Arena, eleito com o apoio decisivo do “velho” Diomício, nosso grande líder do sul. Insubstituível.

Chegado de Brasília, nos fins de semana, sempre trazia com ele uma enorme fita de rolo para rodar na rádio. Ainda escolhia o horário: meio-dia. Nada casualmente, dentro do Jornal Falado que eu produzia e apresentava. As fitas jamais tinham menos de meia hora de duração. Eram seus discursos integrais sobre temas da região. Com apartes e tudo.

Eu ficava puto da cara com aquilo, no início, porque desmantelava todo o roteiro do programa. Depois, absorvi, porque tive uma conversa com “seu” Diomício, após chamar-me. Me disse o “velho”: “Machado, o Adhemar é nosso candidato e nosso deputado.

Se nós não apoiarmos e ajudá-lo, quem apoiará e ajudará? Os comunistas? A rádio está aí para isso, ou para que você acha que eu tenho rádio e faço política?”

Relaxei e absorvi, mantendo com Adhemar, ao longo do tempo, uma sólida relação de amizade.

(Um detalhe solto aqui: no rastro dessa relação ele me convidou e me levou a visitar Brasília – a primeira vez em 1973, na eleição de Maria Hermínia Aléssio como Miss Santa Catarina, concorrendo ao Miss Brasil, concurso que transmitimos ao vivo – eu e o Darciony Silva. O Adhemar foi nosso anfitrião.)

Lembro como se fosse hoje: o prédio da Eldorado, na Rua Rui Barbosa, ao lado do Edifício Comasa. Muitas vezes, quando não trazia fita em rolo com seus discursos, Adhemar ia falar ao vivo ao meio dia. E então o programa se ampliava para até uma hora ou mais.

Terminada a entrevista, a gente chegava à janela com vista para o Comasa, e aquela fila enorme de gente à frente do escritório político do Adhemar (que ficava no edifício). Adhemar nem havia almoçado e eu dizia: “Escapa, Adhemar, vai almoçar”.

Ele, no seu estilo de político popular e dedicado, dizia: “Não posso deixar meu povo esperando. Vou comer um sanduíche e vou atendê-los. É para isso que fui eleito”.

Tive pelo menos um entrevero sério com o Adhemar. Foi quando ele estava num evento e eu fazia cobertura e, na pressa de sair para poder veicular a matéria, saí sem entrevistá-lo. Ele se queixou para o velho Diomício, que me chamou para explicar.

Expliquei, mas mesmo assim ele ficou acabrunhado comigo. Levei o caso ao Evaldo Stopassoli, então diretor da rádio, e ele foi categórico: “Estou contigo. Vai firme. O tempo resolverá tudo”. 

Passamos um tempo de cara virada. Mas, pouco depois, Adhemar foi citado como um nome possível para ser candidato ao governo, nomeado pelos milicos (1975, eleição indireta). Não tinha muitas chances, mas estava lá o seu nome na lista.

Adivinhem qual foi o único jornalista que publicamente o apoiou e defendeu como candidato? Euzinho mesmo. Então recebi um telefonema emocionado do Adhemar, quase instantâneo, me agradecendo e retornando à nossa velha amizade, que perdurou até sua morte.

Se Santa Catarina deve muito – o Sul em particular – a algumas pessoas, por certo uma das principais é Adhemar Ghisi. Minhas homenagens a esse guerreiro da vida.

Por Aderbal Machado 01/10/2022 - 07:00

Personagem folclórico dos bons tempos do Araranguá, torcedor emérito e cativo do time do Grêmio Esportivo Araranguaense, Loló viajava com a delegação sempre. Eu era goleiro reserva do aspirante (tudo pelos idos de 1958/1959). O goleiro titular e absoluto do time era o Nilson (Matos Pereira), com o Nedo (Enedir Perraro) na reserva. Houve jogos em que Nedo assumiu a posição,  =porque o Nilson cismava de jogar no ataque. E o Quitandinha (Alirio Monteiro), técnico do time, o escalava como centro-avante. Não tinha como  não escalar, ou o Nilson ficaria zoando no ouvindo dele o tempo inteiro.

Pois o Loló, nosso personagem, costumava beber todas. Entrava no ônibus já “abastecido”. Embora isso, era dócil, não encrencava com ninguém. Só ficava na galera, torcendo feito um doido, berrando alucinadamente. Era nossa mascote, por assim dizer. Pois fomos disputar uma partida na Mineração da Içara contra o Barão do Rio Branco. Campinho pequeno, sem cerca e sem alambrado, a torcida fungando no cangote dos jogadores e do árbitro. Acabamos empatando em zero a zero. A torcida local não gostou. E resolveu nos pressionar e provocar. Ao tentarmos ir para o ônibus, um corredor polonês se formou. Ficamos quietinhos e fomos nos encaminhando. Todos no ônibus, motor ligado, cadê o Loló? 

Uma gritaria lá fora, tumulto, amontoado de gente, a caboclada cercou o Loló e batia nele com vontade. Saímos correndo do ônibus e fomos em socorro dele. Empurra daqui, empurra dali, bate daqui, leva sopapo de lá, pegamos o Loló todo estropiado e levamos pro ônibus. Não sem pressão total. O ônibus arrancou e saímos do sufoco, finalmente. 

Mais aliviados, cuidamos do Loló, todo rebentado, mas firme. E perguntamos o que deu na cabeça dele de provocar os caras naquela situação de vulnerabilidade. “Falaram gracinha pra mim, eu não gostei e fui pra porrada”.  Na realidade, “fui pra porrada” era um eufemismo mal colocado para dizer que apanhou pra burro e não conseguiu bater em ninguém.  

E Loló, mesmo assim e olhando pra nós, comentou: “Nossa, “briguêmo” barbaridade, né?” A gargalhada geral encerrou o episódio. Loló era uma figuraça inesquecível.

Até hoje não sei o nome do Loló, como não sei o nome de tantos araranguaenses diletos do meu tempo, que só eram conhecidos por apelido. Araranguá era requintada em apelidos: Nadico, Lulu, Joia, Mememo, Cecê, Piava, Pé-de-carne, Savelha, Bagre, Pinguim, Cabide, Foguinho, Cambota, Lelém, Ferrinho, Inchume, Boça, Dedagem, além de tantos outros que, se eu puxasse pela memória, iriam brotando.

(A imagem que escolhi para ilustrar esta crônica e que me é especialmente querida foi esta. A lateral da Praça Hercílio Luz, com seu casario misturando as arquiteturas, local de residência de muitas famílias tradicionalíssimas da cidade. A visão é, exatamente, a partir da esquina de nossa casa saudosa, ao lado do Posto do André Wendhausen. Quase choro ao visualizar. Foto: Salvador. História imorredoura)

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