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DEIXE AQUI SEU PALPITE PARA O JOGO DO CRICIÚMA!
* as opiniões expressas neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do 4oito
Por Aderbal Machado 30/07/2022 - 06:00

Quando entrei na vida do rádio em caráter definitivo e profissional, entrei por causa do Aryovaldo. Ele me levou para a então recém fundada Rádio Difusora de Criciúma, em 1962, “A Emissora do Trabalhador”, comandada pelo Doutel de Andrade através do próprio Aryovaldo e do Vânio Faraco (Addo Vânio de Aquino Faraco), pai da deputada Ada Faraco de Luca, esposa do Walmor de Luca.

Até eles brigarem por causa de política, fiquei ali. Em 1963, fui convocado para o Exército e interrompi a trajetória. No retorno, em junho de 1964, fiquei mais um tempo, aí já noutra orientação, sob a gerência da Hilda Trevisol, mãe de Sílvio Trevisol, um dos primeiros gerentes da Rádio Difusora de Içara.

Péssimo momento e experiência muita ruim. Um bagaço aquele período. Jogadas políticas em decorrência dos posicionamentos do Aryovaldo, então vereador, me jogaram para fora da rádio. Dali, ainda por influência direta do Aryovaldo, ingressei na Companhia Carbonífera Próspera. Lá, fiquei cinco anos, até 1970, quando ingressei na Rádio Eldorado e desde então nunca mais deixei o exercício de jornalismo e de radialismo. Um e outro ou os dois, simultaneamente.

Não conto aqui meus períodos ilusórios na Rádio Araranguá, lá pelos meus 12 ou 13 anos, uma bobagem que só me criou imagens fantásticas de estrelismo, que ainda hoje assolam pessoas da área, adultas e tidas como sensatas. 

Por princípio detesto gravar programas. Adoro o jornalismo ao vivo, com seus riscos e possibilidades de erro ou talvez por causa deles. Gravar é muito cosmético, a não ser em casos de extrema necessidade ou condição do trabalho.

Por Aderbal Machado 06/08/2022 - 07:00

Recordações me conduzem às madrugadas frias da minha cidade natal, seis da manhã, saindo da estação no bairro Barranca, resfolegando pelos campos – Maracajá, Sangão (o trem parava para abastecer de água) e finalmente Criciúma. Meu Deus, quanta lembrança daquela cidade carinhosa, a Criciúma da década de 50/60! 

A gente cruzava pelo meio da cidade – e vislumbrava as casinhas à margem dos trilhos. Desembarcando na estação, já se descia sentindo aquele cheirinho de café novinho dos bares das redondezas, misturado ao cheiro de pastel e rosquinhas de polvilho. Descendo a Rua Conselheiro João Zanette passava-se pelo Hotel Brasil, que estão demolindo, onde reinava seu Frasson, amigo de papai e nossa hospedagem habitual.

Um pouquinho mais abaixo a “Gruta Azul”, cujo pastel e cuja “batida de banana” tinha algo de divinal. Mais abaixo, a “Casa Roque” e em seguida a “Casa Ouro”. Desses locais tenho até hoje uma saudade imensa, pois faziam parte de um roteiro de infância habitual, incluindo aí a passarela de metal sobre os trilhos.

Tenho noção, ainda hoje, até do cheiro desses locais e da cidade, na sua bruma matinal.

O monumento ao mineiro, no Centro da Praça Nereu Ramos, era uma homenagem ao Congresso Eucarístico Brasileiro de 1946 – realizado na ainda hoje denominada “Praça do Congresso”.

O Nelson Alexandrino, prefeito, mandou demoli-lo (meu Deus do Céu, que heresia!) para no seu lugar construir uma fonte luminosa. Jamais o perdoei por isso. Ele simplesmente desmantelou parte vital da história de Criciúma.

Em algumas dessas viagens fui a Laguna, como contei aqui noutra crônica. Uma epopeia. Cine Mussi, clubes Blondin e Congresso, bairro Magalhães (havia ali um aeroporto, sim senhores, onde pousavam aviões da TAC (Transportes Aéreos Catarinense), Museu Anita Garibaldi e uma imensa história, Morro da Glória, Praia do Mar Grosso.

Criciúma e Laguna daqueles tempos, para quem viveu e conheceu é impossível esquecer. Pena que as lembranças se perdem no tempo (não no meu caso), pois as gerações se sucedem e vão jogando tudo isso no lixo em nome do modernismo, da tecnologia.

Quando hoje falam de música, de arte, de cultura, de amizade, de qualidade de vida, de natureza, de alegria – precisariam retroceder no tempo e viver aquela época. E veriam que, hoje, vegetamos ao invés de viver. O progresso nos fez perder quase tudo.

Por Aderbal Machado 13/08/2022 - 20:00 Atualizado em 13/08/2022 - 20:09

Na velha Eldorado, lá pela década de 50, Osmar Nunes apresentava um musical pela manhã e o controle de som (ou sonoplasta, como se dizia muito) era o Olímpio Vargas. Ainda no Edifício Dom Joaquim, segundo andar.

Funcionava o “correio elegante”, com ouvintes oferecendo músicas para amigos, namoradas ou namorados nos aniversários ou até sem motivo algum.

Tipo “com muito amor e carinho” ou “simbolizando nosso amor eterno”, eram as frases usais dos oferecimentos. Detalhe: muitos desses oferecimentos eram pagos e a grana ficava com o apresentador. Diga-se: com permissão e estímulo do dono da rádio, como forma de remunerar o trabalho.

Tempos dos discos de acetato, muito antes dos long-plays, de vinil. Os discos de acetatos tinham uma música de cada lado e quebravam ao menor choque. Tinha que ter muito cuidado no manuseio.

Um dia, num desses musicais do Osmar Nunes, ele anunciou: “E agora, Nelson Gonçalves, com “Boemia”.  Cadê o disco? Não estava ali. Alguém esqueceu de organizar. Estava na discoteca, que ficava na parte da frente, ao lado do pequeno auditório.

O que fazer? Olímpio nem teve dúvidas: foi na chave geral, desligou a energia e apagou tudo. Foi à discoteca, pegou o disco, trouxe e colocou no prato, colocando a agulha no  meio da música. E religou a chave da energia.

Assim, o ouvinte imaginou, apenas, que “faltou luz” e não houve um descuido doido do programador (que, por sinal, era o próprio Olímpio).

Essas coisas não aconteceriam jamais hoje. Primeiro, porque a tecnologia resolve. Segundo, porque essa criatividade surgia nos apertos mais insondáveis do rádio daquele tempo. Um dia conto outras histórias dos improvisos.

Como no caso do contrarregra que, ao ter que disparar o som de um tiro, disparou o mugido de um boi. E o artista, surpreendido, não se fez de rogado: “Não adianta se esconder atrás do boi porque eu te pego assim mesmo”.

Por Aderbal Machado 20/08/2022 - 07:00

Corria o ano de 1964. Eu, cabo do glorioso Exército Nacional, acantonado em Laguna para uma missão, de folga, pedi ao meu comandante, capitão Carlos Augusto Caminha (mais tarde secretário da Educação de Colombo Salles e, depois, ainda, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado), permissão para visitar meu mano Aryovaldo em Criciúma. 

Autorizado, sob a recomendação de ir “paramentado”. Ou seja: pronto para qualquer emergência. Fardado, cinto de guarnição com munições e .45 na cintura e capacete de combate. Na época, as empresas de ônibus permitiam viagens de militares de graça. Fui.

Chegando a Criciúma, lá pela beira das 19h e trinta minutos, noite quase cheia, desci do ônibus e fui caminhando pela lateral de Praça Nereu Ramos/Rua Getúlio Vargas, na direção da Rua Santo Antônio, onde morava o Aryovaldo, num casarão maravilhoso de propriedade do concunhado Manif  Zacharias, altos da Praça do Congresso. 

De repente, à minha frente, andando devagar, reconheci Ézio Lima, amigo da família, que ia pra casa por aquele caminho. Resolvi conversar com ele e fui caminhando atrás. De repente, Ézio deu uma paradinha, mas ao me ver, seguiu adiante, acelerando o passo. Fiquei pensando comigo: “Ué, qual é a do Ézio?”. E acelerei também. E ele acelerou mais ainda. Até que, quase correndo, o alcancei e o chamei pelo nome. Ele parou, encostou-se no muro numa atitude de defesa e, quando cheguei mais perto, ele me reconheceu finalmente. 

Sua reação foi surpreendente: “Seu grande filho de uma puta!”.

Espantado, reagi: “Que é isso, Ézio?”.

E ele: “Desgraçado, pensei que algum milico tava me perseguindo (naqueles dias a cidade estava coalhada de soldados, que prendiam sem muitas cerimônias)”.

“E daí?”, perguntei eu.

E Ézio explicou: “Daí que tô eu aqui, vindo da rádio com a advertência do seu Diomício (nosso grande líder inspirador) para tomar cuidado. Ele, pra me ajudar em eventual defesa, me deu um 38 pra trazer, que tá aqui na minha cintura. Se um milico me pega, até eu explicar quem sou e dar mil explicações sobre o revólver, tô lascado. Sabe-se lá quanto tempo ficaria preso!”.

E então desatamos a rir os dois daquela situação maluca. 

Ézio, necessário dizer, foi um dos radialistas/jornalistas mais competentes e autênticos que conheci. Tivemos um primeiro contato pessoal em 1959, quando ele, diretor da Rádio Tubá de Tubarão, trabalhava ao lado dos manos Attahualpa César e Agilmar, outros monstros do rádio-jornalismo do sul, meus mestres.

Lembro como se fosse hoje dele e César ouvindo o jogo Hercílio Luz e Paula Ramos (Florianópolis), na decisão do estadual daquele ano, na Capital; 3 x 1 para o Paula Ramos, se a memória não me trai. A cada gol, Ézio exclamava: “Acharam o buraco na defesa”. 

Ézio é pai do meu compadre e prestigiado advogado Gilberto Procópio Lima, marido da minha comadre e exitosa empresária do ramo imobiliário em Içara, uma alma grandiosa que sei bem o tamanho por tantos atos e fatos. A campeã. Outro dia falo de coisas da convivência com minha comadre e meu compadre naqueles bons tempos em que tínhamos como elo comum os pais de Raquel, o saudoso Castilho e a inesquecível Júlia, com quem disputávamos furiosas partidas de canastra, inesquecíveis até hoje.

Narrarei um episódio histriônico ao extremo, quando íamos passar o réveillon em Siderópolis, a convite do clube local e nosso carro enguiçou exatamente em frente à Maracangalha. E passamos ali o réveillon, sem muitas cerimônias. 

O tempo. Ah, o tempo, esse miserável que não volta mais...

Por Aderbal Machado 27/08/2022 - 07:00

Uma coisa típica do saudoso Evaldo Stopassoli, nosso diretor da Eldorado, era comemorar, todo ano, o Dia do Radialista homenageando os profissionais com um almoço. Normalmente, em uma churrascaria ou restaurante. Fomos algumas vezes ao Morro dos Conventos, até ao restaurante do Criciúma Clube. Numa dessas ocasiões, já com televisão e rádio acopladas nas nossas atividades diárias, ele contratou almoço na Churrascaria Bezerrão, na Seis de Janeiro, em frente à Praça do Imigrante e ao lado do então Cine Milanez.

Prato do dia: feijoada. O garçom designado para nos servir foi o Edgar. O Edgar era o mais famoso da cidade. Passou pelo Recanto de Kátia, Castelinho, o restaurante do Daltro Rabelo na Getúlio Vargas e por mais sei lá quais – e era chamado para grandes eventos.

Fã de Francisco Petrônio, um dia o artista foi ao meu programa na Rádio Eldorado, ao lado do Castelinho e, ao final, descemos e lá na calçada estava o Edgar olhando pra nós. Não resisti. Falei ao Petrônio do fã e ele fez questão de ir até lá. Convidado para um aperitivo servido pelo Edgar, foi e a turma toda sentou à mesa. 

Iniciou uma conversa entre os dois e, num dado momento, após Edgar citar passagens de programas e músicas do artista e detalhar partes de sua trajetória, Petrônio arregalou os olhos e disse: “Bah, nem eu lembro mais disso”. Pois só digo isso para espelhar bem a personalidade inefável do Edgar.

E nosso almoço de comemoração do Dia do Radialista no Bezerrão ele se superou.

Na hora de cada um pedir bebida para acompanhar, o Claudisnei Constante, cinegrafista – que pode confirmar isso, pois disse que a lembrança ficou marcada indelevelmente -, resolveu perguntar ao Edgar se tinha maionese.

O Edgar fuzilou um olhar para ele: “O quê? Maionese com feijoada? Seu grosso!! NÃO TRAGO! Vai buscar se quiser!” 

E o Claudisnei teve que ir, porque o Edgar não serviu e pronto. As risadas duraram muito tempo. Até hoje, quando, num desses encontros saudosistas da turma daqueles tempos, a história foi lembrada.

Por Aderbal Machado 03/09/2022 - 07:00

Meu mundo ficou menor. O mundo da família Machado ficou menor. O velho jornalismo da melhor cepa ficou menor. Foi-se o mestre dos mestres.

A morte de meu mano César, ou Attahualpa, atingiu em cheio a estirpe. Ele foi o precursor. Ele foi o cabedal.

Logo depois de sua morte, no outro dia, ainda com os olhos inchados de tanto chorar, escrevi isto:

Permitam-me. 

A morte de meu mano César, ou Ataualpa, como escreviam alguns, ou Atahualpa, como escreviam outros pensando estar fazendo corretamente (ele corrigia sempre: é Attahualpa. Como no registro. Tinha esta mania do correto), abriu um vácuo na família. Mais velho dos seis irmãos viventes, dedicou sua vida a forjar liames. Sua família, estruturada na raça e na vontade, forjou dois juízes respeitados: Osíris e José Clésio. Daí vieram dois netos, também juízes: Marco Augusto e Marco Aurélio Guisi Machado.

Cesinha, como a gente chama o terceiro filho, é economiário da Caixa Econômica Federal e escritor renomado. Dele só poderia sair coisa assim. Rigoroso jornalista de português castiço, radialista de uma agudeza temida por onde passou – Tubarão, Florianópolis, Criciúma e São Paulo, tinha por norma exigir perfeição.

Até pelos seus exemplos.

Agnóstico, exerceu uma suprema contradição ao ser contratado para chefiar o radiojornalismo da Rádio Tubá, de Tubarão, comandada pela Diocese Metropolitana. Dirigida por um padre e comandada por padres. Quem o contratou, por ingerência pessoal, foi Dom Anselmo Pietrulla, então Bispo Diocesano, que o sabia agnóstico e questionador dos meandros da fé.

Certa ocasião, numa de suas conversas privadas, Dom Anselmo tentava dissuadi-lo e levá-lo para a fé religiosa. Attahualpa, sem qualquer titubeio, chocou o Bispo: “O que o senhor prefere: um católico papa-hóstia e trambiqueiro, que só se confessa por formalismo, ou um ateu honesto, solidário, filantropo e benévolo?”

Dom Anselmo não teve dúvida: “Fico com o ateu”.

E a conversa ficou por aí. Trabalhou na Rádio Tubá, com Dom Anselmo no comando, por 10 anos. E jamais tiveram rusgas. Por questões de religião, por política ou por questão ética ou profissional.

Não, não era ateu. Fazia questão de afirmar. Era agnóstico. Entretanto, por muitas vezes falamos sobre fé – e levei-lhe sempre minhas convicções. Ele jamais as questionou. Ouvia com a mesma atenção com que queria ser ouvido.

Mas eu duvido, sinceramente, que neste momento, Deus não o tenha acolhido. Sua falta de fé na Terra se inseria no Livre Arbítrio Divino. Até porque ele alimentava seus sentidos de descrença nas suas teorias para consumo interno, eventualmente exteriorizadas. Jamais as consumou na prática, tal a força com que agiu, tal a vontade e o determinismo com que viveu a vida, tal o poder que exerceu para o bem de todos os que o cercaram.

Jamais alguém poderá creditar-lhe uma injustiça sequer, cometida por desvario ou por intenção. Sequer, arrisco dizer, por descuido. Tal era seu espírito de harmonia e benevolência. Tal era seu rigor consigo mesmo ao desvelar-se a filhos, a netos, à esposa, aos irmãos e aos amigos. E ao “velho” Telésforo, nosso pai, a quem ele venerava e quis com ele ficar, em Araranguá, para onde foram suas cinzas.

Nosso mundo – e não é chavão – ficou menor sem o César. Fico-lhe devendo, mano, os muitos momentos que passamos a sós, revelando nossos segredos, emulando nossas idiossincrasias, atritando nossas diferenças. Saudades das suas broncas, das suas correções, das suas lições.

Tão pouco tempo, tão poucas horas que você se foi e já parece uma eternidade.

Por Aderbal Machado 10/09/2022 - 07:00

“Saudade, muita saudade; A mim perguntas: de quê? Vou dizer-te uma verdade:

Saudade só de você…” (JG de Araújo Jorge).

Sinto saudades da margem do rio Araranguá, tomada pelo mato, grandes árvores, trapiches e pescadores bissextos, abrigos de lanchas, como a do “seu” Tuca Campos, que ficava ao ar livre, sem seguranças, sem travas e ninguém nela tocava;

Sinto saudades do ronco dos caminhões, “chorando” na primeira marcha para subir a “lomba do Paulo Hahn”, de chegada ao centro de Araranguá a partir do bairro Cidade Alta;

Sinto saudades do Nego Bahia, vendedor de loterias que ficava na calçada do antigo Café Ouro Preto, em Criciúma, chamando todo mundo de “Majó” e sobrevivendo sorrindo, sempre com um otimismo contagiante.

Sinto saudades, em Criciúma, da loja “A Brasileira” do Max Finster, com o balconista Mário Belolli, sempre vendendo roupas de primeira linha para homens de bom gosto.

Sinto saudades, em Criciúma, das Lojas Renner, (“a boa roupa ponto-por-ponto”) do Sinval Bohrer, um cavalheiro com ares e polidez de um “gentleman” inglês.

Sinto saudades da primeira vez que fui a Laguna, a convite do Agilmar Machado, meu mano e gerente da Rádio Difusora e lá vivi momentos maravilhosos, cheirando história e tradição.

Sinto saudades das matinês dos domingos à tarde, quando a gurizada assistia aos seriados de Flash Gordon e Capitão América no Cine Roxy, do Araranguá e lotava a sala.

Sinto saudades de quando, sem televisão, computadores, jogos eletrônicos, brinquedos sofisticados, a gente se reunia para apenas conversar e bolar como ludibriar o vizinho dono daquela goiabeira maravilhosa.

Sinto saudades quando a gente, em turma, ia apanhar araçás e outras frutas silvestres nos matagais perto de casa e brincava de “mocinho e bandido” no paiol de farinha de mandioca do Pedro Gomes, na Cidade Alta do Araranguá.

Sinto saudades do tempo em que “droga” era apenas um palavrão quase nunca proferido.

Sinto saudades das crendices como as almas penadas das noites escuras, dos potes de tesouro escondidos nas portas dos cemitérios (que só poderiam ser cavados à meia noite, e sem companhia…), da “tosse comprida” que poderia ser curada com um chá de bosta fresca de vaca, de que a cura da gagueira poderia se dar com uma bela porretada com uma concha de feijão na testa do gago e de que mulher grávida que pulasse vala teria filho com lábios leporinos.

Sinto saudades dos tempos em que, nos bailes-domingueiras, arrasta-pés empoeirados, as mulheres dançavam entre si para esperar dois rapazes virem separá-las com palminhas compassadas.

Sinto saudades dos finais de tarde exalando cheiro de flores silvestres, o cinamomo do quintal baloiçando devagar e as andorinhas no alvoroço do pôr do sol com sua cantoria, pousadas nos fios elétricos.

Sinto saudades de quem eu fui, guri sem nada a aspirar, querendo só um dia crescer, namorar, assistir filmes censurados, sair à noite e sonhar com uma roupa nova e um sapato brilhoso que o velho Telésforo, meu pai, não podia comprar.

Sinto saudades de 1961, quando, chegando a Criciúma para iniciar uma trajetória muito doida e surgir para o jornalismo, ganhava um salário-mínimo (Cr$ 7.200,00) e com ele pagava comida e quarto e não sobrava nada para coisa alguma.

Ah, tempo gostoso de não ter nada. Só felicidade de viver.

Por Aderbal Machado 22/10/2022 - 16:41 Atualizado em 22/10/2022 - 19:59

Bolinha – Carlos Eduardo Mendonça – quando trabalhou na Rádio Eldorado em Criciúma, fez um sucesso descomunal. Chegou arrasando como repórter esportivo: ia aos campos vestindo um agasalho coloridíssimo, cheio de bossa e fazia uma festa nas suas intervenções.

Simultaneamente, mostrou uma incomum verve como repórter político. E teve sorte, como todo bom profissional. Foi no tempo em que atuava por lá um famoso bandido chamado “Doutorzinho”, um bandido de classe média alta que se comprazia em se fazer passar por militares de alta patente e até médicos (ele foi estudante de medicina durante muitos semestres). Disseram, na época, que ele chegou a se passar por um coronel do Exército (estávamos no militarismo brabo) para abordar pessoas graúdas e assaltá-las. Nessa condição fez até sequestros de alto calibre.

Noutra ocasião, também disseram, se fez passar por médico em Turvo e lá teria até clinicado durante um tempo. Acompanhava-o um marginal feioso e perigoso cujo apelido (!!!) era “Chumbinho”. Na hora dos “atraques”, Doutorzinho fazia o papel do bom moço, educado e gentil, enquanto Chumbinho era o homem mau, o durão e frio (e era mesmo…).
Pois a Polícia saiu atrás dos dois por toda a região. Um dia, ambos apareceram mortos, enterrados nos cômoros da praia do Arroio do Silva, hoje município.

E quem fez a cobertura, num “furo” espetacular? O Bolinha. Imaginem a farra que ele fez, da forma espetaculosa que só ele sabia fazer. Ficou um mês deitando e rolando em cima do assunto, com informações exclusivíssimas todo dia.

Pois o Bolinha trabalhava na Rádio Eldorado e eu ainda não estava lá (entrei em 1970). Um dia, estavam o Antônio Luiz (gerente) e mais não sei quem apresentando o Jornal Falado do meio-dia. E Bolinha, no vidro da frente, junto ao operador de som, tentava fazer Antônio e seu companheiro rirem. E Antônio falou: “Não adianta, Bolinha, pode fazer a micagem que você quiser que nós não vamos rir.” E o Bolinha fez de tudo: balançou a barriga, espichou a boca, arregalou os olhos, revirou-os e nada. De repente, ele sumiu. Teria desistido?

Que nada. De repente, o Bolinha desceu a calça do agasalho (era de uma gordura imensa!!) ficou de costas para o Antônio e seu colega e esmagou o traseiro, apertando-o contra a divisória de vidro. Antônio perdeu a aposta. Rolaram a rir e o jornal acabou ali.

Por Aderbal Machado 29/10/2022 - 07:00

Às vezes me perco no tempo e me surpreendo a relembrar momentos distantes dos vínculos profissionais, porém próximos das saudades alimentadas no fervor das visões sonhadas nuns tempos bem servidos de fantasias.

Relembro, por atavismo e amor telúrico, os famosos “Torneios das Profissiões”, promovidos em Araranguá. Times formados por classes de trabalhadores disputavam, num só domingo festivo, no estádio antigo do Grêmio Fronteira e suas enormes dimensões, um título muito doido e inusitado.

Os jogos iam dos primeiros momentos da manhã até quase ao final da tarde, dependendo da quantidade de times em disputa. Cada jogo era 10m x 10m corridos, sem intervalo e sem acréscimos. O perdedor caía fora e o vencedor, automaticamente, seguia adiante. E assim ia o torneio, até chegar ao final. Eram os contadores, os advogados, os dentistas, os estofadores, os mecânicos, os funcionários públicos, os bancários, os comerciários, os industriários e assim por diante. Havia um limite, mas não lembro qual.

Atletas em disputas oficiais estavam fora. Veteranos podiam, se pertencentes à profissão. 

O torneio fez parte do calendário anual do Araranguá. Mas isso tem um tempo doido. Eu era guri, imaginem...

E na LARM, a tabela do campeonato se montava através de um “Torneio Início”. É quando o campeonato começava na Liga. Os vencedores tinham o privilégio de irem encabeçando a tabela. Ao final, estava formada a tabela – o quem contra quem. 

E isso tinha, igualmente, o cheiro e os ares de festa. As disputam eram no “Campo do Comerciário”, depois Estádio Heriberto Hulse do hoje Criciúma. 

Naqueles saudosos tempos dos times da região, alguns atualmente inexistentes. E impressionava a ferocidade (no melhor sentido) das disputas. Tempos do império “larmeano” de Próspera, Comerciário, Atlético Operário, Metropol, Itaúna, Minerasil, Barão do Rio Branco e vai por aí. 

Em ambos os casos – Araranguá e Criciúma – quando ainda os estádios sequer tinham arquibancadas ou alambrados. Tudo franco e aberto. 

Épocas em que os árbitros e os adversários tomavam todo o cuidado – nem sempre com sucesso – ao sair do estádio  (ou a chegar): passava-se, literalmente, no meio da torcida. Não era raro sombrinhadas na cabeça de árbitros ou adversários, por torcedoras fanáticas e mais afoitas, como a mãe de Jóia, Cecê e Mememo, jogadores do Grêmio Araranguaense. Relembro os nomes: Jóia: Joênio Luchina; Cecê: Antônio Reconci Luchina e Mememo: Zelmo Luchina. Todos meus amigos da época.

Por Aderbal Machado 26/11/2022 - 07:00

Valério era o entregador de pão da Padaria Brasil, ou “Padaria do Zacaron”, como dizia papai. Os pães, entregues de casa em casa, eram acondicionados em um balaio forrado por um pano branco. 

Outros entregadores, desde as épocas dos anos 40, 50, até os anos 60 e quem sabe um bocadinho dos anos 70, faziam o serviço em carrocinhas envidraçadas, nas quais os pães ficavam visíveis. 

Tudo isso hoje é impossível, pelos cuidados da higiene pública e riscos de disseminação de doenças. Verdade, porém: naqueles tempos ninguém dava a mínima pra isso. Valia o conforto do pão na hora do café, novinho em folha e sem preocupações com sair de casa.

No Araranguá, peixes eram vendidos de carrinho de mão, de casa em casa ou em paradas estratégicas em pontos das ruas ou das praças. O mestre dessa arte era o Neném Gago, cujo nome verdadeiro jamais soube qual seja. 

Neném Gago era gago mesmo, não apenas um apelido. Acordava-se com seus gritos: “Olha o peixe; é bagre e não é tainha”. Ou “olha a tainha fresquinha”. Vendia tudo. 

Ah, sim: aqueles tempos eram também os tempos de comprar lenha cortadinha, transportada em carros de boi. Um dos vendedores era o Romário (vejam só!). Havia uma ligação próxima dele com nossa família. Ele foi grande parceiro do meu falecido irmão Adherbal e sofreu muito com sua morte. Acabou sendo praticamente adotado por papai, embora sem morar conosco. Tinha em papai um cliente fiel para comprar suas lenhas. Hoje isso também soa improvável, por razões óbvias. O progressismo,  necessário até na maioria dos casos, isolou esses romantismos e desafios econômicos.

A mana Icleia atendia, todos os sábados, um pedinte chamado Zezinho. Ele batia à sua porta sempre, porém sem pedir esmola. Queria trabalho e receber por isso. A dignidade do cidadão...

O chavão: “Bom dia, dona Icleia.  A senhora tem lenha pra eu picar?” Sempre tinha. E Zezinho só ia embora de café tomado e dinheirinho na mão. Cliente fixo.

Os tempos da lenha serviam ao uso dos chamados “fogões econômicos”, de ferro, substitutos dos velhos e notáveis fogões de tijolos e cimento, até hoje símbolos vivos da boa cozinha do interior. 

E agora, escrevendo isso daqui, fico matutanto: o modernismo foi MESMO um bom negócio?

Por Aderbal Machado 28/01/2023 - 10:59 Atualizado em 28/01/2023 - 11:00

Roberto disse isso numa música e eu relembro as flores do jardim da nossa casa, numa esquina da Praça Hercílio Luz (Jardim Alcebíades Seara), ao lado do posto de gasolina do André Wendhausen, no Araranguá velho de guerra.

Mamãe as plantava com um zelo incomum e sem seguir rigores estéticos nos canteiros. E assim, nasciam as flores desordenadas, porém lindas no seu conjunto. Muitas flores. Lembro das margaridas. Adorava desmanchar o seu núcleo central como se fosse farinha. Guri malvado. 

Relembro suas hortas de todas as plantas verdes. Ali tinha de tudo. Tudo mesmo. Jamais adquirimos verduras, legumes ou frutas no comércio. Mamãe as plantava e colhia com fartura. Os imensos pomares de laranjas e vergamotas na Boa Vistinha, além da sombra generosa, nos brindavam com frutos fresquíssimos, colhidos na hora e saboreados com quase ânsia. As cascas ficavam ali mesmo, adubando o chão.

Os gramados se espichavam por boa parte do terreno. Ali ninguém pisava, mesmo sem uma advertência explícita.

Também tínhamos um terranão inóspito, com um poço d’água lá no meio, de onde tirávamos a água que nos causava incidência de muitos vermes. Mas naqueles tempos, isso era considerado quase normal. E então surgiu a Ankilostomina Fontoura. Específica e mortal contra verminoses. Os caboclos compravam em pacotes. Pra família toda.

Esta variação temática eu a uso para desviar um pouco algumas angústias, algumas lembranças insistentes de coisas nada compensadoras doutros momentos. A infância e a juventude fervilhavam de alguns entrechoques: o nada ter, o nada poder e o nada desejar. A vida parecia ser uma sequência natural. Em verdade a preocupação com o futuro se restringia à impressão maluca de que os pais seriam imortais e estariam sempre ali, a nos prover de nossas necessidades. Nada ter, nada poder e nada desejar tinha o condão de nos fazer satisfeitos com o momento. E vivê-lo com a intensidade possível. Assim, as enxurradas eram uma farra, as corridas nas estradas empoeiradas, o escalar árvores para apanhar frutas, os banhos no rio Amola Faca e Jundiá, o cuidado com os bichos, o tomar o leite espumante tirado das vacas na hora, o pão caseiro, o milho verde, as conversas cheias de mistério de mamãe e nossos tios – entremeadas por fantasias fantasmagóricas assustadoras sempre. Parecia que adoravam nos ver de olhos esbulhados a cada narrativa terrível. Sempre havia fantasmas atrás das portas, arrastando correntes, emitindo seus sons guturais de chamamento. As “almas penadas”.

E então, de repente, a vida passou num relâmpago e aqui estamos. 

A juventude de hoje, completamente avessa àquele tipo de vida, nem saberia usufruí-lo. A nós cabe a lembrança e a saudade de um tempo inolvidável e longe demais. Não só no fator temporal, mas nos costumes, nas formas de encarar a vida, na forma de enfrentar as agruras e, quiçá, até as facilidades.
Não soubemos aproveitar. Ou, no vulgo: “Éramos felizes e nem sabíamos”.

Por Aderbal Machado 22/04/2023 - 08:56 Atualizado em 22/04/2023 - 09:02

Uma pouco de nostalgia histórica.
Quando nos dias de homenagem aos finados (2 de novembro), mamãe nos levava em uma quase maratona, andando da Praça Hercílio Luz até o cemitério do Araranguá. Uma caminhada e tanto. Todo ano, de forma sagrada. Contrito, olhava eu para as coroas brilhantes nas cúpulas dos túmulos e ia passando um a um, olhando as imagens dos falecidos, muitos dos quais meus conhecidos ou conhecidos da família. 

O túmulo onde jaziam os restos de meu avô Bernardino Machado e do irmão  mais velho falecido por afogamento no rio Araranguá no dia 16 de agosto de 1943 aos 15 anos de idade, Adherbal Telésforo, ficava lá pelo meio, antes duma reformulação ocorrida em que fomos obrigados a refazer o jazigo noutro local, onde está até hoje, com transferência dos restos mortais.

O ponto histórico é que, atrás desse túmulo, havia o de Apolinário João Pereira, político local de grande prestígio no final do século XIX, falecido quase ao final do século (18 de novembro de 1900), de infarto fulminante, enquanto dançava num baile festivo em comemoração à sua reeleição à Assembleia Legislativa. Está nos registros históricos.
No túmulo, só uma inscrição: “Coronel Apolinário João Pereira”. 

Ainda menino de pouco mais de 10 anos, eu olhava aquele breve histórico no túmulo de alguém a quem eu considerava um herói – pelas lições de história ditas por papai nas tertúlias eventuais de tardes quentes. Ele conheceu Apolinário pessoalmente.
Apolinário foi prefeito, deputado estadual, promotor público e escrivão.  

Um ícone da cidade.

Mais valiosa ainda a lembrança ao saber de sua proximidade com meu avô, Bernardino Machado, pois foram parlamentares juntos na Assembleia Legislativa até 1897.

Bernardino, aliás, foi nomeado como o prefeito de Palhoça – o primeiro – por Floriano Peixoto.

Essas raízes, às vezes, nas minhas elucubrações, inspiram fantasias. 
Afinal, penso, venho de uma cepa nada desprezível. Talvez não mereça a honra, mas sou de lá egresso.

Por Aderbal Machado 27/05/2023 - 11:10 Atualizado em 27/05/2023 - 11:11

De repente, só de repente, sobrevêm lembranças de quando, enfiado no rádio em tempo integral – “full time”, dizia o Coronel Euclides Simões de Almeida, diretor da Rádio Diário da Manhã, onde estive por um ano em 1976 – convivi com figuras especiais, com seus hábitos, trejeitos e manias. Cada um tinha a sua. A do Antônio Rosa era cuidar bem do penteado antes de ir ao ar na TV Eldorado. A do Clésio Búrigo era caprichar nos muitos dados das suas matérias esportivas, verdadeira aula de conhecimento. O Milioli Neto pouco ligava pra nada. Chegava de inopino, ouvia as matérias ou nem isso e entrava no ar queimando o chão, como se dizia, com uma acidez crítica conhecida ao longo dos tempos. A Adilamar Rocha tinha o ar de magnânima senhora da simpatia, cuidando palavra por palavra. No outro lado do jornalismo da época, o André Martins, com sua indefectível “André Martins e a Saudade”, estilo romântico de programa com músicas saudosistas d’antanho e poesias – ao permitir-se arroubos mais ousados, mandar recados pra suas fãs. 

Fora do microfone, em outros muitos momentos, nossa convivência prosseguia próxima e, no entanto e contraditoriamente, distante. Por quê? Nossos hábitos privados e pessoais fora da emissora eram díspares. Até os ambientes frequentados nem sempre eram os mesmos. E os gostos e prazeres também não coincidiam. Amigos, sim. Colegas de ofício, sim. Mas cada um na sua. Ou, como hoje se diz, “cada um no seu quadrado”.

Essas elucubrações surgem assim. Num relâmpago. Vejam ser nada sério.

Finalmente, algumas pessoas de fora do meio tinham intimidade conosco e nossa vida, até. Como o tradicional e famoso garçom, o Edgar, cujos serviços eram prestados em nossos almoços de final de ano e os festivos do Dia do Radialista, sempre promovidos pelo Evaldo Stopassoli aos funcionários. Não falhou um ano. Do Edgar tenho doces lembranças, como quando recebi no estúdio Francisco Petrônio e fui obrigado a levá-lo ao Restaurante Castelinho, trabalho do Edgar e ao lado da rádio, para apresentá-los pessoalmente, tal fã com frenesi do cantor ele era. A alegria do Edgar superou qualquer expectativa e me dá ânimos até hoje.

Por Aderbal Machado 08/07/2023 - 10:25 Atualizado em 08/07/2023 - 10:42

Por preferência pessoal, as leituras minhas se resumem a obras de caráter político e/ou histórico, cujas abordagens focam personagens da nossa história ou da história mundial. Muito fascínio por Kennedy, Getúlio, Juscelino, Churchill, De Gaulle e tantos outros. Li e reli incontáveis vezes “Ascensão e Queda do Terceiro Reich” (Willian Schirer), “Minha Razão de Viver” (Samuel Wainer), “Chatô, o Rei do Brasil” (Fernando Morais), “Getúlio” (as três fases abordadas por Lira Neto), “O Capitão dos Andes” (R. Magalhães Júnior, uma narrativa romanceada baseada em fatos reais da Bolívia, na figura do ditador Dom Manuel Mariano Melgarejo, final do século 19). Há outras obras de minha leitura e postadas nas prateleiras de minha modestíssima biblioteca: “Histórias do Araranguá”. Uma do Padre João Leonir Dall’alba, esplêndido pesquisador que nem araranguaense era. Outra do Cônego Paulo Hobold, muito semelhante em dados, porém diferente nas abordagens. Ambas, bom dizer, ressaltaram a figura de meu pai, o Doutor Machado, ilustre partícipe da história verdadeira da cidade do Araranguá, a vetusta “Campinas do Sul”, lugar de muitos heróis dos tempos coloniais e republicanos.

Penso, às vezes, em espichar minha literatura. No entanto, sou meio chato (um eufemismo: sou chato mesmo, ao extremo) pra ser atraído por leituras de obras. Precisam me atrair nas primeiras linhas ou simplesmente não as leio. Fecho e guardo. Vejam bem: GUARDO. Não empresto e nem dou. Ficam lá. Quem sabe de repente sinta vontade de ler.

Isso pode limitar a carência ou a ausência de alguns conhecimentos, é bem verdade. Todavia, me livra de saturações também. 

São apenas hábitos. A idade pode ter influenciado, eis que, lá atrás, fui um voraz consumidor da chamada “fase das obras da juventude, chamados, muito apropriadamente “tesouros da juventude”: “A Ilha do Tesouro”, “Huckleberry Finn”, “Os Três Mosqueteiros”, “As Aventuras de Tom Sawyer”, “O Inferno de Java” (sobre o Cracatoa), “Robinson Crusoé”. Ah, sim e os quadrinhos. Houve época de consumo inusitado de toda a série Disney. Toda. Inteirinha. De Mickey e Pateta ao genioso professor Pardal e a João Bafodeonça, o malfeitor. 

E por isso, agora no crepúsculo da vida, quase dobrando o Cabo da Boa Esperança para descobrir meu ápice vital, prefiro ser seletivo, inobstante a saudade de minhas leituras d’antanho. 

Repito um dos meus versos prediletos de significado da vida: “Oh, que saudades que tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais...” (Casimiro de Abreu). 

Pronto. Fechamos o esquema. Arrivederci.

Por Aderbal Machado 22/07/2023 - 07:02

Tanto tempo longe do sul – do Araranguá e de Criciúma, principalmente -, mas ainda com a mente povoada de imagens das duas. Entretanto, filmes antigos.

Saudade de passear pela Avenida Getúlio Vargas, Rua Sete e Praça Hercílio Luz, no meu Araranguá e cruzar pelas Lojas Bandeirantes, Gomes&Garcia, Café Brasil, Lojas Grechi, Casa Cometa, Loja Triunfante, Armazém do Luiz Wendhausen, Posto Esso do André Wendhausen, Farmácia do Altícimo Tournier, Escritório do Dr. Arno Duarte, Hotel dos Viajantes, Hotel Labes, Loja de bicicletas do Elane Garcia, Usina da Força & Luz, Hotel Imperial, Telefônica, Escritório do Dr. Ramiro Ulyssea (altos do Café Brasil), Armazém do Crisanto Freitas, admirar a construção fantástica da casa do dr. Antônio de Barros Lemos, passar pelo bar e restaurante do Carlos Arcari, olhar o movimento dos finais de semana da Eve’son, admirar a branquitude do Fronteira Clube e jogar futebol na sua quadra de cimento, lá no fundo; comprar pão na padaria do Zé Guidi, correr pelos canteiros gramados do jardim Alcebíadas Seara e ser perseguido pelo fiscal Doca – que nunca nos pegava. Depois, comprar um gibi na banca do Willian e ler sentado na escadaria do coreto da praça ou dentro da Biblioteca Luiz Delfino. Tinha ainda, lá atrás (muito atrás), os papos alvoroçados com o Campolino, pedinte muito amigo de papai. E, de repente e quase sempre, encontrar o Loló perambulando.

Em Criciúma, saudade de passear pelo centrão. Aos domingos à noite, atopetado de gente de toda as tribos, sem qualquer preconceito, falando mal da vida alheia e contando mentiras e peripécias jamais acontecidas. E namorando muito nos bares da moda – e eram vários ao redor do jardim. Em dias comuns, circular por ali, passando pela Galeria Gigante, livraria do Osvaldo Souza, sapataria do Dalsasso, Farmácia Sampaio, Sapataria Lurdete, Casa Ouro, Casa Roque, Hotel Brasil, Casa Imperial, Cine Rovaris, Drogaria Rocha, Jugasa, Foto Zapellini, Café São Paulo, Café Rio, Casas Pernambucanas, Casas Jaraguá, Drogaria Catarinense, Musidisco, Lojas Fretta, Casa Londres, Carlitos Bar (o da gurizada central), Gruta Azul, Laboratório e Farmácia Sampaio, conversar com os taxistas na frente da prefeitura, levar um papo casual com o Bateria e o Burriquete. 

Deve haver uma infinidade de outras referências daqueles tempos. Não consigo recordar todas. É complicado. 

Fico aqui, coçando o bigode que não tenho e sentindo uma saudade que, esta sim, tenho e muita.

Por Aderbal Machado 29/07/2023 - 11:05 Atualizado em 29/07/2023 - 11:06

Nos tempos de goleiro sem eira e nem beira do Grêmio Araranguaense (segundo time), convivi com Nilson (Nilson Matos Pereira) e Nedo (Enedir Perraro), goleiros titulares da equipe. Os treinos no estádio, cujas condições hoje desconheço, embora saiba estar ainda lá a propriedade, tanto tempo se passa desde a última vez – e lá se vão alguns muitos (e põe muitos nisso) anos de ausência.

Na equipe se misturavam jovens e experientes, como Jóia, Mememo, Serrano, Branca, Quirininho, Tito, Presalino, Valter, Tibica. Tinha o Adão, também (Adãozinho, originalmente goleiro do flamenguinho do Valmarino e depois do Grêmio, mas depois quis atuar na frente, com sua condição de rápido e bom driblador; baixinho, tinha pendores bons). 

A festa, entanto, se fazia no vestiário, antes e depois dos treinos,  nas tardes amenas do Araranguá de então – lá pelos idos finais da década de 50. Eu me deliciava com as gritarias do Nilson tomando banho gelado (dizia: “gritar desvia o choque”) e o Adãozinho, sempre cantando a sua música predileta: “Que importa saber quem sou, nem de onde venho e nem pr’onde vou...” (Trio Los Panchos, na música El vagabundo, um bolerão de arrepiar o cangote). Aquilo soava muito poético, muito etéreo. Enquanto ouvia, olhava o Morro Centenário, sobranceiro sobre a cidade, local da cruz comemorativa dos 100 anos do Araranguá. Lá de cima, onde poucas vezes fui, o visual era fantástico: descortinava-se toda a cidade e as névoas das distâncias da planície poética e do outro lado o litoral belíssimo, com visão do Arroio do Silva, praia da maioria das famílias – no tempo ainda bucólico dos casarios de madeira, sem cercados, postadas sobre as dunas e cercadas de gramíneas típicas do local.

Ali só se chegava a pé. Poucas tinham garagens. Edifícios muito poucos. Depois surgiram. Se bem me lembro, o Scaini, o hotel Paulista e o edifício Sobre as Ondas, onde antes tinha um casarão de madeira (hotel da família do Nego Boni, grande amigo do Aimberê e da cidade inteira). 

Penso, às vezes: precisaria ter ficado lá, gastando meu tempo com as belezas dos lugares. Melhor: investindo meu tempo. Entretanto, a maldição evolutiva é fatal.

Acabei obrigado a migrar para outras paragens e distante estou, manietado por obrigações e compromissos profissionais e por embaraços naturais da vida, após constituir família e fixar o pé no Litoral Norte. É bom estar aqui. Me sinto ótimo, não posso negar. Incomoda um pouco (isso em qualquer lugar) o materialismo, o consumismo, o torniquete da necessidade diária de sobreviver a qualquer custo. Isso me angustia um pouco, sem tirar o ânimo da luta – que prossegue.

Quem me dera poder ser o personagem da música cantada pelo Adãozinho. Vou ligar o som pra ouvir, pois a tenho aqui, num DVD fantástico de relicários musicais. 

“Que importa saber quem sou, nem de onde venho, nem pra onde vou”.

Por Aderbal Machado 19/08/2023 - 12:00 Atualizado em 19/08/2023 - 12:01

Leio os noticiários da política nacional e argentina, os compartilho, às vezes comento despretensiosamente, mas paro. Longe de mim a intenção, deliberada ou casual, de enlouquecer. O cenário é travesso e pouco diáfano.

Relembro, hoje, aqueles cidadãos a quem servi como assessor na presidência da Câmara de Criciúma, nos idos de 1960/1970: Pedro Guidi, Miguel Medeiros Esmeraldino, Eno Steiner, Edi Tasca, Nereu Guidi.

Enalteço a oportunidade ímpar de ter servido como funcionário da Câmara a pai e filho, Pedro e Nereu. 
Precioso lembrar: Miguel, Eno e Edi, udenistas rachados. Pedro e Nereu, pessedistas de quatro costados. No entanto, essa condição não nos afastou. Pelo contrário, nos uniu. A eles importava o trabalho. Bons tempos dessa prevalência.

As singulares de cada um ficaram marcadas. Uns mais duros na contenda, outros mais liberais. Uns puxavam a corda rápido. Outros afrouxavam pra ver até onde a coisa ia.

Impossível enumerar os vereadores da época de cuja convivência também usufruí. Passei até pelo tempo da vereança gratuita. Mandato sem remuneração. Pelo povo, para o povo e com o povo, diria a gente hoje. O sonho acabou. Todos, no entanto, pragmáticos. 

Houve alguns muito especiais na lembrança, como Romeu Lopes de Carvalho, o “Romeu Penicilina”, por ser servidor do IAPETC (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Empregados em Transportes e Cargas), cuja abrangência pegava os mineiros do carvão. A reforma mudou tudo, para encerrar  a multiplicidade de Institutos de Previdência, uns mais eficazes e fortes, outros nem tanto. O IAPETC era fortíssimo.

Pois o Penicilina tentou a eleição várias vezes, conquistando votações pífias, sucessivamente. Mas por uma eleição, acabou eleito com mais de mil votos – os conhecidos “votos de protesto”. Surpresa até pra ele. E então exerceu o mandato entre 1970 e 1972.

Dispenso falar dele. Prefiro ficar com a magistral escrita do nobre médico oftalmologista e meu digno amigo, Doutor Henrique Packter, reproduzida aqui e extraída da sua coluna neste portal, veiculada em 6 de abril de 2021. Notável e minucioso registro histórico, que pode ser acessado clicando aqui.

E finalizo aqui, porque o dia segue e eu preciso estar pronto pra ele.

Por Aderbal Machado 26/08/2023 - 10:01 Atualizado em 26/08/2023 - 10:02

Nem mais me recordo o nome da revista. Em 1959 ou 1960, o fotógrafo Osmar Zapellini, um mago das imagens, editava uma publicação em cores (uma ousadia para a época!), mostrando muitas imagens da cidade e expondo matérias sobre gentes e coisas. Algo bem social. 

Duas dessas matérias estão vivas na minha memória: uma sobre o Metropol, destacando Chico Preto, numa foto do atleta aplicando uma “bicicleta” à Leônidas – seu “inventor”. Metropol já era uma lenda com Mário Romancini e Dorny, seus goleiros, Sabiá, Pedrinho, Flázio, mais tarde Nilzo, Valdir Paulo Berg, Calita, Rubão (outro goleiro, o mais famoso deles, folclórico), Sílvio, Márcio, Madureira, Edson Madureira (irmão do Madureira, mais novo, depois jogou no Internacional de POA), Vevé e tantos outros.

A outra matéria enfocava a Rádio Eldorado dirigida por Sérgio Luciano (Joci Pereira), como relatou a matéria. Compunham a emissora nomes como o de Antônio Luiz (Antônio Sebastião dos Santos, mais tarde gerente e diretor), Clésio Búrigo, Kátia (Adelaide Delci Broleis), Odery Ramos e outros nomes, que, como no caso de jogadores do Metropol, não lembro. 

A reportagem tinha fotos que me extasiavam e me faziam sonhar com o dia em que pudesse, também, até pelo atavismo inspirador que emanava em mim, vindo dos irmãos radialistas, ser um locutor e merecer este nome.

Em 1961 fui para Criciúma, aos 17 anos, trabalhar – e aprender, mais aprender que trabalhar – com o Aryovaldo, mano mais velho, que já tinha um nome consolidado na cidade. Ele era vereador do PTB (aquele legítimo, o do Getúlio, do Jango e do Doutel, amicíssimo do Aryovaldo) e, como tal, foi nomeado Chefe de Gabinete do prefeito recém-eleito de Criciúma, o jovem advogado Neri Jesuíno da Rosa, do PTB. Virei auxiliar de almoxarife (e, bênção de Deus, tenho a ficha funcional até hoje, lá se vão mais de 60 anos).

E assim começou a saga. O fim, só a vida me ensejará. Não tenho pressa. Ah, sim: a Criciúma de hoje, na comparação com aquela lá de longe, me espanta substancialmente. Parece outra, completamente diferente. Quem viveu a época e ainda está aí hoje me entende.

Por Aderbal Machado 09/09/2023 - 07:00

Passa a Semana da Pátria, relembro meus dias de odes à data. Quando estudante, no Araranguá (Grupo Escolar Castro Alves), aguardava ansioso pelo desfile. Adorava aquela formalidade da marcha. Na minha sala, professora Nialva Rodrigues Villanova (recentemente falecida em Florianópolis), repassava nossas instruções e conferia os ensaios da marcha. Ah, sim, um dos membros da fanfarra da escola era Lulu, o rei do tamborim e do bumbo. Campeão. Meu parceiro de futebol, inclusive, no GEA (Grêmio Esportivo Araranguaense). Seu irmão Nadico também jogava. Mas Nadico não estava na escola então. Era entregador do armazém de “secos & molhados” do Luiz Wendhausen, na época localizado no prédio da Bene Chede, esquina da Praça Hercílio Luz com a Beira Rio.

No dia “D”, criavam-se os pelotões especiais. Resolveu dona Nialva me colocar no “Pelotão de Saúde”. Desfilávamos vestidos com uniforme branco, com uma cruz vermelha no boné e na manga da camisa. Jamais entendi a escolha: jamais tive qualquer pendor, conhecimento ou proximidade com a área da saúde. A tiracolo, levávamos uma bolsa de primeiros socorros (se mandassem ou fosse necessário grudar um band-aid em alguém, não saberia).
Mas o inusitado nunca bloqueou a beleza e o sentimento reinante cá dentro. 

Mais tarde, 19 anos, convocado para o Exército (1963-1964), integrei o grupamento da soldadesca do 14º Batalhão de Caçadores (hoje 63º Batalhão de Infantaria de Florianópolis) e, no 7 de setembro de 1963, desfilamos garbosos na Praça XV, prestando continência ao então Governador Celso Ramos, num palanque instalado na entrada da Rua Felipe Schmidt, sobre o Jardim da praça.

Pois saibam: mantive por muito tempo o prazer de assistir a desfiles e sentir o clima. Perdi isso. Tornou-se um lugar comum. Conseguiram chamuscar a festa com vinculações de ordem ideológica e política, como se o Brasil fosse de um dono ou outro, em disputa pela hegemonia da cerimônia. 

Ainda mantenho a chama do patriotismo, mas com certo desânimo, lastimo afirmar. 

Encerro com a genialidade do poeta do patriotismo, Olavo Bilac:

A PÁTRIA
                       
Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste,
criança ! Não verás nenhum país como este!
Olha que céu que mar! Que rios ! Que floresta !
A natureza aqui, perpetuamente em festa,
é um seio de mãe a transbordar carinhos.
 
Vê que vida há no chão ! vê que vida há nos ninhos,
que se balançam no ar, entre os ramos inquietos !
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera,
fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! Jamais negou a quem trabalha
o pão que mata a fome, o teto que agasalha!
Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
vê pago o seu esforço, e é feliz e enriquece!
 
Criança! Não verás país nenhum como este!
Imita, na grandeza, a terra em que nasceste!

Por Aderbal Machado 23/09/2023 - 07:00

Um tempo de lembranças. Dia desses, referi vereadores de Criciúma, presidentes da Câmara Municipal, com quem tive a honra de conviver e trabalhar. Citei Miguel Medeiros Esmeraldino, Edi Tasca, Eno Steiner, Pedro Guidi, Nereu Guidi e omiti, imperdoavelmente, Wilmar Zozimo Peixoto. Considero imperdoável, primeiro pelo lapso de memória condenável e mais ainda por ter sido ele um dileto amigo por anos e anos, mesmo fora da relação institucional como vereador e eu como jornalista ou assessor da Câmara. Os demais também o foram, mas Wilmar, com aquela carona grande de bonachão eterno, me fazia sentir muito além de mim mesmo. Refaço este registro por méritos absolutos do ilustre personagem da história política de Criciúma.

Refaço, ao mesmo tempo, uma memória da época de Câmara. Ali operavam apenas três pessoas: Aristides Mendes, o Tidinho famoso; Ernalda Naspolini e eu. Tidinho cuidava das atas e da contabilidade da Casa. Ernalda, das correspondências e eu da agenda do presidente, dos pareceres e das pautas das sessões. Simples assim. E, milagre: funcionava sem percalços. Ninguém se esbarrava nos corredores e nem se misturavam funções.

Tidinho bem lá atrás e Ernalda recentemente nos deixaram. Ficou o suprassumo de suas presenças por aqui. Marcos da minha vida criciumense, dentre tantos e infinitos outros.

Pois naquela época a política efervescia como nunca. Apenas havia menos conflitos misturados. Eram muito específicos: resumiam-se quase só à relação Executivo/Legislativo e às sucessões da Mesa da Câmara. Neste último caso houve entreveros formidáveis com resultados surpreendentes em várias ocasiões. E deles participei ativamente. Lembro todos aqui dentro do bestunto. Peço vênia para deixar pra lá. São muitos detalhes envolvendo quem já se foi. Não quero pra mim o ônus da covardia de citá-los sem poder ouvi-los.

Houve tantos episódios saudosos, mesmo os mais cabeludos e azedos, contabilizados na minha memória esmaecida...

Enfim, os registros são apenas relicários de um tempo cujo âmago fica pra mim. 

Assim é e assim será. 

Dominus vobiscum.

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