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DEIXE AQUI SEU PALPITE PARA O JOGO DO CRICIÚMA!
* as opiniões expressas neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do 4oito
Por Aderbal Machado 24/09/2022 - 07:00

Tempos de TV Eldorado, lá no começo, ao redor do ano de 1980, montei um programa chamado “Rosa & Azul”, em que entrevistava três casais e entrevistava e apresentava também artistas (na imagem, uma das apresentações com o famoso grupo Genghis Khan).

Começava sorteando quem ficaria para as primeiras perguntas, cinco perguntas. Depois, voltariam maridos ou esposas para responder também e ver se as respostas coincidiam. Então, somavam pontos ou não.

Convidei o Manique (Algemiro Manique Barreto), então prefeito, e a esposa Dona Zulma. Convidados outros dois casais, mas não recordo quem eram. Ao convidá-lo, Manique me perguntou que tipo de perguntas faria. E eu disse: “Sobre as vidas de vocês, apenas”. Ele então tomou o cuidado de anotar nas mãos data de casamento, onde casou, coisas assim. Foi azarado: as únicas perguntas que não lhe fiz foram sobre isso.

Na primeira ele já engasgou. Perguntei-lhe se ele havia vindo de carro ou de carona. “De carro”, disse ele. E fuzilei a pergunta simples: “Qual a placa do seu carro?”. Ele arregalou os olhos, me fitou e foi obrigado a dizer: “Não sei”. Começamos a rir e respondeu as demais perguntas sem problemas sobre suas preferências à mesa, qual seu hábito ao levantar, etc, etc...

E então rodiziamos com Dona Zulma, com o Manique saindo do estúdio e indo para uma sala isolada com os demais maridos, sem monitor de televisão.

A primeira pergunta foi a mesma para Dona Zulma: “Perguntei ao Algemiro qual a placa do carro dele. A questão é: ele lembrou?”. Dona Zulma, conhecedora profunda do maridão, não teve dúvida: “Não lembrou”. Insisti:  “Tem certeza?”. E ela foi definitiva: “Certeza absolutíssima”. E assim ganharam os pontos desta fase. A partir daí foram feitas perguntas às esposas, depois conferidas pelos maridos. Era a sequência do programa. Saudoso programa da TV Eldorado velha de guerra.

Note-se: a placa do carro do Manique era CR-5555.

Dr. Ney de Aragão Paz e os tempos de honra

Outro episódio. Vereador do MDB, o dr. Ney de Aragão Paz foi por mim entrevistado e revelou algumas coisas “perigosas” sobre a política e seu partido. Quase em tom de confidência, mas não pediu segredo. Ou o famoso “of the records”. Então publiquei. Deu um reboliço danado. Foram cobrar dele e exigir que me cobrasse responsabilidade. Ao falar sobre isso na tribuna da Câmara (que ficava na Galeria Bristot, primeiro andar), ele foi enfático: “Revelei ao jornalista informações reservadas, mas não lhe pedi segredo. Portanto, o erro foi meu. Ele fez o que deveria fazer, como profissional. E o que eu disse, está mantido”. 

Tempos de honra.

Por Aderbal Machado 08/06/2024 - 09:06 Atualizado em 08/06/2024 - 09:14

Pois os nomes mais tradicionais de meu tempo de guri, conforme minha lembrança vai mandando: Padaria do Zacaron (Brasil), em Criciúma; posto do Júlio Gaidzinski (Criciúma); Lojas Renner (Criciúma, de Sinval Rosário Bohrer; A Brasileira (loja de Max Finster, com Mário Belolli na gerência, ainda novinho); Sapataria do Zé Kilisque (Araranguá); loja do Elaine Garcia (bicicletas e outras coisas mais, no Araranguá); Armazém de "Secos & Molhados" do Luiz Wendhausen (Araranguá); Posto do André Wendhausen (Araranguá, bem ao lado de nossa casa, na beira do rio); Café Ouro Preto (Criciúma); Sapataria Lurdete (Criciúma); Casa Ouro (Criciúma).

Há mais? Bota mais nisso. Mas fico com a derradeira: Gruta Azul, na subida da João Zanette, quase ao lado do Hotel Brasil, em Criciúma, com um pastel divino e uma batida (depois chamada vitamina) de banana com pitadas de chocolate e a Churrascaria OK, na rua Seis de Janeiro, em Criciúma.

Fico por aqui. Amplexos a todos.

Por Aderbal Machado 03/04/2024 - 07:58 Atualizado em 03/04/2024 - 08:05

Nasci no velho Araranguá, aquele Araranguá com a abrangência gigantesca de praticamente todo o extremo sul do Estado, quando tudo até o limite com o Rio Grande do Sul pertencia a Araranguá, inclusive Criciúma. Tudo. Corria o ano de 1944, num maio poderoso e benfazejo, um dia 10 de um taurino cheio de viço, moreno açodado na sua juventude, crente na sua linhagem, mistura de cabocla bugra de Dona Amarfilina e do imponente Doutor Telésforo. Ela, analfabeta; ele, advogado, poliglota, professor e eminente orador. Isso tudo está em mim, em maior ou menos escala. Tudo se deve, porém, à nata rica do chão natal. Onde aprendi a ser o que sou. 

Pois o Araranguá, neste 3 de abril, completando 144 de emancipação política. Poderia enunciar mil palavras aqui de exaltação à cidade d’hoje. Mil não: milhões. Não posso. Vejo-a, há muitos anos, apenas por imagens esparsas de fotografias mandadas por amigos ou captadas em publicações aqui e ali. Então remonto à cidade do meu tempo, com as imagens ainda guardadas nas retinas como se fossem muito atuais. E não os farei perder tempo com minhas peripécias de infância e juventude por lá. São preciosas para mim, mas desimportantes para outros. 

As imagens são de José Genaro Salvador, o mitológico fotógrafo da cidade, captadas ao longo do tempo por favores de conhecidos ou por estarem em meus alfarrábios de saudade. 

Parabéns, minha terra natal. Estamos aqui. Um dia esmagarei esta saudade danada indo até aí. Espero seja breve. Muito breve. Então, até lá.

Um abraço do Nego Deba. 

E, de inesquecível em inesquecível, uso e abuso de trecho poético e musical:

Todo mundo canta sua terra
Eu também vou cantar a minha
Modéstia à parte, seu moço
Minha terra é uma belezinha
...
Minha terra tem beleza
Que em versos não sei dizer
Mesmo porque não tem graça
Só se vendo pode crer
(Versos da música “Todos cantam sua terra”, interpretada por Alcione)
...

(AS IMAGENS SÃO DE 1956, QUANDO MEUS DOZE ANOS FLORESCIAM AO REDOR DA PRAÇA HERCÍLIO LUZ)

  • A foto com legendas afixadas é do ponto onde moramos durante anos e anos;
  • A outra foto da cidade é exatamente a visão do ponto em que morávamos, na direção leste;
  • A terceira foto é do coreto da praça, em cujo térreo funcionava a Biblioteca Municipal, criminosamente demolido para dar lugar a nada.
Por Aderbal Machado 11/03/2023 - 07:00 Atualizado em 11/03/2023 - 08:27

Nunca dei muita pelota para Rita Lee como artista. E quem eventualmente perdeu fui eu. Ela brilhou com absoluto fulgor no seu auge artístico.

E eu continuo o mesmo pé-rapado.
Jogadores de futebol, passei por admirações versáteis: Pelé, Zico, Nilton Santos, Gilmar dos Santos Neves, Didi, Vavá, Garrincha, Cristiano Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Gerson e tantos outros do passado e do presente um tanto quanto remoto. De hoje, pra mim, nem Neymar se salva. Todos estão no pacote das “raras exceções”. E olhe lá. Sim, talvez eu não entenda muito (ou nada) de futebol. Mas é assim. Discordem ou concordem à vontade, não me importo.

A minha admiração é por Sadio Mané, jogador do Bayern de Munique, um senegalês que passou por todas as agruras imagináveis de um africano paupérrimo e explodiu em sucesso. Ah, sim: minha admiração não é por isso. Fosse assim, alinharia outros – do próprio Cristiano Ronaldo até Johann Cruyff. 

Minha admiração por Sadio Mané é por sua visão simplista e objetivamente demolidora do sentido social do sucesso que alcançou.
Enquanto Rita Lee, nossa artista, ganhou minha admiração dando uma opinião pujante ao pedir para envelhecer sossegada (“esqueçam Rita Lee e me deixem em paz” – na verdade ela soltou um sonoro “foda-se Rita Lee”). Me ganhou porque resumiu num desabafo o quanto vale estar em paz consigo mesmo na derradeira quadra da vida, sem nenhuma ilusão tola.

Sadio Mané, perguntaram-lhe quantos carros tinha, quantos aviões, quantas mansões. Ele respondeu: “Pra que eu quero isso? Eu sei de onde vim; eu passei fome. Meu dinheiro é para ajudar meu povo”. E complementou que dá 70 euros para cada morador de sua cidadezinha do Senegal, construiu hospitais, escolas e estádios. 

Como não admirar Rita Lee e Sadio Mané? Fique apaixonado por ambos. E quem tiver a cabeça no lugar também fica.

 

Por Aderbal Machado 04/02/2023 - 08:40 Atualizado em 04/02/2023 - 09:57

Creio que corria o ano de 1972, sei lá. O bestunto não ajuda muito no relógio do tempo. Nereu Guidi, então presidente da Câmara de Criciúma e eu, seu assessor. Decidiu-se criar a Associação dos Vereadores de Santa Catarina, hoje União dos Vereadores. Fomos a Rio do Sul para um encontro definitivo.

A “comitiva” (não lembro mais quem a compunha) ficou num hotel muito perto de uma ponte, captando todo o ruído do trânsito que por ali passava. No barateamento de custos, ficamos em quartos duplos. Coube a Nereu ficar no mesmo quarto que eu; ou eu no mesmo quarto do Nereu, afinal a autoridade era ele, o secundário era eu. O

Nereu foi quem escolheu assim, em nome da nossa amizade.

Na primeira noite, depois de andar pela cidade à procura de algo para fazer – e nada encontrando – resolvemos dormir. No meio da noite, assustado, acordei com o Nereu de janela aberta, olhando o “movimento”. Preocupado, perguntei: “O que houve, Nereu?”

E ele: “Pô, cara, roncando do jeito que você ronca, pensei que estavas morrendo. Estou aqui, acordado, te cuidando”.

No outro dia, fomos jantar em um restaurante (não esperem que eu lembre qual). Nereu, cuidadoso, pediu “uma sopinha”. Olhei o cardápio e lá estava: “Virado à paulista” (feijão, arroz, bisteca de porco, torresmo, um ovo frito e outras coisas “levinhas”). Pedi. Nereu protestou: “Oh, desgraçado, vais me fazer ficar acordado mais uma noite? Come outra coisa!”

A ordem não foi obedecida. E Nereu passou outra noite em claro. Apesar disso, o “Virado à Paulista” estava um espetáculo…

Na foto, Nereu em imagem da época:

Por Aderbal Machado 07/01/2023 - 06:00

Meu gatinho melhorou e começou a receber quimioterapia. Serão, inicialmente, seis sessões imediatas. Duas na quinta, 5, em seguida outras duas (uma por semana) e, finalmente, duas na derradeira semana do “esforço concentrado” determinado pelo oncologista. Após, uma sessão mensal. O custo é alto e precisaria dar uma rebolada financeira pra pagar, mas vale a pena pela vida do meu bichano. É um grande amor que nos une. Seu olhar suplicante, ao ser atingido pela doença me desmontou, até que fui à busca de socorro. Meu desabafo, agora com ares de mais otimismo.

Dito isso, vamos à baila normal.

Volto às minhas memórias de Portugal, onde vivem minha filha, meu genro e meus netos há oito anos e pedradas. Já estão, neste momento, com cidadania quase consagrada.

Lá estivemos, como disse na outra crônica, entre 9 e 29 de dezembro de 2019, vivendo uma experiência maravilhosa de conhecimentos culturais.

Foto: Arquivo Pessoal

Meca do descobrimento, Portugal dominou grande parte da Europa e muitas partes do mundo e até hoje tem influências. 

O mais impressionante, a mim ficou claro, é a cultura e a educação, com raríssimas exceções. Raríssimas mesmo. Não é enfeite vernacular.

Outro mérito notório é a preservação histórica da memória cívica e política. Exceção das marcas deixadas por Antônio de Oliveira Salazar. Mesmo assim, não puderam, por evidente impossibilidade, eliminá-la, pois, majestosa, a Ponte 25 de Abril, por ele construída e originalmente identificada pelo seu nome é um portento. A ponte é algo de inefável beleza e grandiosidade. 

A arquitetura colonial é impressionante em todos os lugares. Em alguns, com mais presença, outros, com menos presença. Um detalhe singular: não há espigões enormes em Portugal. Nenhum, em lugar nenhum. Acho que chamam isso de consciência de sustentabilidade. Lá funciona.

Ainda guardo na memória, dentre tantas visões magníficas, as decantadas visões do Monumento dos Descobridores, do protótipo do avião de Gago Coutinho e Sacadura Cabral e da Torre de Belém, esta talvez a imagem mais identificadora de Portugal. Estando lá perto, livrei-me de me extasiar e fixei a memória prática e poética dos sentimentos atávicos – os Machado são originários da península ibérica. Fechei os olhos e fiquei memorizando, por longos momentos (não esqueçam: eu estava à beira do Tejo, o símbolo vivo de tudo), a saga de Cabral e de Vasco da Gama, ao partir dali para navegar em busca de novos mundos. Me coloquei dentro de um daqueles navios – e vivi a emoção do “terra à vista”!

Minha mulher ante o Monumento dos Descobridores | Foto: Arquivo Pessoal

E então encerro com Camões:

As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.

(Lusíadas, Canto I, parte inicial de 106 versos)

Amo meu país e minha terra, mas Portugal é carinho especial.

Por Aderbal Machado 17/12/2022 - 06:55

Corria o ano, se me não engano, de 1974 ou 1975. Murilo Canto, então um dos líderes do MDB de Criciúma, ciceroneou na cidade Tancredo Neves. Meu amigo, Murilo levou Tancredo para eu entrevistá-lo no programa jornalístico de debates que tinha na rádio. Depois do programa, Murilo nos levou para jantar na Churrascaria Castelinho, ao lado da emissora, esquina da Rua Marechal Deodoro com Rui Barbosa, de propriedade do Nim Milioli, pai do radialista Milioli Neto.
Sentados à mesa, sozinhos no restaurante àquela hora, continuamos a conversar sobre amenidades e política. Num dado momento, Murilo precisou se ausentar e deixou-nos, Tancredo e eu, aguardando o jantar.

Confesso que fiquei meio sem jeito. Afinal, a imagem de Tancredo, historicamente, o colocava no patamar de um ídolo político dos tempos do getulismo, a época áurea da política brasileira. Como admirador de Getúlio que sempre fui, fiquei meio pasmado diante de Tancredo. E comecei a fazer perguntas simples, quase envergonhadas, sem alcançar a dimensão de uma conversa com um homem daquela estatura histórica e de conhecimentos indiscutíveis na política nacional. E uma testemunha ocular e personagem principal de tantos acontecimentos que marcaram para sempre a vida do Brasil e dos brasileiros.

Mesmo assim, Tancredo fez o que um homem da sua imensidão moral e intelectual faria: ao invés de esperar que eu pudesse alcançar seu patamar – coisa impossível -, simplificou e iniciou a conversar sobre coisas de Santa Catarina, fazendo perguntas sobre mim e sobre a vida em Criciúma. Pediu minha opinião sobre a política local e sobre as pessoas envolvidas. Este foi um dos meus momentos de profundo aprendizado: deixar as pessoas à vontade, não ser arrogante, não tentar fazer prevalecer sua superioridade e nem demonstrar conhecimentos com a intenção de humilhar quem não os têm.

A tal ponto chegou à conversa que, na minha imberbidade profissional, lasquei a pergunta mais profunda e mais óbvia que me ocorreu. Sabendo ter sido ele um dos mais íntimos interlocutores de Getúlio Vargas, indaguei como ele definia o Brasil daquele tempo. E ele foi ainda mais óbvio: “O Brasil antes de Getúlio e o Brasil depois de Getúlio, esta é uma demarcação que nunca se apagará”.

Depois daquele momento, a história mostrou Tancredo Neves emoldurando os mais fantásticos caminhos da política nacional. E eu, claro, jamais poderia ter a pretensão ou a ilusão de, então, ter outro momento de intimidade com ele.

Às vezes a gente vive instantes que se perdem por não termos sabido dar-lhes a dimensão devida.

Por Aderbal Machado 05/11/2022 - 07:00 Atualizado em 05/11/2022 - 07:53

Analfabeta (e, inobstante, de uma inteligência invejável), reativa, harmoniosa, gregária por excelência, frágil no físico e gigante no espírito, coração imenso, sorriso meigo, mamãe - Senhora Dona Amarfilina Martins Machado - faleceu num 1º de Novembro, em 1980, vítima de um câncer pulmonar. E jamais fumou na vida. 

Quando percebemos o câncer - e foi por acaso, ante a estranheza de ela caminhar se entortando para a esquerda. Perguntada, disse que não conseguiu endireitar-se, pois doía a lateral. 

Consultamos o Dr. Celso Menezes, oncologista de Criciúma, nosso amigo e, no dia 1º de Novembro de 1979, ele diagnosticou um câncer. Já havia consumido um dos pulmões e o outro "compensava", ocupando mais espaço, pressionando a coluna. Por isso ela se entortava.

Ele nos deu a informação, ao indagarmos quando tempo ela teria: "Um ano". Por triste ironia, foi exatamente um ano.

Durante esse tempo, devo dizer, jamais soltou um gemido ou uma queixa sequer, não demonstrou qualquer dor ou desconforto especial, exceto a perda de memória. A metástase agigantava-se a cada dia.

Até que a internamos (até ali tratávamos em casa) no Hospital Bom Pastor, do Araranguá.

Ali ela faleceu. Mansamente. Exatamente como viveu.

É importante afirmar: católica fervorosa, mulher de fé inquebrantável, assistia missas DIARIAMENTE (seis da manhã), na capela do Ginásio Nossa Senhora Mãe dos Homens, dos padres murialdinos, pertinho de casa.

Fazia-me acompanhá-la todos os anos ao cemitério, nos dias de Finados, na homenagem aos nossos mortos. Levava-me às missas aos domingos. Não obrigava, no entanto. Mas era difícil negar-lhe.

Nos dias da padroeira da cidade, era a primeira da fila nas procissões.

Às noites, à beira da cama, rezava o rosário inteirinho. Só depois adormecia. Sempre candidamente. Às cinco da manhã, ou antes, erguia da cama e partia para as fainas diárias, com uma disposição invejável.

Há episódios incríveis dela. Ficaria longo contar. Tinha reações inesperadas, como quando, ao deixar de pagar o consumo de energia, foram cortar (Força e Luz). Ela suplicou que não o fizessem, pois iria quitar. Negaram. Ela foi atrás de casa, pegou um machado e partiu na direção dos funcionários, que, claro, correram. E então meteu o machado no relógio, espatifou inteiro e sentenciou: "Agora podem cortar esta merda. E nunca mais liguem. Vou usar a lamparina". Usou sempre. Só parou quando, ao morarmos com ela provisoriamente - eu e dona Sonia -, religamos. Foi um tempo delicioso nossa vida em comum naquela casa com ela.

Os terrenos em que residimos eram sempre forrados de árvores e muitas plantações e hortas, cultivadas e plantadas por ela. A natureza lhe era importante. 

Aqui peço minha bênção à Senhora Dona Amarfilina Martins Machado, a velha analfabeta mais inteligente do mundo.

(NA IMAGEM, EU NO SEU COLO CARINHOSO, NOS IDOS DE 1945, NA BOA VISTINHA DO TURVO)

 

Por Aderbal Machado 17/09/2022 - 07:00 Atualizado em 17/09/2022 - 10:10

Nem mais me recordo o nome da revista. Em 1959 ou 1960, o fotógrafo Osmar Zapellini, um mago das imagens, editava uma publicação em cores (uma ousadia para a época!), mostrando muitas imagens da cidade e expondo matérias sobre gentes e coisas. Algo bem social. 

Duas dessas matérias estão vivas na minha memória: uma sobre o Metropol, destacando Chico Preto, numa foto do atleta aplicando uma “bicicleta” à Leônidas – seu “inventor”. Metropol já era uma lenda com Mário Romancini e Dorny, seus goleiros, Sabiá, Pedrinho, Flázio, mais tarde Nilzo, Valdir Paulo Berg, Calita, Rubão (outro goleiro, o mais famoso deles, folclórico), Sílvio, Márcio, Madureira, Edson Madureira (irmão do Madureira, mais novo, depois jogou no Internacional de POA), Vevé e tantos outros.

A outra matéria enfocava a Rádio Eldorado dirigida por Sérgio Luciano (Joci Pereira), como relatou a matéria. Compunham a emissora nomes como o de Antônio Luiz (Antônio Sebastião dos Santos, mais tarde gerente e diretor), Clésio Búrigo, Kátia (Adelaide Delci Broleis), Odery Ramos e outros nomes, que, como no caso de jogadores do Metropol, não lembro. A reportagem tinha fotos que me extasiavam e me faziam sonhar com o dia em que pudesse, também, até pelo atavismo inspirador que emanava em mim, vindo dos irmãos radialistas, ser um locutor e merecer este nome.

Em 1961 fui para Criciúma, aos 17 anos, trabalhar – e aprender, mais aprender que trabalhar – com o Aryovaldo, mano mais velho, que já tinha um nome consolidado na cidade. Ele era vereador do PTB (aquele legítimo, o do Getúlio, do Jango e do Doutel, amicíssimo do Aryovaldo) e, como tal, foi nomeado Chefe de Gabinete do prefeito recém eleito de Criciúma, o jovem advogado Neri Jesuíno da Rosa, do PTB. Virei auxiliar de almoxarife (e, bênção de Deus, tenho a ficha funcional até hoje, lá se vão mais de 60 anos).

E assim começou a saga. O fim, só a vida me ensejará. Não tenho pressa.

Minha ficha de empregado na prefeitura:

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