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A orgia dos tempos que se vão ainda me assombra e permite comparações da vida vivida

Por Aderbal Machado 01/07/2023 - 10:12 Atualizado em 01/07/2023 - 10:15

Manhã de 1 de julho. No ano da Graça do Senhor de 1961, completavam nove dias de minha chegada a Criciúma para uma jornada de 21 anos ininterruptos de cidadania presencial. Lá aportei em 22 de junho, levado pelo mano Aryovaldo e assumi cargo na prefeitura, como auxiliar de almoxarife. Tinha 17 anos, mas idade naqueles bons tempos não era impeditivo. Era o governo recém-iniciado de Nery Rosa e Aryovaldo atuava na chefia do gabinete dele.

A missão funcional alterou um pouco meus hábitos de ociosidade no Araranguá: levantar muito cedo e chegar no serviço às sete horas, quando, no puxadinho de madeira atrás da antiga prefeitura, depois Fucri e Casa da Cultura. Ali ficavam várias salas de departamentos. A última abrigava o Almoxarifado. Salinha pequena, atulhada de badulaques e uma mesa rústica à guisa de escrivaninha. Nem máquina de escrever havia. Tudo no punho, na caneta. Naquela época a prefeitura tinha, se tanto, dois ou três caminhões, uma patrola  e poucos outros veículos. Uma Rural Willys, de uso do Aryovaldo, servia à fiscalização também.

Romantizo agora aquela época. Tinha certa dureza na atividade, a começar pela inexperiência e pelo inusitado da função. Todavia, a adaptação foi rápida. Dali se despachavam os trabalhadores da limpeza e das obras, maioria de recuperação de estradas, poucas delas pavimentadas – ao menos nas periferidas. A maioria dos lastros das estradas – e até de muitas ruas urbanas –  tinha como base a pirita, rejeito do carvão cujos efeitos danosos pouco se discutia, tanto no ar como no solo.

Pra garantir a vida, me hospedei no dormitório da Nini Schmitz e fazia refeições na Pensão da Vica. Os dois locais ficavam perto. O dormitório num prediozinho amarelo na esquina, perto da Jugasa. A Pensão da Vica ficava onde, depois, se construiu o pequeno edifício onde residiu o Dr. Raymundo Jorge Pérez. E quando relembro aqueles tempos, bailam na minha cabeça vetusta o cheirinho típico da fumaceira das chaminés das casas e bares produzindo o café da manhã, o fuzuê dos trabalhadores indo pras minas de bicicleta ou encarapitados em carroçarias de caminhões e os bares fervilhando de gente desde os primeiros minutos do dia.
 
O cheirinho de pastel quentinho dominava parte daquela hora, porque passava eu na frente dos botecos dali. Todos serviam pastel. Com uma novidade: pastel de carne, com carne. Parece redundância. Não é. Havia os famosos “pastéis de vento”: muita massa, necas de carne. Pois agora mesmo, neste sábado de 2023, julho, 1, isso me  vem a cabeça e olho pela janela, cá em Balneário Camboriú, cidade vicejada pelo frêmito da construção civil, pequena gigante da economia catarinense e brasileira, linda e aconchegante apesar do sufoco da vida cotidiana e, hoje, de suas tranqueiras urbanas agonizantes por vezes e benfazejas por outras, fico imaginando como teria sido se não fosse (ih, coisa da minha infância, trocadilho infame...). Poderia estar no Araranguá, sabe-se lá em qual realidade. Ou em Criciúma, quem sabe passeando de pantufa nalgum terreninho urbano ou vislumbrando as suas imensidões inimaginadas outrora, lá no frescor do 1961, julho, 1.

Eu vou, mas minha lembrança fica. Até. A paz do Senhor pros meus conterrâneos de fato, os araranguaenses, e os de adoção, os criciumenses.

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