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O Promotor que quase me fez mudar de profissão

Texto publicado do Toda Sexta desta semana
Por Adelor Lessa 23/10/2021 - 06:58 Atualizado em 23/10/2021 - 08:13

O respeito que tenho pelo Ministério Público tem muito a ver com um promotor de justiça que marcou época em Criciuma. Jacson Corrêa.
Como jornalista, acompanhei muitas das suas investidas em defesa do interesse coletivo.
Muitas que tinham tudo para ser do tipo “lutas inglórias”. Mas, ele era dedicado, estudioso, determinado, obstinado. E vencia quase todas.

Eu já era jornalista, diretor e sócio de jornal, diretor e apresentador de programa jornalístico no rádio, mas cheguei a ficar entusiasmado com a idéia de tentar vestibular para Direito, e depois concurso para ser promotor de justiça.
Não fui por detalhe.
O envolvimento com o dia a dia no jornalismo, que adoro fazer, não me deixou espaço para seguir o sonho.
Porque o jornalismo me realiza todos os dias.
Mas, o Ministério Público também é apaixonante.

Jacson hoje mora em Florianópolis, é procurador do Ministério Público estadual.
Outro dia, ficamos ao telefone lembrando casos, e fatos.
Um deles, o preso que foi morto depois de tanto apanhar dentro do Presídio de Criciúma.

Era década de 90.
Fui procurado por familiares do preso encontrado morto dentro do Presídio Santa Augusta.
De acordo com a família, morreu apanhando.

Eles tinham detalhes, informações de outros presos, bilhetes, testemunhas, mas esbarravam no diretor do presídio, que estaria envolvido diretamente.
Aí, o caso não seguia adiante.
A polícia não investigava (ou não ia à fundo) porque ele era policial, o juiz da Vara Criminal (responsável pelo presídio) confiava nele, e para completar, ele ainda era muito ligado à políticos de influência da cidade.
Diziam na época - “ele tem costa larga”.

Jacson não se impressionou, e foi adiante.
Do lado de cá, cada passo dado nas investigações, fatos novos apurados, fazíamos notícia. Na radio e no jornal.
Foi também uma forma de manter o assunto “vivo" e garantir que as investigações não seriam sabotadas.
Aos poucos, o cerco foi se fechando em torno do diretor do presídio.

O vereador José Argente Filho, impressionado com o que estava apurado, e a gravidade da situação, pegou uma de minhas colunas no jornal, foi à tribuna da Câmara e leu na íntegra.

No dia seguinte, o vereador entra na minha sala, olhos arregalados.
“Olha aqui o que recebi!”, disse.
“Igual ao que eu recebi”, respondi.

Cada um de nós estava com um bilhete escrito a mão em pedaços de papel alertando que corríamos risco de vida.
O diretor do presídio investigado teria acertado com os chamados “presos regalias”, aqueles que tinham o privilégio de sair por algumas horas do presidio, para “fazer o serviço”.
O bilhete, apócrifo, teria vindo de dentro do presídio, por presos que ouviram o “acerto".

"O que vamos fazer?”, perguntou o vereador.
Naquele momento, já tinha levado a ameaça ao conhecimento do Jacson, e só repassei a orientação que recebi.

“Eu vou ler o bilhete amanhã na abertura do meu programa na radio, e vou escrever na minha coluna no jornal. Recomendo que você faça o mesmo, na tribuna da Câmara. A partir daí, o próprio diretor do presídio passará a ser o maior interessado na sua integridade física”.

Foi que fizemos.
E nada aconteceu conosco.
Se o plano era real, a nossa reação deu certo. A missão foi abortada.

Meses depois, Jacson concluiu o inquérito com provas incontestáveis do envolvimento direto, e fisico, do diretor do presídio no episódio.
A motivação teria sido uma suposta dívida do preso com um comerciante amigo do diretor.
Dívida que não era real.
Por isso, o preso não admitia. E apanhava mais. E morreu de tanta porrada.

Concluída a ação, sentença dada, a tese do Promotor acolhida, e o diretor do presídio acabou demitido a bem do serviço publico.

Os familiares tiveram o que buscavam, depois do crime cometido. Justiça.

Hoje, quando vejo tentativas de manietar o Ministério Público, lembro de casos assim.
Que atestam a sua importância na defesa dos interesses difusos e coletivos.

Ministério Público amarrado, amordaçado, apequenado, dependente, não interessa ao cidadão comum pagador de impostos.
Só interessa aos que não querem que seus crimes, ou as ilicitudes cometidas, sejam apuradas adequada e profundamente.

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