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* as opiniões expressas neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do 4oito

Juiz indefere pedido do MP contra três prefeitos da Amurel

Leia no blog a decisão na íntegra
Por Adelor Lessa 17/07/2020 - 17:11 Atualizado em 17/07/2020 - 18:35

O juiz da comarca de Braço do Norte, Lirio Hoffman Junior, negou liminar pleiteada pelo Ministério Público, através da promotora de Justiça Fabiana Mara Silva Wagner, para que os prefeitos de Braço do Norte, Grão Pará e Rio Fortuna seguissem os demais municipios da Amurel na adoção de medidas mais restritivas para enfrentamento ao coronavirus.

Foram acionados os prefeitos Roberto Kuerten Marcelino, Márcio Borba Blasius e Lindomar Ballmann, respectivamente, dos municípios de Braço do Norte, Grão Pará e Rio Fortuna.

A promotora alegou que após o dia 11 de março, quanto a OMS – OrganizaçãoMundial da Saúde – declarou situação de pandemia em relação ao novo coronavírus (COVID-19), uma série de medidas foram tomadas para enfrentamento da situação de emergência que, notoriamente, assumiu importância e proporções globais.

Com a agravamento da situação nos últimos dias, a Promotora registra na ação que os municípios que compõem a AMUREL, através da Portaria n.º 007/2020, criaram o Comitê Extraordinário Regional (CER), composto por profissionais da saúde indicados por todos os municípios integrantes, que passou a apresentar pareceres técnicos que, após homologados pela CIR, foram utilizados para que os município expedissem seus respectivos decretos.

Informou ainda que em 8 de julho, o Comitê apresentou relatório classificando a região da Amurel como de “risco gravíssimo”, e recomendando a adoção de medidas mais restritivas, considerando o déficit quanto ao número de leitos de UTI na região.

Diante disso, o Comitê expediu recomendação para que todos os municípios da região adotassem "quarentena" entre os dias 16 a 24 de julho, permitindo apenas a abertura de atividades essenciais.

Os três prefeitos não seguiram a recomendação e optaram por medidas mais brandas.

Na decisão, o juiz escreve:

"Fosse eu um gestor público, não hesitaria um segundo em adotar as medidas mais restritivas possíveis em prol da promoção à saúde. Mas não sou, e não tenho, até o momento, respostas mínimas que façam atenuar a plêiade de dúvidas que permeia a compreensão do que seja a conduta correta em torno de um tema que nem mesmos os mais competentes cientistas ainda conseguem dominar".

O juíz Lírio Hoffmann Junior faz referência a reunião que presidiu pela manhã entre as partes e no final decide pelo indeferimento do pedido do Ministério Público.

Abaixo, na íntegra, a decisão. 

DESPACHO/DECISÃO

Como disse na decisão anterior, cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Santa Catarina, por intermédio de sua Promotora Justiça comatribuições que se estendem aos feitos desta unidade, em face de Roberto Kuerten Marcelino,Márcio Borba Blasius e Lindomar Ballmann, prefeitos, respectivamente, dos municípios deBraço do Norte, Grão Pará e Rio Fortuna.Alega o autor que após o dia 11 de março, quanto a OMS – Organização Mundial da Saúde – declarou situação de pandemia em relação ao novo coronavírus(COVID-19), uma série de medidas legislativas foram tomadas no desiderato deimplementar-se o enfrentamento da situação de emergência que, notoriamente, assumiuimportância e proporções globais.

Neste sentido, além das medidas de enfrentamento que foram adotadas emâmbito nacional pela Lei n.º 13.979/2020, em Santa Catarina, ainda antes da declaração do estado de transmissão comunitária, a questão teve regulação pela Portaria MS/GM n°454/2020, por meio da qual foram adotadas medidas rígidas de distanciamento social pelos Decretos 509/2020, 515/2020, 525/2020, 534/2020, 535/2020, e pelo ainda vigente Decreton.º 562/2020, este último alterado por diplomas sucessivos. Aduz que, no Estado, os serviços de saúde funcionam de forma regionalizada,estando, pois, divididos em 16 (dezesseis) regiões e macrorregiões de saúde, que foramtomadas como referência para a análise das peculiaridades epidemiológicas locais. Essa sistematização, alega, leva em conta considerações que medem, por exemplo, a velocidade depropagação da doença, o impacto dela sobre o sistema de saúde, as internações em UTIs, osleitos de UTIs disponíveis, além dos casos de mortes registrados.

Com base nesses parâmetros, as regiões foram classificadas em diferentes níveis de risco potencial, que, porseu turno, determinam as ações específicas as serem tomadas para a contenção dapropagação. Pontua que, no propósito de garantir efetividade a isso, estabeleceu-se que atomada de decisões no âmbito regional deveria ser homologada pela Comissão IntergestoraRegional (CIR) para posterior remessa ao Centro de Operações de Emergência em Saúde(COES), segundo Portaria SES n.º 464/2020. Compreende, portanto, que as ações de saúdecoordenam-se de forma solidária entre o Estado e os municípios, sempre que asparticularidades epidemiológicas transbordarem o âmbito estritamente local.

Visando a adotar medidas em conjunto, acentua que os municípios que compõem a AMUREL, através da Portaria n.º 007/2020, criaram o Comitê Extraordinário Regional (CER), composto por profissionais da saúde indicados por todos os municípios integrantes, o qual passou a apresentar pareceres técnicos que, após homologados pela CIR, foram utilizados para que os município expedissem seus respectivos decretos.

Informa que em 08 de julho, o CER apresentou relatório classificando a regiãode Laguna como de “risco gravíssimo”, e recomendando a adoção de medidas maisrestritivas, à luz do déficit quanto ao número de leitos de UTI na região. Diante destecontexto, consignou que, em 15 de julho, o CER expediu a Recomendação n.º 006/2020, afim de que toda a região adotasse quarentena entre os dias 16 a 24 de julho, aconselhando aabertura apenas de atividades essenciais previstas no artigo 11 do Decreto Estadual n.º562/2020. A despeito disso, afirma que os demandados ignoraram tais recomendações, expedindo decretos municipais que estabeleceram medidas menos restritivas e que não encontram suporte técnico adequado.

Salienta que os citados prefeitos criaram o Comitê Extraordinário do Vale deBraço do Norte, e, com base em suas considerações, passaram a expedir normativas que contrariam o conteúdo da Recomendação n° 006, sobretudo porque os decretos buscamfundamento de validade posterior à edição dos citados atos. Acentua que a postura dos gestores é desarrazoada, especialmente porque osmunicípios de Braço do Norte, Grão Pará e Rio Fortuna não dispõem de prestador local deserviços de média e alta complexidade. Embora reconheça que a Recomendação n.° 006 doCER/AMUREL tenha caráter apenas opinativo, entende que a omissão dos demandadosacentua o quatro atual da saúde pública, contribuindo para o sobre carregamento das instituições hospitalares localizadas fora dos domínios de seus municípios. De par com essas considerações, postula pela concessão de medida antecipatória, a fim de que: (i) sejam anulados os atos administrativos ilegais, (ii) seja determinada aos requeridos a obrigação de fazer consistente em acatar integralmente a Recomendação n. 006/2020 do Comitê Extraordinário Regional para acompanhamento etomada de decisão quanto a Covid-19, da Associação de Municípios da Região de Laguna (AMUREL), com a implementação de comandos fiscalizatórios pertinentes e, c) seja prevista a imposição de multa pecuniária por recalcitrância. Ao receber a inicial, “incontinenti” à propositura da demanda, proferi decisão preliminar, determinando a realização, na data de hoje, às 10:00 horas, de audiência demediação, a qual restou inexitosa. Diante desse cenário, portanto, passo a decidir sobre as providências de natureza antecipatória requeridas. Como argumentei na decisão pretérita pelas razões lá invocadas, a sede judiciária nunca é a mais adequada a solver questões de alto coeficiente político, como o é a causa que se encontra sob exame.

Deixo aqui registrado, antes de ingressar na análise dos argumentos, o que afirmei às partes ainda hoje, quando da audiência de medição: o meu mais irrestrito compromisso com a celeridade, ante a urgência da situação e a possibilidade real de que alguma das partes se valha de recurso contra a decisão que venha a lhe for desfavorável. Considerando-se a organicidade do direito, sobretudo das instâncias deconhecimento, é dever do juiz ponderar as consequências práticas de suas decisões, o que implica reconhecer que uma decisão apta e tempestiva deve proporcionar que também asmanifestações colegiadas em grau recursal possam assumir eficácia plena. Disso fala agora, expressamente, o artigo 21 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual “a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar ainvalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”.Há que se registrar algo ainda mais relevante: a reunião ocorrida hoje pela manhã, travada no mais algo grau de cordialidade entre os membros do Ministério Público, as partes e seus respectivos procuradores, revelou com inequívoca clareza que todos visam ao bem comum, a despeito dos diferentes pontos de vista com que enxergam o problema da saúde pública diante da pandemia. Não há, como já disse, solução simplista. Daí por que compreendi que achamada dos demandados – e mais à frente de entidades na qualidade de “amicus curiae” –enriqueceria o debate e não teria o efeito de comprometer, diante da agilidade com que as coisas se passaram, a pertinência da decisão a ser adotada.

Por meio do contato oral com as partes foram trazidos ao debate argumentos importantíssimos, dignos mesmo de consideração em uma compreensão que, necessariamente, deve ser sistemática. Por parte do autor, alega-se que as soluções quanto às políticas de saúde pública, no caso, devem ser havidas sempre em uma perspectiva regionalizada, o que é verdade. Aventa ainda que a postura individualizada dos municípios de Braço do Norte, GrãoPará e Rio Fortuna, acaso acentuada a gravidade da situação epidemiológica, reflete diretamente também na situação do sistema hospitalar de outros municípios, o que também é verdadeiro. Por outro lado, também são consideráveis as ponderações dos demandados. Não se pode deixar de conferir razão ao fato, em si comprovado, de que outros municípios  circunvizinhos, fora da AMUREL, não impuseram qualquer medida de igual gravidade, e que a possibilidade de contágio, por isso, não seria evitada. Seria justo impor esse pesado gravame a municípios como Rio Fortuno e Grão Pará, que têm uma situação relativamente confortável em relação à pandemia?

Há considerações de ainda maior peso: pelos demandados foi dito que as recomendações tomadas em conta para a edição dos decretos municipais levaram emconsideração dados científicos sólidos, realizados por médicos epidemiologistas que nadaestariam a dever aos profissionais que exararam a Recomendação n.º 006 da CER/AMUREL. Outra ponderação parece ainda mais irrespondível: a de que a autonomia que os municípios haurem do Texto Constitucional (art. 18 da CF) não condicionaria qualquer providência –desde que assentada em dados científicos evidentes – a particularidades de feição estritamentelegal ou infralegal, como seriam as recomendações da AMUREL. Bem por isso, quando desarrazoadas e ilegais, as medidas de feição administrativa não se protegem pelo manto da separação de poderes. Admitir o contrário seria anuir que a conveniência administrativa justificaria qualquer providência apenas porque, organicamente, o ato estaria à base da atribuição de determinada autoridade. De há muito doutrina e jurisprudência consolidaram a compreensão de que os atos administrativos de natureza discricionária não estão absolutamente imunes ao controle judicial. Mas há limites imanentes à atuação do Poder Judiciário neste terreno, e eles se estabelecem quando, à luz do caso concreto, for visivelmente perceptível a inocorrência deilegalidade do ato ou a ausência de proporcionalidade entre as escolhas feitas peloadministrador. São expressivas, neste sentido, as considerações de Maria Sylvia Zanella di Pietro:“Na realidade, a interferência do Poder Judiciário em políticas públicas não pode transformar-se em regra e não pode implicar substituição da discricionariedade administrativa e da própria discricionariedade do legislador pela discricionariedade do juiz. Para atuação judicial, ainda que com o objetivo de obter prestações positivas, é necessária ademonstração de que a omissão é antijurídica e de que a invocação do princípio da reservado possível não é feita, ilicitamente, com desvio de poder, para fugir ao cumprimento do dever. Isso não quer dizer que o Judiciário não possa analisar política pública; ele pode fazê-lo; mas, se verificar que as escolhas do Poder Público são razoáveis à vista das metas impostas constitucionalmente, ele não pode alterá-las ou determinar a sua alteração”.(Direito Administrativo, 20 ed. São Paulo: Atlas, p. 835). Acredito que toda a discussão levada a efeito até o presente momento leva emconsideração essa premissa, que implica, por consequência, uma indagação: agiram os demandados com manifesta ilegalidade? Os decretos expedidos se viciam por ausência deproporcionalidade? Tenho dúvidas severas a respeitos disso. Como foi trazido aos autos pelo Ministério Público na inicial, embora os gestores não tenham adotado na íntegra as diretivas da Recomendação n.º 006 do CER/AMUREL, todos eles em seus respectivos decretos impuseram, sensivelmente, um recrudescimento das medidas de controle, como a limitação a aglomerações, a redução dehorário de atendimento, abertura e fechamento de estabelecimentos, o cancelamento deeventos religiosos etc. Pode-se afirmar que essas medidas são suficientes? Honestamente, não sei! Como também não sabem os dignos representantes do Ministério Público que participaram da audiência de mediação no dia hoje. Em mais de uma oportunidade, os membros do “parquet” afirmaram categoricamente desconhecer a eficácia da quarentena proposta, asseverando que ela, no entanto, estaria assentada em dados cientificamente evidentes. Será que asrecomendações atribuídas aos profissionais médicos que justificaram a edição dos decretosglosados carecem de credibilidade? Esse é outro questionamento que não encontra respostaperemptória!

Fosse eu um gestor público, não hesitaria um segundo em adotar as medidasmais restritivas possíveis em prol da promoção à saúde. Mas não sou, e não tenho, até o momento, respostas mínimas que façam atenuar a plêiade de dúvidas que permeia a compreensão do que seja a conduta correta em torno de um tema que nem mesmos os maiscompetentes cientistas ainda conseguem dominar. É justo e constitucional trocar a dúvida administrativa pela judicial? Quanto a isso não tenho dúvidas em responder negativamente. Esse, aliás, é um ônus demasiadamente pesado que não pode ser atribuído nem mesmo aos membros do Ministério Público, quando se tem presente o flagrante descaso de parcela da população que, de forma irresponsável, ignora padrões e protocolos mínimos de segurança. Debita-se a esse comportamento, em parte, o fato de o número de contaminados ter aumentado substancialmente nos últimos dias. E por incrível que parece, essa atitude não veio, em grande medida, dos mais pobres e humildes ou daqueles que tiveram de voltar aos seus negócios, premidos pelas mais variadas espécies de necessidades. A quarentena terá oefeito de frear esses comportamentos que beiram a criminalidade? Esse, igualmente, um prognóstico que ninguém possui. Ainda no diálogo havido durante a audiência, levantou-se a questão econômica, o desespero das pessoas diante da crise, o aumento exponencial do número de suicídios nos três municípios. Essas questões têm aspecto relativo se se compreenda que a vida humana não conhece condicionantes, mas não é possível um critério médio de ponderação? Qual a calibragem dessa medida?Em síntese, está-se diante de dúvida fundada que, à luz do que sabe até opresente momento, não permite que se afaste a autonomia do município enquanto ente federativo dotado dessa prerrogativa. Pesa em favor desse argumento, reitere-se uma vez mais, o fato de as deliberações da AMUREL, através de seus comitês, não implicarem mais que sugestões a seus membros. A eles incumbe a responsabilidade política e social deobservá-las, mas isso não se converte em uma imposição de natureza jurídica que o PoderJudiciário possa impor “manu militari”. Neste particular, é importante pontuar que o Supremo Tribunal Federal, naADPF n.° 672/DF, reconheceu a competência material residual dos municípios, no âmbito deseus “respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmentepermitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social,quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas” (Relator: Ministros Alexandre de Moraes, decisão de 08 de abrilde 2020). Essa mesma orientação prevaleceu, à unanimidade, na decisão plenária da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 6341 (Rel. Min. Marco Aurélio Mello, julgado em15.04.2020). Reconheceu-se, naquela oportunidade, o entendimento de que as medidas adotadas pelo Governo Federal na Medida Provisória n. 926/2020 para o enfrentamento do novo coronavírus não afastavam a competência concorrente nem a tomada de providências normativas e administrativas pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios.

Se assim ocorre, e não há, segundo argumentei, razão fática que faça afastar aautonomia municipal, compreendo ser inviável ao Poder Judiciário substituir-se à atuação do administrador público, a quem recai, não apenas a prerrogativa de estabelecer estratégias de combate à pandemia, mas igualmente a responsabilidade por eventual e futuro comportamento insuficiente. À luz destas considerações, indefiro a liminar postulada, não sem antes deixar de consignar ao digno Promotor de Justiça, Dr. Osvaldo Cioffi Júnior, que Vossa Excelência, com suas palavras ao final da sessão de mediação, me emocionou. Vossa Excelência luta o bom combate, e honra a instituição que integra. Por fim, na esteira do que dispõe o artigo 138 do Código de Processo Civil,admito a participação das entidades mencionadas na petição do evento 19 nos presentes autos, intimando-se-as para manifestação no prazo de 15 dias, na medida em que devidamente configurado o interesse jurídico. Intimem-se e citem-se, nos termos legais.

Documento eletrônico assinado por LÍRIO HOFFMANN JÚNIOR, Juiz de Direito

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