Joel da Rosa Elia Júnior, 31 anos, estudante universitário e gerente comercial, conheceu as apostas esportivas no auge da pandemia, em 2020. Torcedor do Criciúma, ele começou com apostas pequenas (R$ 20, R$ 30) motivado por vídeos nas redes sociais e pela onda de influenciadores digitais que promoviam “métodos infalíveis” para lucrar em jogos.“Comecei apostando no time que eu gostava. No início, eram valores baixos, mas fui aumentando até apostar R$ 500, R$ 1.000 de uma vez”, lembra Joel. Apesar de alguns ganhos esporádicos, nunca teve lucro real. Com o tempo, as apostas deixaram de ser lazer e se tornaram rotina.
Assista: Joel relata como as apostas se tornaram um vício invisível
Do esporte ao cassino: a queda silenciosa
Em 2022, Joel conheceu os cassinos online. Em uma das primeiras tentativas, apostou R$ 2 e ganhou R$ 500.“Foi rápido demais e a sensação foi muito forte. Aí foi só para baixo.” A facilidade de fazer depósitos pelo celular acelerou o vício. “Você faz tudo em segundos, sem sair de casa, diferente da lotérica, que ainda exige algum esforço. Apostar virou automático”, relatou. A vida financeira desandou.
Joel gastava salários inteiros, pegava dinheiro emprestado e usava sua reputação para conseguir crédito com familiares. Estima prejuízo superior a R$ 100 mil. O impacto emocional foi ainda maior: afastamento da família, vergonha, mudança de comportamento, depressão e tentativas de suicídio.“Minha vida era a aposta. A energia que eu tinha, eu gastava para apostar. E eu tinha mais felicidade na expectativa de ganhar do que no ganho em si", comentou.
Assista: Como o celular virou o principal gatilho do vício
Quando o fundo do poço vira o começo da recuperação
A virada veio após a esposa descobrir as apostas no celular. Joel precisou admitir o problema. O apoio veio, principalmente, do pai. “Ele me abraçou e disse: ‘Essa é uma que a gente vai passar junto’. Isso me segurou", detalhou.
Hoje, Joel está em tratamento psicológico e psiquiátrico há mais de um ano. Um dos primeiros passos foi abrir mão do celular por seis meses, decisão difícil, mas necessária para romper o ciclo da dependência.“É tudo feito para te perder: as cores, os sons, a velocidade. É uma loucura. O efeito no cérebro é comparável ao da cocaína", revelou. Com o apoio da família, Joel recuperou parte do patrimônio perdido e reorganizou a vida. O controle financeiro agora está nas mãos da esposa. “Procure ajuda. Fale com a família, mesmo que tenha julgamento. Não espere chegar no ponto fatal", aconselhou.
“A dopamina do jogo vicia como a droga”: o alerta da psicologia
O psicólogo Bruno da Silva da Silveira, professor da Unesc e especialista em dependência comportamental, explica que o vício em apostas online é uma forma de dependência química sem substância, mas com os mesmos efeitos cerebrais.“A maior felicidade não está no ganho, mas na expectativa. É esse momento de incerteza que libera o pico de dopamina no cérebro. Isso gera um ciclo vicioso tão potente quanto o da cocaína", salientou.
Bruno alerta que a dinâmica digital, velocidade, privacidade, facilidade, torna tudo mais perigoso. “As pessoas perdem a noção do tempo e do dinheiro. Negam o problema e continuam apostando para recuperar perdas. O tratamento exige acompanhamento multidisciplinar e apoio familiar. A prevenção precisa começar com educação e restrição à publicidade para públicos vulneráveis", frisou.
Assista: Psicólogo explica como o cérebro responde ao vício em jogos digitais
Aposta legal, vício invisível: o que diz a lei
A regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil existe desde 2018. Mas foi só com a Lei 14.790, de 2023, que o Ministério da Fazenda passou a autorizar e fiscalizar as plataformas.
Segundo o advogado Israel Rocha Alves, especialista em Direito do Consumidor, existem dois tipos principais de apostas: as que envolvem competidores reais, como jogos de futebol, e as que dependem de algoritmos, como os chamados "jogos de tigrinho". “Ambos são considerados jogos de sorte e precisam ser auditados, mas o que preocupa é a publicidade: muitas vezes agressiva, sem aviso sobre os riscos, e voltada a jovens", explicou.
Alves lembra que, por lei, o apostador é considerado consumidor, mas essa proteção, na prática, ainda é falha.“A legislação não exige que o influenciador diga, por exemplo, a chance real de ganhar. Não há obrigação de alerta sobre o risco de dependência e isso é um grave problema", aponta.
Para o advogado, seria necessária uma revisão legal, com critérios mais rígidos para publicidade, semelhantes aos de bebidas alcoólicas e cigarro.
Assista: Israel Rocha Alves explica o que a lei protege — e o que ainda deixa desprotegido
Um vício que desafia o sistema
O crescimento das apostas online no Brasil desafia a legislação, a saúde pública e o sistema de proteção ao consumidor e faz vítimas silenciosas. Joel, agora em recuperação, faz questão de deixar um alerta: “Quem ganha com isso é a influência. Não a gente. É um vício, é uma doença. Por isso eu falo: procure ajuda. Não espere perder tudo", reforçou.
Assista: A mensagem final de Joel a quem enfrenta o vício em jogos digitais
Panorama do mercado regulado de apostas no Brasil
17,7 milhões de brasileiros apostaram no 1º semestre de 2025
78 empresas autorizadas e monitoradas pela Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA-MF)
R$ 17,4 bilhões em receita bruta (GGR) no período
R$ 983 foi o gasto médio por apostador ativo no semestre
Ações de fiscalização e combate ao mercado ilegal
Bloqueio de sites: 15.463 páginas retiradas do ar (Anatel)
Fiscalização financeira: 277 comunicações de suspeitas / 255 contas encerradas
Publicidade irregular: 112 páginas e 146 publicações removidas nas redes sociais
66 processos de fiscalização envolvendo 93 bets
35 resultaram em sanções no semestre
Cooperação com Banco Central, Google, Meta, TikTok, Kwai e Amazon
Perfil dos apostadores
Faixa etária | Percentual |
31 a 40 anos | 27,8%
18 a 25 anos | 22,4%
25 a 30 anos | 22,2%
41 a 50 anos | 16,9%
51 a 60 anos | 7,8%
61 a 70 anos | 2,1%
-
71% dos apostadores são homens
-
28,9% são mulheres
Arrecadação e impactos econômicos
R$ 3,8 bilhões arrecadados em tributos federais no semestre
Inclui IRPJ, CSLL, PIS/Cofins, Contribuição Previdenciária
R$ 2,14 bilhões destinados a áreas sociais (Lei 14.790/23)
R$ 2,2 bilhões em outorgas e R$ 50 milhões em taxas de fiscalização recolhidos pela SPA-MF
Bolsa Família e BPC não poderão ser usados em apostas online
Em 01 de outubro, o Ministério da Fazenda estabeleceu regras para impedir uso de benefícios em sites de apostas, seguindo decisão do STF
O que muda:
Beneficiários do Bolsa Família e do BPC não poderão usar os recursos em sites de apostas.
Plataformas têm 30 dias para implementar bloqueios.
Consultas devem ser feitas a cada 15 dias no Sistema de Gestão de Apostas do Ministério da Fazenda.
Procedimentos:
Cadastro de novos usuários: se constar como beneficiário, é negado.
Usuários já cadastrados: conta deve ser encerrada em até 72 horas após identificação.
O bloqueio permanece enquanto o usuário estiver ativo nos programas sociais.
Dados relevantes:
Em 2024, beneficiários do Bolsa Família gastaram mais de R$ 3 bilhões em apostas via Pix.
Lei em Criciúma prevê campanha de conscientização
Em julho deste ano, a Câmara de Vereadores de Criciúma aprovou o Projeto de Lei (PL) 41/2025, de autoria da vereadora Giovana Mondardo (PCdoB), que institui uma campanha permanente de conscientização sobre os riscos dos vícios relacionados a jogos de azar e apostas online no município.
O objetivo da campanha, conforme o texto aprovado, é informar e alertar a população sobre os impactos negativos do uso abusivo dessas plataformas, com ênfase na saúde mental, social e financeira. A campanha terá caráter educativo, preventivo e informativo, sendo voltada a públicos de todas as idades.“As casas de apostas pela internet estão se tornando constantemente mais conhecidas nas quatro regiões do país. Dificilmente não se vê alguma ‘BET’ patrocinando algum evento, competição esportiva ou espetáculo de grande público. Associada às apostas online, os jogos de azar também vêm em grande crescimento. E isso tem impactos concretos na vida das pessoas”, explicou a vereadora Giovana Mondardo.
O que prevê a nova lei
A campanha permanente deverá abordar, entre outros temas:
* Os efeitos dos jogos de azar e apostas online sobre a saúde mental, os relacionamentos sociais e a vida financeira;
* Os riscos do acesso irrestrito de crianças e adolescentes a essas plataformas;
* Os principais sinais de alerta para a identificação de comportamentos compulsivos;
* Os canais de apoio e tratamento disponíveis;
* Orientações sobre planejamento financeiro e prevenção ao superendividamento.
As ações serão desenvolvidas por meio de diferentes canais, incluindo:
* Veiculação de mensagens educativas em rádios, TVs, jornais e portais de notícias locais;}
* Instalação de painéis e distribuição de materiais informativos em escolas, unidades de saúde, terminais de transporte coletivo, centros comunitários e outros espaços públicos;
* Divulgação nos canais oficiais do município, como redes sociais e site institucional.... - Veja mais em https://www.4oito.com.br/noticia/criciuma-camara-aprova-campanha-permanente-contra-riscos-das-apostas-online-81269
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