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Operação do Gaeco: Juiz manda suspender licitações

Por Adelor Lessa 02/07/2020 - 18:35 Atualizado em 02/07/2020 - 19:07

O juiz Pedro Aujor Furtado Júnior, da Vera da Fazenda Pública, acaba de assinar sentença onde manda suspender todos os processos de licitação vencidos pela empresas investigadas pelo Ministério Público por fraudes nos processos, e que foram alvo de operação do Gaeco nesta quinta-feira.

O pedido foi feito pela promotora Caroline Eller, que investiga o caso desde 2019.

O empresário Akilson Barbosa é o principal investigado.

Abaixo, a parte final da sentença:

"Cuida-se de tutela cautelar preparatória ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em desfavor do Município de Criciúma, aduzindo, em síntese, que recebeu denúncia sobre o envolvimento de Akilson Mota Barbosa na fraude de licitações e contratos com o Município de Criciúma. Para tanto, Akilson teria se desligado da sociedade empresária CELESP – Comercial Elétrica São Pedro e constituído uma empresa denominada AI Electric Comercial Elétrica Eireli, a qual teria vencido processos licitatórios para fornecimento de material elétrico para o Município.

Narrou que foi instaurado o Inquérito Civil n. 06.2019.00003148-9 visando apurar irregularidades nos procedimentos licitatórios pregão presencial ns. 86/2019 e 124/2019, que culminaram na contratação da empresa AI Electric Comercial Elétrica Eireli.

Afirmou que em diligências realizadas com o apoio do GAECO foi constatado que "o capital social da empresa era de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais); não havia veículos cadastrados em nome da empresa; e não possuía funcionários registrados, conforme dados do CAGED".

Alegou que "a empresa AI ELECTRIC, em menos de 2 (dois) meses de atividade, um intervalo de 14 (catorze) dias, sagrou-se vencedora em três processos licitatórios deflagrados pela Prefeitura de Criciúma (Pregões ns. 86/19, 124/19 e 125/19), cujos contratos subsequentes somaram o valor aproximado de R$ 11.680.000,00 (onze milhões, seiscentos e oitenta mil reais)."

Destacou que a investigação gerou desdobramentos, como a instauração do Procedimento Investigatório Criminal n. 06.2019.00003994-8 e da interceptação telefônica de autos n. 0900676-53.2019.8.24.0020, devidamente autorizada pelo juízo criminal, "sendo deferido o compartilhamento da provas para possibilitar a adoção das providências cabíveis em outros Juízos competentes".

Descreveu, nas páginas 3 a 6 da exordial, uma série de fatos apontados como fraudulentos (com destaque para a criação de um "clube de empresas" do segmento elétrico, para atuarem como se concorrentes fossem, e para a atuação de servidores municipais, que dificultavam a participação nos certames de empresas alheias ao dito esquema fraudulento), os quais propiciaram o êxito dos investigados nos certames licitatórios, ao arrepio dos princípios basilares da administração pública.

Concluiu, então, o Ministério Público, após a investigação levada a cabo, a existência de um "esquema montado pelo investigado Akilson Mota Barbosa, que comandando e coordenando um grupo de empresas do setor elétrico – Ai Electric, Millenium, Eletro MW e Botega - , contando com a participação de outros empresários do ramo de fabricação de materiais elétricos para garantir-lhe preços mais competitivos em relação aos concorrentes e também na criação de artifícios para dificultar e desestimular outras empresas interessadas, bem como com a aquiescência de servidores públicos que lhe permitem participar da elaboração de projetos técnicos, orçamentos e editais, de modo a favorece-lo, venceu diversos processos licitatórios no período de pouco mais de um ano, não só na Prefeitura de Criciúma, mas também em outras cidades do Estado".

Ao fim da peça portal, requereu a tutela de urgência para que sejam imediatamente suspensos os Processos Licitatórios nº 086/PMC/2020 (que resultou no contrato 140/PMC/2020), nº 109/PMC/2020 e nº 113/PMC/2020 e/ou os contratos deles decorrentes, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em caso de descumprimento da liminar.

Decido.

De acordo com o art. 300 do CPC, "A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo".

Passo à análise do primeiro requisito.

Para que um procedimento licitatório seja plenamente exitoso deve atender aos princípios básicos constitucionais que regem a administração pública, e para isto limito-me a reportar a fundamental obra CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO (Malheiros, 33ª edição), do douto Celso Antônio Bandeira de Mello, que a rigor esgota o que se deve aprender sobre o tema.

Ouso afirmar que em nenhum outro processo administrativo os princípios ensinados por Bandeira de Mello tem tanta aplicação e rigor quanto na licitação, o que inclui aí o princípio da igualdade, pedra angular do instituto que encerra a idéia de competição.

De pronto concluo que tudo que viola o princípio da igualdade no procedimento licitatório o macula ab ovo.

Da violação ao princípio da igualdade decorrem as demais violações de natureza principiológica, todas de natureza imperativa diante do seu reconhecimento, como se dá com o princípio da moralidade, da impessoalidade, da conveniência, da razoabilidade, da proporcionalidade, da eficiência, e assim por diante para todos os demais que se amoldam ao escopo de uma licitação.

Sobre ela não pode pairar dúvida, véu, sombra ou mínima insatisfação dos princípios retro mencionados, sem o que o procedimento deve ser sustado imediatamente; ou como bem leciona Bandeira de Mello:

"Destarte, atendem-se três exigências públicas impostergáveis: proteção aos interesses públicos e recursos governamentais - ao se procurar a oferta mais satisfatória; respeito aos princípios da isonomia e e impessoalidade (previstos nos arts. 5º e 37, caput) - pela abertura de disputa do certame; e, finalmente, obediência aos reclamos de probidade administrativa, imposta pelos arts. 37, caput, e 85, V, da Carta Magna brasileira" (op cit, p. 542/543)

Saliento que a observância dos rigores da licitação protege até mesmo o administrador da pecha de improbo; a atenção máxima e rigorosa das normas da Lei n. 8.666/93 é antes de tudo uma obrigação moral do gestor para com os que lhe confiaram a administração dos recursos públicos, daí o liame umbilical entre a licitação e a probidade, uma não caminha sem que a outra se mostre presente como uma zelosa matriarca da era vitoriana (uma licitação deve ser e parecer honesta).

No caso dos autos, apesar de não constar a íntegra das investigações, o que consta no documento ANEXO2 referente ao Evento 1 é o suficiente para, em um juízo sumário, depreender a existência de fraude nos certames mencionados.

Nas páginas 5 e 6 daquele documento há transcrição de uma escuta telefônica envolvendo o Sr. Akilson, na qual ele confessa a inclusão de exigência no edital licitatório para dificultar a participação de concorrentes.

É mencionada a necessidade de apresentação de um laudo, que normalmente não é fornecido pelos fabricantes juntamente com os produtos, o que foi feito propositalmente para favorecer a empresa vencedora, que possuía tais laudos.

Destaco os seguintes trechos:

"Então, em tese, pra cumprir o edital teria que ter além do, do "coiso", teria que ter os laudos. Isso é redundante, mas foi colocado e ficou bem explícito, né!"

"A gente entende a redundância, mas é... é, esse edital é nosso, só pra ti entender. A gente fez a redundância propositalmente, né!"

Já na página 7 consta a descrição de uma conversa em que o Sr. Akilson pede a um fornecedor de materiais elétricos que não forneça orçamentos, nem documentação, notadamente para embaraçar a participação de concorrentes em edital no vizinho município de Morro da Fumaça/SC.

Denota-se, portanto, um esquema envolvendo diversos setores, buscando direcionar o vencedor de determinados procedimentos licitatórios.

Também causa espécie o que descrito na página 8, em que uma pessoa identificada como "Zilli", ao ser questionado sobre um projeto em andamento pela Secretária Municipal Sra. Kátia Smielevski, afirmou que o projeto "Tá na mão do Akilson para ele pegar e fazer o levantamento de que tipo de via é cada rua".

É de se estranhar que pessoa envolvida em licitação para fornecimento de materiais elétricos também esteja envolvida no projeto cujos materiais elétricos serão utilizados.

Também surpreende o fato de um servidor municipal entrar em contato telefônico com um interessado na licitação para ajustar o dia da semana para prosseguimento da mesma, como se vê na página 9 do documento ANEXO2 referente ao Evento 1.

Segue na página 10 diálogo entre dois proprietários de empresas participantes dos certames, combinando ações em conjunto, como se parceiros fossem, e não adversários na disputa pela melhor proposta.

A documentação ainda contém imagens de pessoas frequentando a empresa investigada e a Prefeitura Municipal, em datas e horários próximos às aberturas das propostas, bem como uma servidora do setor de licitações, identificada como "Karina Três", que foi vista na empresa do Sr. Akilson.

Em suma, ainda que o feito necessite da oitiva dos envolvidos e de regular instrução, há suficientes indícios para crer que houve irregularidade nos procedimentos licitatórios, sendo prudente suspender os mesmos enquanto os devidos esclarecimentos não sejam feitos.

Isso porque uma licitação fraudada (quando já se sabe o seu resultado pela exclusão de eventuais concorrentes e pela apresentação de propostas propositalmente piores que a da empresa "escolhida") é uma "não licitação", verdadeira burla a todos os princípios constitucionais-administrativos de uma única vez (pode-se escolher o da impessoalidade ou da moralidade ou qualquer outro), e por óbvio não pode ser chancelada.

Assim, o fumus boni juris mostra-se presente.

Por fim, o periculum in mora reside na possibilidade de pagamentos não devidos e com valores significativos, que podem onerar indevidamente os cofres públicos caso futuramente as licitações e respectivos contratos sejam anulados

Oportunamente, considerando que a suspensão do contrato interfere na esfera de direito também do contratado e que a suspensão das licitações interfere na dos vencedores dos certames, determino que o Ministério Público, no prazo de 15 (quinze) dias, emende a inicial e promova a citação da(s) referida(s) pessoa(s) jurídica(s).

Nestes termos, CONCEDO A TUTELA DE URGÊNCIA para determinar a imediata suspensão dos Processos Licitatórios nº 086/PMC/2020 (que resultou no contrato 140/PMC/2020), nº 109/PMC/2020 e nº 113/PMC/2020 e/ou os contratos deles decorrentes.

Fixo multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em caso de descumprimento da liminar, sem prejuízo de eventual responsabilização pessoal.

Intime-se as partes desta decisão, o autor para promover a citação dos litisconsortes e o réu para o devido e imediato cumprimento da tutela de urgência concedida, a ser comprovada nos autos.

Desde já, cite-se o Município de Criciúma nos termos do art. 306 do CPC, ficando a citação do(s) litisconsorte(s) para após a devida emenda.

Cumpra-se incontinenti.

PEDRO AUJOR FURTADO JUNIOR

Juiz de Direito"

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