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Em cada parada, versos à espera da liberdade

Concurso “A Poesia Vai de Ônibus” premiou detenta da Penitenciária Feminina que teve poema selecionado
Por Francine Ferreira Criciúma - SC, 15/03/2019 - 08:02
Fotos: Daniel Búrigo / A Tribuna
Fotos: Daniel Búrigo / A Tribuna

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O medo de ir ao dentista, que levou à falta de dentes na boca, que levou a um momento de inspiração, que levou à produção de um poema, inscrição em um concurso e uma consequente premiação. Essa é, em linhas gerais, a história da obra de Ana Patrícia Januário. Ela está entre as 50 pessoas selecionadas pela 2ª edição do “A Poesia Vai de Ônibus”, realizado no ano passado pela Associação Criciumense de Transporte Urbano (ACTU) e empresas associadas.

A cerimônia de divulgação dos vencedores aconteceu em dezembro do ano passado, mas só na tarde de ontem é que Ana descobriu que estava no grupo dos selecionados, e que seu poema já circula por Criciúma colado em diversos ônibus que transitam pela cidade.

O motivo? Há quase um ano ela foi detida e, atualmente, cumpre pena na Penitenciária Feminina de Criciúma, prestes a conseguir migrar para o regime semiaberto.

Foi a coordenadora de Educação da Penitenciária Feminina, Rita Rocha, quem contou à Ana que seu poema estava entre os 50 selecionados. “Ela ficou bem eufórica, se emocionou e chorou. Mas eu logo disse que era um choro de felicidade pela conquista, que ela custou a acreditar”, acrescentou.

Aos 47 anos, a detenta lembrou, achando graça, que escreveu o poema a partir da própria história, por conta da ausência de alguns dos seus dentes. “É uma particularidade minha, tenho pânico de dentista. Por isso resolvi criar o poema, tanto para incentivar minha autoestima e perder o medo, quando para outras pessoas que pudessem ler e ter o mesmo problema”, alegou.

Em meio a fortes emoções no momento da entrega do certificado, a professora de Ana na Penitenciária, Vanessa Zardin, responsável pelo projeto ‘Despertar Pela Leitura’, disse sentir orgulho. “Fico emocionada, a gente vê muita coisa da história delas diariamente, por isso é muito importante que a gente tenha obtido essa conquista, porque elas acabam vendo por elas mesmas que tem capacidade de mudar. Acredito que a leitura pode dar novas visões para as pessoas”, desabafou.

Atualmente, 90% das 280 reclusas na Penitenciária Feminina participam do projeto de remissão por leitura, o equivalente a aproximadamente 240 detentas. “No dia da produção, elas escreveram vários poemas com tema livre, depois fizemos uma roda de leitura, votamos e decidimos quais seriam inscritos”, argumentou Vanessa.

Mas afinal, o poema selecionado diz o que? Concentrada, com a devida expressão que demandava cada diferente verso, Ana declamou:

Ao passar em cada esquina

Vislumbro uma paisagem diferente

Ouço um comentário sovina

E em uma risada mostro o dente

Ausente

Em meio a risadas e muito brilho nos olhos, a reclusa, que havia parado de estudar na antiga 5ª série, comemorou ter conseguido fazer, ainda, a prova do Ensino Médio e o Exame Nacional do Ensino Mésio (Enem) depois que entrou para o cárcere. “Gosto muito de ler, por isso decidi participar do concurso. Me sinto muito honrada em estar entre as selecionadas, porque mostra que Criciúma se preocupa com a parte social, de ressocialização”, declarou.

E a vida não para por aqui. Assim que conquistar a liberdade, Ana quer retornar para sua comunidade, onde costumava ser agente solidária, para continuar ajudando o próximo e, em suas próprias palavras, ‘acrescentando algo na vida das pessoas’.

Apoio à cultura e à ressocialização

Membro da comissão organizadora do “A Poesia Vai de Ônibus”, a professora Cristiane Dias conta que foram mais de 180 poemas inscritos na segunda edição do concurso, dos quais 50 foram selecionados por uma equipe avaliadora que não sabia quem eram os autores. “Até a classificação, todos eram assinados com pseudônimos. O julgamento foi feito sem que os jurados soubessem que haviam, inclusive, seis detentas entre as inscritas, então podemos dizer que cada poema foi avaliado sem nenhum tratamento diferente”, garantiu.

O diretor da ACTU, Davi Mário Tiscoski, ressalta que, além de levar entretenimento aos passageiros, o projeto busca desenvolver, também, ações de ressocialização. “Hoje, passamos muito tempo no celular, mas imagina quem pega ônibus todos os dias, o quanto que acaba lendo com essa iniciativa. Por isso, agradeço a Ana por ter participado do nosso concurso e desejo que tenha uma saída tranquila e sucesso no futuro. Também contamos que consiga disseminar junto com outras colegas, para que neste ano mais presas se inscrevam”, completou.

Os poemas, em forma de cartazes adesivos, já estão colados e circulando dentro dos ônibus de Criciúma desde dezembro. “As pessoas entram, veem e, quando percebem, já leram o poema. Faz o dia de quem lê melhor, o ônibus acaba se tornando um livro ambulante”, reforçou Cristiane.

Incentivo ao social

Assim como sua antecessora, a nova diretora da Penitenciária Feminina de Criciúma, Bárbara Santos de Souza, que assumiu a função há um mês, é uma ferrenha defensora de projetos sociais que auxiliem na ressocialização de quem deseja deixar o mundo do crime para trás. “Ese é o caminho para recuperar as pessoas que estão dentro do cárcere. É bem melhor que consigamos fazer esse trabalho, para que elas retornem à sociedade recuperadas”, finalizou.

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