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Apaixonados pela natureza em busca da ave perfeita

Nova Veneza torna-se celeiro para observadores de pássaros e ganha incentivo como novo viés para o turismo
Por Marciano Bortolin Nova Veneza, SC, 02/04/2021 - 10:27 Atualizado em 02/04/2021 - 10:44
Foto: Lucas Sabino/Colaboração
Foto: Lucas Sabino/Colaboração

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O colorido dos pássaros que se confunde com o verde das folhas e o azul do céu. O canto afinado que divide espaço com o som da cidade e da água correndo rio abaixo agradam olhos e ouvidos daqueles que vão à Nova Veneza. Sim! Nova Veneza, a Capital Nacional da Gastronomia Típica Italiana.

Os suculentos e atrativos pratos servidos nos restaurantes da cidade ainda são o principal atrativo de turistas, porém a rica fauna e flora também têm chamado atenção. Porém, quem vai à cidade em busca destes belos animais não leva armas, nem gaiolas, mas sim câmeras fotográficas e binóculos.

Uma dessas “caçadoras do bem” é Isabel Coradi Gomes, de 51 anos de idade que, ao lado do marido, o cirurgião dentista, Marcos Gomes, de 54 anos, percorre diversas cidades na busca pelas melhores fotos. 

Fotógrafa, Isabel começou os registros de aves há cinco anos, quando deixou de cobrir eventos. “Comecei a praticar a macrofotografia nos fins de semana, até que fotografei um bem-te-vi e fiquei encantada com os detalhes que não conseguimos ver no dia a dia, tanto pelo tamanho das aves ou pela rapidez com que pousam e saem. Registrei outras aves urbanas como canários, pardais e cresceu o meu interesse e admiração pela diversidade de espécies e suas características”, conta.

Um dos cliques da "veterana da observação de aves", Isabel Coradi, em Nova Veneza. Foto: Isabel Coradi

A atividade é levada tão a sério que os praticantes compartilham os cliques e os sons capturados em um site chamado WikiAves, onde Isabel já tem 305 espécies cadastradas. “Algumas aves são mais fáceis de avistar, outras requerem mais paciência e obstinação.  Algumas são migratórias e só observamos em determinada época do ano. Um pássaro muito ouvido e difícil de ver é a araponga, ave símbolo de Santa Catarina que eu consegui fotografar depois de quatro horas de caminhada na mata”, lembra.

Isabel Coradi destaca a sua paixão pela observação de pássaros:

 

O paraíso no jardim

A empresária Deise Nuernberg Minatto, de 55 anos, sempre gostou de fotografia e como uma paixão leva a outra, ela se aproximou da observação de aves. A atenção pela atividade foi atraída em 2021, quando ela avistou um Surucuá-variado em seu jardim. 

No começo, como ela trabalhava, não conseguia dedicar muito tempo à observação. “Em 2018 tive problemas de saúde que me afastaram do trabalho. Passei por uma cirurgia e de lá para cá parei de trabalhar. Hoje minha ‘terapia’ é a observação e o registro de aves. Felizmente tenho o privilégio de morar em um lugar especial em Nova Veneza. Fica localizado no centro, mas também é isolado do movimento constante de veículos e pessoas. Mantenho um tratador, muita vegetação nativa e árvores frutíferas no entorno. Acredito que por este motivo, aliado à preservação e à localização geográfica do nosso município, há o surgimento de tantas espécies por aqui. Também faço observação na minha casa de praia no Farol de Santa Marta, em Laguna, que tem uma ‘reserva’ ao lado. Voltando para Nova Veneza, observo os animais na mata de um condomínio fechado de propriedade da nossa empresa, entre o Centro e o distrito de Caravaggio. Resumindo, minha observação e registros, em sua grande maioria, são locais próximos de onde resido”, revela Deise que admite ainda não viajar exclusivamente para este fim. “Mas em qualquer lugar que vou, a primeira coisa que faço é colocar minha máquina na bolsa. Às vezes peço para o meu marido parar o carro no caminho e faço o registro na beira da estrada mesmo”, cita.

Deise Minatto tem o privilégio de registrar os mais belos pássaros no terreno de sua residência. Foto: Deise Minatto

Nestes anos como observadora, Deise já “flagrou”, muitos pássaros, algumas vezes mais velozes que o clique de sua câmera. Estes, ela leva na memória, outros, alguns raros, na máquina fotográfica que depois é descarregada no computador. “Dos que já fiz o registro, posso destacar os mais difíceis em nossa região, como o Saí-de-pernas-pretas, o Gaturamo-bandeira, o Cuiú-cuiú, o Anambé-branco-de-bochecha-parda, sendo que os meus registros são os únicos em Nova Veneza”, comenta Deise, acrescentando outro animal especial para ela. “Fiz um registro inusitado e intrigante. Registrei um Corrupião-de-baltimore fêmea no tratador da minha casa. É uma ave migratória, comum no México e Estados Unidos. Eu já havia registrado esta espécie na Costa Rica, porém aqui, ela foi movida para a lista terciária das aves do Brasil, pois não há registros suficientes. Até hoje não sei como veio parar aqui. Não tinha anilha, era arisca e parou somente para se alimentar. Desapareceu e ficou o mistério”, revela.

Deise Minatto relata sua paixão pela observação de aves:

 

Varanda, binóculos, café e pássaros

O corre-corre diário, as buzinas incessantes do trânsito, a dependência da tecnologia. Fatores de um mundo cada vez mais agitado e individualizado que muitas vezes nos fazem querer fugir dos grandes centros e se aproximar da natureza. Algo que já é realidade para a bancária Maria Luiza Ronconi que em abril de 2020 passou a trabalhar em home office devido à pandemia da Covid-19. 

E foi na varanda de sua residência rodeada de árvores que ela encontrou um passatempo que trouxe mais paz aos seus dias. Com binóculos e livros especializados em aves, que servem como guia na identificação, ela observa tudo no quintal de casa. “Comecei algo que se tornaria como que um ritual: colocar frutas penduradas nas árvores, sementes nos comedouros, isso de manhã ao acordar, em seguida preparo meu café, levo para a varanda e então me sento com um pequeno binóculo e contemplo”, relata Maria Luiza que já identificou mais de 40 espécies. “Contemplar, observar mesmo que do quintal de casa, faz um bem enorme à saúde, pois te conecta com a natureza, desperta a curiosidade e te faz uma pessoa mais consciente da importância de preservar e proteger o ambiente ao nosso redor”, ressalta.

Na observação, a paz que bancária Maria Luiza procurava. Foto: Lucas Sabino/Colaboração

Entre as aves que mais lhe chamam atenção estão os Saís e Sairas, que são coloridos. “A que mais me emocionou foi o Aracuã, espécie ameaçada de extinção em função da caça ilegal, que veio comer frutinhas em uma árvore não tão alta, há dois metros de onde eu estava. Admiro muito os sabiás e seu canto melodioso e pude identificar quatro espécies, os pica paus são lindos assim como tucanos, rolinhas, sanhaços e por aí vai. E tem a juriti-pupu que canta e encanta todos os dias mas que não sai da mata”, completa.

Eles sobrevoam toda a cidade

E não é só no jardim ou no quintal das casas que os pássaros estão. O biólogo da Fundação Municipal de Meio Ambiente (Fundave), João Paulo Gava, afirma que a observação de aves em vida livre pode ser feita nos mais variados locais, sejam públicos ou privados. Para o observador iniciante, aponta ele, são recomendados sítios, quintais, pomares, parques e praças arborizadas por serem de fácil acesso e apresentarem maior segurança, como o Sítio das Casas de Pedra, a Estrada dos Imigrantes que liga o Centro do município ao distrito de Caravaggio, o Parque Natural Municipal Xokleng e pátios arborizados de restaurantes e estabelecimentos, como a Vinícola Borgo Gava e o Hotel Bormon. “O plantio de árvores frutíferas e a instalação de comedouros e bebedouros no quintal é uma ótima opção para se iniciar na atividade e atrair as aves para sua casa. Para o observador mais experiente, o interior do município possui diversas trilhas para cachoeiras e florestas exuberantes nas encostas da Serra Geral, próximo inclusive de pousadas como a Ninho das Águias e a Vale do Sol, em Rio Cedro Alto”, explana.

As mais variadas espécies de aves são vistos em todo o território de Nova Veneza. Foto: Deise Minatto

Por que a observação de aves em Nova Veneza?

A observação de aves silvestres em vida livre é uma atividade ecoturística que ganha cada vez mais destaque no país. Na Europa e na América do Norte ela já é uma atividade tradicional, praticada por milhões de pessoas, movimentando bilhões de dólares por ano.  “Vimos a observação de aves como uma atividade propícia para ser emplacada em Nova Veneza. Primeiro, porque temos muitas aves. Até o momento foram registradas cerca de 330 espécies diferentes no município, o que representa quase 50% do número de espécies encontradas no estado inteiro. Segundo, a vocação turística que Nova Veneza possui, aliada aos locais de fácil acesso para realização da prática, possibilitam que o turista tenha mais opções de lazer. Assim, as redes hoteleira e de gastronomia podem ser beneficiadas com o aumento de turistas. A escolha da atividade se deu também por ser um tipo de ecoturismo de baixo impacto ambiental já que é feita em pequenos grupos e é relativamente fácil de ser executada”, relata Gava.

Incentivo à prática

Gava salienta que o incentivo é feito, entre outras ações, por meio da criação de materiais gráficos e digitais, divulgação nas redes sociais, levantamento de espécies de aves e eventos de doação de mudas de árvores nativas que atraem pássaros. “Até o momento foram lançados três materiais gráficos sobre a observação. O livro da lista de fauna do município, por exemplo, lançado em setembro de 2020 em parceria com o Instituto Felinos do Aguaí e a Reserva São Francisco, traz algumas fotografias, nomes científicos, nomes populares e onde cada espécie de ave pode ser encontrada em Nova Veneza. A cartilha de observação de aves, por sua vez, traz informações sobre a atividade, a importância das aves e ilustrações”, diz.

O Guia de Observação de Aves de Nova Veneza foi construído em parceria com o Instituto Alouatta, Associação Neoveneziana de Turismo (ANET) e a empresa Vanelise Confecções e lançado em outubro de 2020. Das quase 330 espécies de aves encontradas na cidade, 50 estão no guia por serem espécies fáceis de se observar e chamativas pelo colorido das penas. O objetivo foi divulgar os animais e a atividade para moradores e turistas. “Por conta da pandemia, as atividades práticas relacionadas ao lançamento do guia não puderam ser executadas, mas os mesmos já foram entregues em diversos pontos de serviços comerciais e públicos do município e todos os estabelecimentos turísticos associados à ANET possuem o guia à disposição”, menciona Gava.

Fundação Municipal do Meio Ambiente criou materiais para divulgar a prática. Foto: Lucas Sabino/Colaboração

Depois da pandemia, mais ações

O biólogo revela ainda que, após o fim da pandemia, a ideia é desenvolver diversas atividades práticas relacionadas ao tema, principalmente com grupos de alunos das escolas municipais, clubes de mães e escoteiros. A programação deve incluir atividades como a escolha da ave símbolo do município, criação de um clube de observadores de aves, implantação de eventos de observação e cursos de capacitação para os estabelecimentos turísticos. “Para isso se concretizar, serão necessárias parcerias fortes entre o poder público e a iniciativa privada. Interessados em serem parceiros no programa de observação de aves podem entrar em contato com a Fundação do Meio Ambiente de Nova Veneza pelo telefone 3436-5273 ou pelo e-mail [email protected]”, fala.

Além disso, Gava cita a criação do Parque Natural Municipal Xokleng como fundamental para difundir a iniciativa. “É uma unidade de conservação que protege quase quatro hectares de floresta no centro de Nova Veneza que também irá contribuir para a realização da observação de aves. Um total de 120 espécies de aves já foram encontradas no parque que está em fase de implantação e será aberto para visitação após o devido cercamento, construção de trilhas e publicação do plano de manejo”, acrescenta.

Presidente da Fundação do Meio Ambiente de Nova Veneza, João Paulo Gava, destaca o crescimento da prática no município:

Todos voando são melhores que qualquer um na mão

“No meu entendimento, ao observar a natureza, compreendemos como cada coisa faz sentido. Na natureza tudo está em sintonia, cada ave tem sua função, cada uma com suas características, seu canto, suas cores, tudo nos ensina e isso me fascina. Com isso, despertamos a vontade de proteger, de cuidar, preservar o meio ambiente”. A frase resume o que a observação de aves significa para Deise. Para ela, a ação é mais que um passatempo. Na natureza, tudo está em sintonia, é como se fosse uma engrenagem onde um precisa do outro para tudo funcionar de acordo. Estamos inseridos nesse meio e acredito que a nossa função é cuidar, proteger, e desta forma, ao registrar, vem o prazer de mostrar tudo o que nos rodeia”, conclui.

Deise e o "paraíso dos pássaros" em seu quintal. Foto: Lucas Sabino/Colaboração

“Observar aves sendo morador de Nova Veneza é um privilégio”

Gostar da natureza fez com que o autônomo Rafael Spilere Romagna escolhesse a graduação em Ciências Biológicas aos 18 anos. Hoje com 28 anos, e apaixonado em especial pelas aves, fez ele iniciar a observação de imediato. 

Para ele, observar estes animais em Nova Veneza é um privilégio. “O nosso município é composto por diferentes mosaicos de ecossistema, possibilitando se deslocar de áreas de baixada até a encosta da Serra Geral, passando por diferentes ecossistemas como banhados, áreas alagadas, áreas urbanas, áreas de plantio, capoeiras e matas preservadas em um curto passeio, possibilitando a observação de várias espécies de aves”, enfatiza.

Entre os locais que Romagna diz observar os pássaros, está a Estrada Velha, a área perto da Barragem do Rio São Bento, que já abrange o município vizinho de Siderópolis, e o Centro. “Moro no Centro e faço a chamada observação de janela. Na observação de aves, nós percorremos todos os ambientes possíveis, desde áreas alagadas, baixadas, capoeiras, áreas agrícolas, matas nativas, encostas. Todos os ambientes aumentam o número de espécies que ocorrem. Tem as generalistas, que estão em qualquer ambiente e as especialistas, que estão presentes somente em alguns ambientes, conforme a característica”, aponta.

Ainda para ele, observar aves é um estilo de vida. “Ou você é observador ou não. Não existe um meio termo. Depois que você começa a observar aves em qualquer lugar que você está, você vai estar observando. Temos sites, aplicativos que são feitos listas de aves, com fotos, áudios do canto da ave e isso auxilia na contagem de espécies já observadas. Não tem dia, não tem hora: tu vê alguma que não conhecia e coloca na lista”, finaliza.

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