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Pequenas grandes cidades. Grandes pequenas cidades.

Por Grayce Guglielmi Balod 27/03/2019 - 22:27 Atualizado em 27/03/2019 - 22:40

Morei alguns anos numa cidade grande. Ela era grande se comparada com a cidade onde nasci.

Tudo era maior na cidade grande. De tudo, tinha muito mais na cidade grande.

Avançava os quarteirões com cuidado quando saia a caminhar.

Tudo era o desconhecido. Mesmo os cenários que já conheia. Porque sempre havia elementos novos neles.

Era como se eu fosse uma eterna turista.

Um pouco por isso, adquiri o hábito de só sair de casa levando uma câmera fotográfica.

Registrava tudo o que achava bonito.

Não porque tudo era belo e alegre ao contrário do que possam pensar.

É que, na verdade, na cidade grande havia muitas coisas feias e tristes. Coisas com as quais nunca irei me acostumar.

Certo dia vi um jacarandá repleto de flores roxas. 

Acima dele o céu esnobava um azul radiante enfeitado de nuvens brancas. 

O sol brilhava com intensidade.

Daria uma linda fotografia.

Embaixo dele, porém, estendido na calçada, dormia um rapaz.

Poderia ser a descrição de um momento de sossego. 

Mas o rapaz tinha as roupas sujas e rasgadas. 

Suas roupas grossas e quentes não condiziam com o dia quente.

Seus velhos calçados serviam-lhe de travesseiro. 

Tinha os pés machucados.

E a sombra do jacarandá não estava sobre ele.

Eu o avistei de longe. 

E quando já estava longe dele, eu ainda olhava para trás desejando que despertasse.

Pensei em acordá-lo. Em oferecer-lhe um copo d'água. Em convidá-lo para deitar-se a sombra.

Pensei em fotografar.

Pensei em fazer tantas coisas mas nada fiz.

 

Julguem-me.

Em minha defesa direi:

Tive medo de sua reação.

Não fui indiferente. Mas não soube o que fazer ou como fazer.

Continuei a caminhar fazendo uma prece por ele e desejando que alguém fizesse o que não fiz.

Naquele dia decidi que, mesmo que tenha que conviver com a frustração de não saber como agir, eu não permitirei que cenas assim se tornem comuns. Jamais serei indiferente.

É a minha consciência que não quero perder. 

Ninguém tira nada de uma pessoa consciente sem o seu consentimento.

Não poderão tirar minha tristeza. Mas também não poderão tirar minha alegria.

Eu me senti triste a sombra daquele jacarandá florido - como há tempo não me sentia.

Porque poderia ser meu irmão, meu filho, meu sobrinho jogado ali, sozinho, sem cuidados. 

Me senti triste porque poderia ser eu.

Mas, principalmente, porque não era eu.

E não sendo eu, nada pude fazer.

 

Seja a nossa cidade grande ou pequena façamos a nossa parte para que ela seja mais humana.

Um olhar amoroso sobre tudo e todos me parece ser o melhor caminho. Mesmo que em algumas situações não saibamos o que fazer.

A indiferença dos habitantes em relação as mazelas da cidade revela a pequenez dessa cidade, mesmo que seja uma cidade grande.

A consciência dos habitantes em relação as mazelas da cidade revela a grandeza dessa cidade, mesmo que seja uma cidade pequena.

 

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