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Meu vestibular para a faculdade de medicina

Memórias de meu exame vestibular à faculdade de Medicina, UFPR, 1954
Por Henrique Packter 19/09/2022 - 09:30 Atualizado em 19/09/2022 - 09:32

Antes de mais nada é preciso dizer que havia provas escritas sobre Biologia, Física, Bioquímica e Higiene. Terminadas essas provas escritas descritivas, poucos dias depois éramos submetidos a provas orais das mesmas matérias.

O professor Metry Bacila

Marcou muito meu exame vestibular a prova de Bioquímica oral.  Estávamos assustados com a notícia de que o Professor Dr. Metry Bacila iria participar da banca examinadora desta matéria. Ele doutorara-se em 1946 em Medicina, com a tese CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO FATOR RH EM CURITIBA. Foi designado, em seguida, chefe dos laboratórios de Física Biológica e de Química Fisiológica da Faculdade de Medicina. Simultaneamente ingressou no Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas. Em abril de 1947 agraciado com a BOLSA JÚLIO A. ENZ, realiza estudos pós-graduados na Argentina. Seu interesse era os estudos enzimológicos em especial do metabolismo de carboidratos. Durante suas pesquisas demonstrou, pela primeira vez no mundo, a existência da galactoquinase em tecidos animais, enzima descoberto por Leloir na levedura Saccharomyces fragilis.

Retornando a Curitiba é nomeado professor assistente de Química Fisiológica da FM e passou a reger a cadeira de Química Orgânica e Biológica do Curso de Veterinária. Em 1949 prestou concurso de títulos e provas para professor catedrático daquela matéria, com a tese sobre O MECANISMO ENZIMÁTICO DO METABOLISMO INTERMEDIÁRIO DOS CARBOIDRATOS E, EM PARTICULAR, DA GALACTOSE E GALACTOQUINASE EM TECIDOS ANIMAIS.

Em 1950, Metry Bacila era docente-livre de Química Fisiológica na Faculdade de Medicina, com a tese OS ÉSTERES FOSFÓRICOS DOS CARBOIDRATOS E A DETERMINAÇÃO DA FOSFORILAÇÃO NO RIM.

Em 1952 realiza estudos pós-doutorais na Universidade de Chicago, como bolsista da Fundação Rockefeller.  

Na Universidade de Chicago desenvolveu pesquisas sobre metabolismo energético e em 1953 participou do Congresso Internacional de Fisiologia de Montreal, Canadá. Por algum tempo permaneceu na Universidade de Wisconsin onde pesquisou sobre compostos orgânicos de fosfato de alta energia. Retorna a Curitiba em novembro de 1953 a tempo de examinar os candidatos ao curso de Medicina da UFPR em fevereiro de 1954. Exerce na UFPR a chefia da Divisão de Patologia Experimental do Instituto de Biologia e Pesquisas Tecnológicas. Metry Bacila retornou aos EUA em 1958 também como bolsista da Fundação Rockefeller para período de pesquisas na Johnson Foundation, Universidade da Pensilvânia. Os estudos de bioenergética que realizou tiveram grande influência no desenvolvimento da linha de pesquisas sobre atividade mitocondrial. 

Pois foi com esse homem que tivemos de nos haver para cursar Medicina. Claro, não deu outra.

Como já falei, o vestibular tinha provas escritas com três questões discursivas e, dias depois, outra prova que era oral diante de banca composta por dois examinadores e um presidente da banca que também indagava quando o assunto era de seu interesse. Daí resultava que obtínhamos 3 notas cuja média era o resultado da prova oral. Havia dúvidas na cidade se Metry Bacila participaria do exame dos candidatos uma vez que seu sobrinho e mais tarde nosso colega, SEBASTIÃO FARAJA BACILA, era candidato a uma vaga no curso de Medicina. Ele foi aprovado e faleceu tragicamente anos mais tarde ao dirigir seu automóvel, sem companhia, rumo às praias, num dia quente de verão, fulminado por um enfarte do miocárdio.

Prova

Chamado, sentei-me à frente da notabilidade médica paranaense. Era gordo, baixo, abundância de pelos pretos, nem um pouco amistoso. Sorteei o ponto que ele conferiu com pouco interesse. Perguntou-me, enquanto rolava o papelucho do ponto sorteado entre dois dedos grossos:

- Num tubo em U, munido de dois orifícios, um em cada extremidade do tubo, você derrama 1 litro de mercúrio por um dos orifícios. Você sabe que mercúrio e água são imiscíveis.  Qual a quantidade de água que você deve derramar no outro orifício para equilibrar as duas colunas de líquidos?

Ele me examinava, agora com certa curiosidade, para ver o que eu iria fazer, não fosse eu aluno do célebre professor de Química do Ginásio Marista de Santa Maria, RS, o Irmão Segisberto.

Comecei dizendo que as alturas dos líquidos são inversamente proporcionais às densidades dos respectivos líquidos o que causou certa impressão na banca. Continuei:

- Supondo que a densidade do mercúrio seja 20 (eu não sabia quanto era), a altura da coluna de água que equilibra uma coluna de mercúrio de 1 metro, é de 20metros.

Bacila, então fez a pergunta inevitável:

- E quanto é a densidade do mercúrio?

Confessei que não sabia com certo constrangimento de aluno do interior diante dos sábios da cidade grande. Uma pequena tempestade teve origem, Metry Bacila irritou-se:

- Pois é sempre a mesma coisa! Ele não sabe algo que qualquer aluno do ginásio sabe. Ora vejam só! Ele ignora a densidade do mercúrio! Pode retirar-se! Não precisa nem passar pela colega examinadora a Dra. Maria Falce Macedo.

A professora era uma santa que auxiliava de todas as formas as almas desvalidas de estudantes a perigo, o meu caso!

Eu dera uma espiada para ver qual era a questão que teria de responder caso fosse inquirido pela velha professora: COMPOSTOS HETEROCÍCLICOS DE NÚCLEO PENTAGONAL E HEXAGONAL CONDENSADOS! O único ponto que eu não estudara em toda a matéria de Química!

Não era o meu dia... Os Correios e Telégrafos estavam bem ali, defronte ao edifício da Universidade. Escrevi para casa, cautelosamente, que a prova de Química não fora boa, mas que Deus era grande! Mais tarde, sendo divulgadas as notas soube que Metry Bacila me dera um nove, nota acompanhada por todos os examinadores.

Luiz Alencar de Moraes, primeiro pediatra em Dracena, SP  

Na prova de Biologia, das três questões discursivas, uma era sobre Higiene, matéria que não constava nos velhos livros da coleção FTD, adotada pelo Colégio Marista de Santa Maria, RS. Havia uma apostilada, já entrada em anos, que circulava de mão em mão e que utilizávamos para escrever sobre o assunto. Quem tinha recurso matriculava-se no curso Pré-Vestibular de Jayme Guelman e logo-logo sabia tudo sobre Higiene.

Eu e meu falecido amigo e colega Luiz Alencar de Moraes compartilhamos a mesma apostila cujo texto já era bem complicado de decifrar. Na prova escrita foi sorteado o assunto HIGIENE PRÉ-NATAL.

- Alencar, escreveste o quê sobre o assunto?

Alencar era aluno brilhante e espírito divertido:

- Escrevi: antes do Natal, data magna da cristandade, é bom tomar um banho de corpo inteiro, fazer a barba e o cabelo, não esquecendo de penteá-lo!

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