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Só sei que nada sei, na vitalidade do espírito livre, mas ainda sob grilhões de um progresso maluco

Por Aderbal Machado 14/10/2023 - 08:00

A vida é uma sucessão de crônicas. Algumas mal escritas. Outras inspiradas. Uso aqui uma simbologia típica da profissão – o jornalismo.

Ao longo de oitenta anos, vividos sem muita criatividade (confesso) e ao sabor de bilhões de improvisos, pude enxergar os textos de momentos cruciais uns, amenos outros. Guardei muitos no fundo da memória e jamais os revelarei. A maioria está pronta para ser mostrada. Um a um, sem dó e  nem piedade. Vai depender do ânimo no futuro. 

Pois sendo parido por Dona Amarfilina numa quarta-feira de maio, dia 10, ano de 1944, 9 da manhã na Boa Vistinha do Turvo, então Araranguá, nem poderia supor o menor vestígio dos caminhos a seguir lá adiante (ou cá adiante, onde já estou – e o tempo, jovens, passa num relâmpago, tenham certeza; mas  isto só verão depois). Porque ali, nas brumas das noites silentes e dos dias solitários no sertão lindo e acolhedor, de céu escancarado de estrelas e imaginações, supunha eu ser aquilo ali o mundo inteiro. Pois havia ali, naquele solo fértil, a sobrevivência em tudo de quanto ela se compõe, vegetal, mineral ou animal. E poético, até, me permitam.

Dias de sol motivavam brincadeiras alegres, com as sombras a correr atrás; em dias de chuva, a farra nas poças, a olhar os pingos salpicando o chão e o cheiro da terra molhada invadindo o ar. Nada parecido e nem imitado. 

Em verdade, a natureza nos cedia o máximo e assim vivíamos – e nem supúnhamos que, um dia, isso terminaria quase melancolicamente, ante a imensidão invasiva dos asfaltos, concretos, muros e grades pra todo lado. E então, hoje, fico elucubrando sobre a velocidade terrível dos tempos. Saímos daquela alegria pura e sem mistérios para a sofisticação falsa de tempos duros. Da luta pela sobrevivência e da simplicidade para a loucura das tecnologias e do chamado “progresso”. E até agora fico na dúvida se isso foi evolução. Duvido, mesmo, que tenha sido. Ou que seja.

Agora mesmo, perturbado pelo celular, pelo computador, pela televisão (“máquina de fazer doido”, no dizer de Stanislaw Ponte Preta, o saudoso e inigualável Sérgio Porto) e sei lá mais: microondas, forno elétrico, cafeteira que trabalha sozinha (saudade do coador de pano...) liquidificador, batedeira de bolo, roupa sintética, automóveis elétricos, home banking, pix (meu Deus!!), pão que dura duas semanas em casa sem estragar (ou mais, até), tudo enlatado, twitter, facebook, instagram e o caralho a quatro. Doido. Fiquei doido. Estou doido. Poderia colocar um acento e mudar o sentido – e seria verdade: doído. Por que é. Com acento MUITO agudo no “í”. 

No entanto, para arrefecer esta agonia insensata do atropelo dos anos, agora mesmo, depois de cruzar desertos, planícies e lavouras férteis de conhecimentos e experiências, retorno à origem e pratico o jornalismo e o radialismo do começo. Ou do recomeço. E me enxergo querendo criar e aprender. E crio e aprendo. Pelo menos nisso ficou bom: adquiri a consciência libertária do “só sei que nada sei” (Sócrates). O que já é um saber importante.

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