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Os roteiros da vida e minhas cinzas

Na Boa Vistinha vivemos os melhores anos das nossas vidas
Por Aderbal Machado 03/02/2024 - 07:52 Atualizado em 03/02/2024 - 09:15

Relembrando a infância mais tenra, quase no pé da Serra, lá nos confins do Turvo e do Meleiro, na Boa Vistinha inesquecível, com a invasiva e benfazeja natureza açoitando de beleza e frescor nossas vidas. 
E aí fervilham saudades das estripulias dos manos mais velhos, a cavalgar no Rosilho, um cavalo “passarinheiro”, como dizia Aryovaldo, pois assustado ao extremo com qualquer detalhe esquisito no ambiente – como uma folha caindo à sua frente durante o galope. Ou do mano Agilmar a criar seus bodes carregadores, inventando carrinhos para puxar mantimentos ou apenas para mostrar suas destrezas criativas. Ou da mana Icleia, caseira por excelência e grande companheira de mamãe nas fainas cozinheiras. O César, mais velho, tenho poucas lembranças daqueles tempos. Ele já se aventurava por Araranguá, como auxiliar da Relojoaria Labes e, num repente, casado com Zezinha, filha de Otávio Ramiro e de Dona Mariquinha, aos 16 anos de idade, ela com 17.

Aryovaldo era professor, concluído o Curso Complementar. Naquele tempo valia e, bom lembrar, latim e francês eram línguas ministradas no curso. Aryovaldo dava aulas na escolinha ao lado da igrejinha – que ainda está lá, bela e fagueira (“à sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais...). E até o mano Aimberê foi seu aluno. Sem colher de chá e protecionismos. Ele dizia ser exemplo para os demais. Relembro, por necessário, da atafona e dos lavandins à beira do rio, onde mamãe e tia Carolina lavavam roupas da família e de vizinhos. 

Bem mais tarde – e na época pareceu uma eternidade o passar do tempo entre a infância número um e a infância número dois, acoplada à puberdade no Araranguá e em Criciúma. A alternância entre as duas cidades ocorreu num ciclo vertiginoso. Hoje, pensando nisso, quase endoido naquela rotatividade entre uma cidade e outra. Papai parecia um cigano, definição dele mesmo ouvida por mim várias vezes, tal a assiduidade dessas idas e vindas.

E então vem à mente um tio, irmão de mamãe, com quem papai mantinha ótima relação, pois ele cuidava das nossas terras, na Sanga da Perdida e ali mesmo, na “sede da Boa Vistinha. Era o Tio Zeca, com sua esposa, a Tia Xandoca, com quem convivemos por anos e anos.

Muito mais tarde, mano Aimberê e eu ficamos chocados ao tentar visitar a Sanga da Perdida. Haviam aterrado para plantar fumo. Choramos muito. Desmantelaram um bom pedaço da nossa alma e dos nossos relicários. Poucos veneravam tanto a Boa Vistinha como Aimberê. Mais que eu. Muito mais. Aryovaldo, inclusive. A tal ponto de estarem no Rio Jundiá as suas cinzas, a pedido especial e específico.  Ele sempre repetia ter vivido lá seus melhores dias. Não duvido. Nós também.
Em verdade vos digo: há décadas não vou à Boa Vistinha. Lamento muito por isso, mas essa vida de maluco me prende nos afazeres profissionais e em limitações que nem lhes conto. Gostaria de lá estar em forma de cinzas, espero que bem mais tarde, para fixar bem minha origem grata.

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