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"Herói x vilão" - Será que não estamos um pouco crescidos para o velho nós contra os outros?

Por Ananda Figueiredo 08/05/2018 - 11:50

O momento histórico do nosso país já revela: estamos, cada vez mais, buscando relacionamentos que compartilhem das nossas opiniões, visões, crenças e verdades. Se em outro momento o futebol nos dividia em fla flu, grenal ou criciúma contra Figueirense, agora este cenário se repete em larga escala: religião, low carb versus aqueles que não fazem dieta, Apple versus android, crossfits contra lutas marciais, direita contra esquerda. Nada contra o pensar e menos ainda contra o posicionar-se acerca de qualquer um destes temas. O ponto aqui é que, ao ignorar opiniões contrárias, as pessoas tendem a aderir cegamente a uma posição, doutrina ou sistema e a caminhar numa direção perigosa: a do fanatismo.

Aqui mesmo no blog nós já falamos sobre fanatismo outras vezes (confira aqui), então não vamos entrar neste mérito novamente. O ponto para nós hoje é por que, afinal, é tão fácil alinhar-se a um conjunto de pessoas que encontrou um Judas particular e culpá-lo por todo o caos do universo? Por que temos usado tão intensamente dos nossos relacionamentos para estabelecer um “nós contra eles” em quase todas as áreas das nossas vidas? Tá ai uma pergunta que a ciência busca responder há algum tempo.

Uma prova disso é o paradigma dos grupos mínimos, elaborado nos anos 1970, na Inglaterra. Neste experimento, o cientista agrupou pessoas por critérios irrelevantes (como o pintor favorito, por exemplo) e observou a conversa. Logo, os participantes criaram forte ligação com as pessoas de sua turma e passaram a exaltar suas qualidades, enquanto simultaneamente criticavam e hostilizavam as pessoas dos outros grupos, que elas não conheciam, mas chamaram, espontaneamente, de rivais.

Outro cientista, chamado Le Bom, um francês do século19, já dizia que, nas multidões unidas por paridade, é como se as personalidades, valores, enfim, se as pessoas individualmente se enfraquecessem e deixassem de usar a razão e passassem a ser regidas pela emoção, tornando-se facilmente manipuláveis.

Nós ainda podemos falar do experimento da prisão Stanford mas, como você pode assistir o filme que o narra, vou pular direto para o nazismo alemão. Você conhece a história: um grupo de pessoas julgava ser de uma raça superior, baseada numa verdade revelada, e assistia a morte coletiva de milhares de outras pessoas. E ai, como Hannah Arendt escreveu, um fenômeno surgia: o do distanciamento da responsabilidade e da culpa. A justificativa consciente era, basicamente: "Eu sou alemã, mas não estou matando ninguém, “só” estou replicando um discurso." É a cegueira coletiva que acaba criando o que ela chamou de banalidade do mal.

Enfim, grupos são extremamente saudáveis, acolhem nossas dores, nos ofertam apoio, mas podem também ser uma armadilha perigosa para o distanciamento da reflexão e a reprodução de verdades que, como todas as outras verdades, são parcialmente falsas ou minimamente questionáveis. É este pensamento que cria o estado islâmico, a guerra no estádio entre torcedores do atlético paranaense e vasco, ou as ações violentas em manifestações que, na sua origem, seriam pacíficas.

Por fim, resta dizer que relacionamentos precisam ser sustentados no diálogo e na liberdade . Mas, é importante dizer também que esta liberdade está circunscrita em certos limites para garantir os direitos e a integridade dos outros. E aí, quando tanto temos pedido por respeito e ética, que tal exercitá-los em companhia da autocrítica? Um bom exercício é treinar a capacidade de se abster de intervir na opinião do outro, mesmo que se desaprove ou se tenha o poder para calá-la ou até prendê-lo. Assim, continuaremos com nossas opiniões, grupos e relacionamentos, mas não haverá uma rachadura entre nós e o outro. Afinal, qual seria a graça do futebol se o rival fosse extinto? É só o diferente, este aí que você tanto critica, que lhe dá a oportunidade de escolher por aquele que lhe parece igual.

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