Ir para o Conteúdo da página Ir para o Menu da página
Carregando Dados...
FIQUE POR DENTRO DE TODAS AS INFORMAÇÕES DAS ELEIÇÕES 2024!
* as opiniões expressas neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do 4oito

O “cartucho americano” e o comércio de água no trem, numa sucessão de lembranças

Por Aderbal Machado 03/12/2022 - 07:00

Comprar “cartucho americano”, água, cocada, pastel no trem marcava bem aquele tempo de guri, quando, com papai, seguia de Araranguá para Criciúma, com papai indo a serviço, na condição de advogado da CBCA. 

A oferta, a cada parada nas estações, se multiplaca. Um vendedor atrás do outro, sistematicamente. A mim, vejam só, parecia escandaloso vender água. Imaginava: tem em todos os lugares – é só jogar o balde no poço e pronto. Tinha pra mim ser uma excrescência natural. A inocência histórica...

Imagem: FCC - Prefeitura Municipal de Criciúma

Adorava, no curso da viagem, aquele som das rodas do trem passando pelas intersecções dos trilhos: ta-tac-ta-tac-ta-tac-ta-tac-ta-tac. Em compensação, os senões: a fumaceira preta invadindo os vagões, empurrada pelo vento. Cheiro ruim do carvão. E não raro se impregnava nas roupas. E muitas vezes a fuligem sujava a gente todinha. 

Uma hora e meia, com paradas e tudo, era o quanto durava a viagem. De ônibus também, mas o trem era mais cômodo. Quando se decidia pelo ônibus, muito raramente, mil paradas também pelo meio do caminho. E a voz inconfundível do motorista: “Maracajá, quem fica...”

E lá se ia o pessoal descendo. Chamava-se “pinga-pinga”. Tinha os diretos, como hoje. Mais caros na tarifa. Como hoje.

Em algumas ocasiões, papai, pela pressa e pelo conforto, convocava o Pedrinho, tradicional “motorista de praça” do Araranguá, seu amigo pessoal, para nos levar. Eu adorava. O Pedrinho ia conversando o tempo inteiro e a gente podia curtir a paisagem sem atropelos e sem aglomero. 

Até hoje sinto nas narinas aquele cheirinho de café novinho e dos pastéis dos bares de Criciúma, ao desembarcar na estação. E me conforta saber que vivi tudo, de corpo presente.

É forçoso ficar matutando, como em tantas lembranças daqueles tempos, o quanto de perdas tivemos de romantismo, de improvisos, de incômodos que hoje nos dão saudades – pois, nas comparações temporais, vimos o romantismo inocente indo embora. Muito dele já foi. Os mais velhos sabem disso como eu. E sentem saudades como eu. 

Era o tempo das conversas diretas, vis-à-vis, sem disfarces. O mundo era o melhor psicólogo para mentes confusas. Tudo simples, direto, sem sombras. Ah...

Copyright © 2022.
Todos os direitos reservados ao Portal 4oito