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A mulher e mãe como protagonista

Movimento busca garantir que gestantes tenham direitos e desejos respeitados ao dar à luz
Por Bruna Borges Criciúma, SC, 24/09/2018 - 07:15
Fotos: Daniel Búrigo / A Tribuna
Fotos: Daniel Búrigo / A Tribuna

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Primeiro a descoberta da novidade que mudará para sempre a vida da pessoa. Algumas esperavam e sonhavam com isso, outras não. Os meses passam, o corpo muda, a ansiedade aumenta. Nove meses depois, o momento chega. É hora de trazer ao mundo um novo ser. E é da mulher esse papel, exclusivamente. 

Segundo as leis da física, ou segundo as leis divinas – conforme a crença de cada um –, não importa, é o corpo feminino o único preparado para essa missão. Seria natural, então, que o poder de decisão sobre o próprio parto fosse dessa mulher que está prestes a se tornar também mãe. Nem sempre é assim. Ou, ainda, muito pouco é assim. Foi para mudar essa realidade que nasceu e evolui a humanização do parto. 

“Parto humanizado é um movimento social, não é um tipo de parto, é um movimento”, declara a fisioterapeuta e doula Francielle Silvano Cardozo. 

Esse movimento ainda recente no país tem se tornado mais popular aos poucos, principalmente pela adesão de mulheres famosas, como a modelo Gisele Bündchen. E, ao contrário do que muitos ainda pensam, ele é mais do que a simples escolha pelo parto normal. 

“A primeira regra para o parto ser humanizado é respeitar o desejo da mulher. O protagonismo. Ela tem que ter o poder de conduzir o parto dela. Em segundo, procedimentos baseados em evidência científica. Em terceiro, trabalho em equipe para respeitar os aspectos emocionais e espirituais do parto. Esse é o tripé da humanização do parto”, elenca Francielle.

Humanizar o parto não é decidir parir em casa, ou dentro de uma banheira, ou sentada. É respeitar o momento, deixar que a mulher, com seu corpo e sentimentos, conduza o nascimento. Deixar que a natureza faça seu papel e partir para procedimentos médicos apenas na necessidade. 

“Deixar a mulher protagonizar é isso. O parto, quanto menos a gente mexe, mais certo dá. O profissional de saúde está ali para emergências. A princípio, 85% das mulheres vão evoluir bem, 15% podem precisar de alguma intervenção e é para isso que o profissional está ali”, comenta a doula. 

A primeira regra para o parto ser humanizado é respeitar o desejo da mulher. O protagonismo. Ela tem que ter o poder de conduzir o parto dela”,
Francielle Silvano Cardozo, fisioterapeuta, doula e mãe

Preparados para a chegada do Henrique

A família da Anelise, do Paulo e da Júlia já estava linda, mas ainda havia espaço para mais um integrante. Três anos após o nascimento da primogênita, chegava a notícia de que o Henrique vinha aí. Na sua primeira gestação, a mamãe já tinha o desejo por um parto humanizado, mas os planos não se concluíram como pensado. 

“Eu me preparei para ter um parto normal, fiz ioga a gestação inteira, tudo para que ela viesse ao mundo de forma natural. Mas, quando a gente fala de parto humanizado, parece que foi há dez anos e faz só três. A doula não podia entrar no hospital, o parto tinha que ser domiciliar e aí tinha que trazer toda a equipe para dentro de casa. E era o primeiro filho, a gente ficou um pouco inseguro”, conta Anelise Lalau. 

Ela acabou fazendo uma cesariana, mas humanizou o máximo que pôde a chegada da filha. “Eu digo que foi humanizado porque eu respeitei o dia dela, eu não marquei uma data para a minha filha vir ao mundo, ela veio no dia que ela estava pronta”, relembra. 

Anelise Lalau / Foto: Daniel Búrigo / A Tribuna

A Júlia cresceu e, junto, cresceu também o movimento de humanização do parto. Quando chegou a vez do Henrique, a mamãe Anelise decidiu que seguiria até o fim o seu desejo de ter o seu parto natural. 

Quando recebeu a reportagem do A Tribuna, no fim do mês de agosto, ela já estava pronta para a chegada do segundo filho. Foi o dia do último encontro com a doula. Nesse encontro foi realizada a técnica da pintura na barriga, criada pela parteira contemporânea Naoli Vinaver.

“Hoje a gente usa o ultrassom natural para desmistificar um pouco a necessidade da tecnologia para tudo. Tem um excesso de ultrassons desnecessários, um apego muito grande aos equipamentos, às máquinas, aos números, aos resultados. O recomendado são três ultrassons por gestação e tem mulheres que fazem mais de dez. Fazer aquele desenho na barriga dá um conforto de colocar a mulher para visualizar o bebê dela, o bebê que ela já sente”, explica Francielle.

Naquele dia, o pensamento da mamãe Anelise era um só. “A ansiedade maior é de conseguir ter esse parto natural, não deixar que a minha cabeça interfira no medo e me bloqueie de alguma forma. E depois que eu conseguir esse parto, é ver os meus filhos juntos. Acho que vai ser a coisa mais linda da vida”, planejava Anelise. 

Um direito de todas, mas ao alcance de poucas

O Brasil é um dos países em que o movimento pela humanização do parto é mais forte. O motivo não é o pioneirismo dos brasileiros, pelo contrário. Na maioria dos demais países desenvolvidos e em desenvolvimento os protocolos de parto já são modernos e padronizados. Aqui, ele ainda é uma possibilidade para poucas.

“Infelizmente, hoje, um parto humanizado é um produto da elite. Quem vai viver um parto humanizado é quem pode pagar uma médica que gosta de parto humanizado, quem pode pagar a estrutura de um hospital particular que atende o parto humanizado, quem pode pagar uma doula e uma enfermeira obstétrica que acompanham o parto humanizado, que são produtos caros”, comenta Francielle. 

Em Santa Catarina, alguns avanços já foram conquistados, como a lei que obriga hospitais e maternidades a permitir a entrada da doula com a gestante e a lei da violência obstétrica. É também em solo catarinense que é realizado o Congresso Nacional do Parto Humanizado. 

“Estamos um pouco à frente, mas ainda em nichos, lugares onde a humanização funciona e lugares onde a humanização não funciona”, afirma. 

Expectativa pelo HMISC

Quando se fala em Criciúma, uma chama de esperança se acende. O nome dela é Hospital Materno-Infantil Santa Catarina. A expectativa é que, ao inaugurar a sua maternidade, o HMISC tenha a estrutura necessária para receber esse tipo de nascimento. 

“Criciúma se credenciou na Rede Cegonha, que é um movimento para implantar a humanização do parto. A gente tem a estrutura física com banheira, com maca para parto vertical, uma estrutura lindíssima no Hospital Santa Catarina parada desde 2014. Estamos contando os minutos para que ela comece a funcionar”, declara Francielle. 

Em sua última visita às obras do hospital, o governador Eduardo Pinho Moreira projetou a inauguração da ala materna para novembro deste ano. 

Luta contra a violência obstétrica

Optar por um parto normal nem sempre é fácil. Muitas mulheres ficam assustadas com os relatos de outras mães que sofreram para trazer seus bebês ao mundo. A dor é inevitável, mas as experiências pelas quais elas passaram se enquadram dentro do que se institui como violência obstétrica.

“As nossas mães têm relatos de sofrimento, de nunca mais querer passar por isso. O parto normal da geração anterior era lavagem intestinal, raspagem dos pêlos, manobra de kristeller, que é uma manobra que coloca a vida da mulher em risco”, pontua Francielle. 

Uma grande luta dos defensores da causa é acabar com esses procedimentos de uma vez por todas. “Hoje em dia essas situações ainda acontecem, inclusive com óbito fetal”, afirma a doula. “O movimento de humanização veio para deixar na rotina o que é benéfico para as mulheres e que tem comprovação científica”, complementa. 

Brigar pelo fim dessas práticas é respeitar que cada mulher terá uma posição confortável para ter o seu bebê, é entender que não é preciso fazer força antes da hora, o corpo saberá o momento certo e a quantidade adequada de força que a mãe precisa fazer, é deixar a mulher demonstrar a sua fé, seja ela qual for, é deixar que ela grite, caso sinta necessidade, e que fique calada, se for essa a sua vontade. 

É batalhar também para que a violência psicológica não aconteça e para que frases como “na hora de fazer você não gritou desse jeito” nunca mais sejam ouvidas dentro das maternidades. 

Todos duvidavam, mas a Jéssica e o Théo conseguiram

Jéssica não ouviu o pessimismo das outras pessoas e seguiu firme no seu parto natural

Antes mesmo de engravidar, a Jéssica Boneli Alves já sabia: ela queria parto normal. No momento em que soube do Théo, seu pensamento não mudou. “Eu pesquisei bastante sobre o parto, porque tem o parto normal e tem o normal humanizado. E o parto normal no tempo da minha mãe tinha bastante intervenção médica, mas eu não queria todas aquelas intervenções que fazem a mulher sofrer mais”, comenta Jéssica.

Para não passar por essas experiências ruins, ela se preparou durante a gestação e teve que ter pulso firme para seguir sua decisão até o fim. “Todo mundo duvidava, porque olhando parece que a gente é muito frágil, mas não. Se a gente for pelos outros, as pessoas botam bastante medo”, relata. “Por eu ter essa imagem de uma pessoa mais delicada, as pessoas achavam que eu não ia conseguir ter o parto normal, mas não. Isso também é uma prova de que você realmente consegue”, enfatiza.

Não foi simples. Doeu. E por alguns instantes, ela pensou em se entregar ao que parecia ser mais fácil. “Eu achei que não ia conseguir mesmo, estava a ponto de pedir a anestesia ou até mesmo uma cesárea. Foi a hora da covardia. Mas eu tive muito apoio da minha família e me senti muito acolhida. Pedi a Deus para me dar força. Se eu tinha chegado até ali, por que não chegaria até o final? Eu pensei que só dependia de mim, o Théo merece, a gente merece”, lembra Jéssica. 

Ao som da playlist escolhida pela família, com a mãe sentada em um banquinho e submerso na água de uma piscina infantil, o Théo nasceu de parto normal e humanizado. “Ele veio direto para o meu peito e nesse momento o coração explode de alegria, eu chorei bastante. Eu falava para mim mesma ‘eu consegui, eu consegui’”, conta. 

“Na hora que nasce, que a gente vê a carinha, é que a gente sabe que tudo valeu a pena. Independente da dor e das dificuldades, foi muito especial, valeu cada momento”, afirma a mamãe Jéssica. 

Na hora que nasce, que a gente vê a carinha, é que a gente sabe que tudo valeu a pena. Independente da dor e das dificuldades, foi muito especial, valeu cada momento”,
Jéssica Boneli Alves, mãe do Théo

O papel da doula na humanização do parto

A mamãe Anelise, o papai Paulo, o bebê Henrique, a doula Francielle e a emoção do nascimento
Foto: Saimon Campos / Especial

“Eu não conseguiria se não fosse a doula”. É uma frase recorrente quando se conversa com mulheres que passaram pela experiência de um parto humanizado. Mas quem é a doula? O que ela faz? A doula é a mulher, que nem sempre tem formação acadêmica, mas que estuda os protocolos de assistência ao parto e auxilia outras mulheres a terem uma ótima gestação e um ótimo momento de nascimento. 

“A doula é a base da humanização. E não é a profissional doula, é a mulher doula. Porque geralmente as doulas são ou mu- lheres que passaram por violências obstétricas, conseguiram se dar conta disso e enxergaram que não precisavam ter sofrido daquela forma; ou o contrário, passou por um parto muito maravilhoso e quer compartilhar com outras mulheres a vivência dela”, declara Francielle. 

Coragem para vencer o pânico

Para a Isadora Furlan Melo, foi o acompanhamento com a doula que a encorajou a escolher o parto normal. Ela não tinha recursos para contratar os serviços particulares de hospital e médico, mas apostou no trabalho da Francielle para dar à luz o Valentim. 

No caso da Isadora, a síndrome do pânico, contra a qual ela luta, era mais um obstáculo a ser vencido. “Como eu tenho síndrome do pânico, eu não teria garantia nenhuma na hora que eu chegasse no hospital, como seria pelo SUS. A minha única garantia seria a minha doula. Foi aí que eu decidi que eu teria a doula e investi nesse parto humanizado, porque pelo menos eu teria uma pessoa de confiança comigo”, relata. 

“A minha mãe no começo tinha dúvida, porque a gente não tinha o dinheiro sobrando, mas a cada consulta ela ia se encantando mais também e hoje a gente não tem a menor dúvida de que foi a melhor coisa que a gente fez, investir no parto, na doula. Faria tudo de novo sem nem pensar”, afirma. 

Há dois meses e 15 dias, o Valentim nasceu. “Eu duvidava muito que eu iria conseguir. Eu falava para a Fran que eu não ia conseguir, acho que eu cheguei a pedir uma cesárea, mas eu sei que se não fosse a Fran eu teria feito uma cesárea desnecessária, porque nem eu e nem a minha mãe teríamos capacidade de apoio psicológico, emocional e até físico que eu precisava na hora”, acrescenta.

A experiência própria que virou legado de vida

Se cada doula teve a sua experiência de parto, com a Francielle não foi diferente. O início foi no seu próprio nascimento. Ela conta que sua mãe passou por violências obstétricas como lavagem intestinal, ficar retida no leito, corte na vagina. Que ela desmaiou, passou mal e que as duas só puderam se encontrar 24 horas após o seu nascimento.

“Isso me marcou muito, principalmente o sentido que fez para algumas questões emocionais minhas, de autoestima, de insegurança, de carência, de medos que fizeram sentido quando eu entendi sobre o meu nascimento”, relata. 

Quando foi a sua vez de gestar, há oito anos, ela lutou para ter todos os seus direitos garantidos. Mas cada parto é um parto e, dias antes de nascer, a Manuela, bebê da Fran, decidiu sentar. Nessa posição, aqui na região, não é possível fazer parto normal. Assim como a Anelise, a Francielle humanizou seu parto o tanto quanto podia.

“Eu vivi aquele luto do meu parto, que aconteceu antes da neném nascer. E queriam agendar a minha cesárea. Mas eu, conhecendo os benefícios do trabalho de parto, não topei agendar a cesárea, eu fiz questão de entrar em trabalho de parto. Entrei em trabalho de parto, tive as contrações, tive um bom processo de dilatação. Fui para o hospital em trabalho de parto, fiquei um tempo lá vivenciando o meu trabalho de parto e fui operada no finalzinho, com oito centímetros já”, relembra.

Com toda essa experiência, ela passou a se dedicar a ajudar outras mães. O objetivo não é crucificar quem decide fazer uma cesariana, é nutrir a mu- lher com informação e ajudá-la a fazer a sua escolha de parto. 

“É por isso que se luta pelo parto, porque não se consegue o parto. As mulheres que querem fazer cesariana têm seu direito respeitado, elas não precisam lutar por isso. Até no SUS elas conseguem a cesariana. A prova disso é que a gente tem 60%, 70% dos partos por cesariana pelo SUS, enquanto a indicação real de cesariana é 15%, 20%. E no particular é 80%, 90% de cesa- riana”, coloca a doula.

“O movimento de humani- zação do parto não impede que uma mulher que não queira vivenciar isso faça outra escolha, mas que as que queiram vivenciar, tenham esse direito”, completa. 

O Henrique chegou

Uma semana depois do dia da pintura na barriga, o Henrique, bebê na Anelise, chegou. Dias após o nascimento, a agora mamãe de dois relatou nas redes sociais, brevemente e com felicidade, tudo o que se passou.

Ela contou que sentiu dor, mas uma dor “curativa e transformadora”, que todo o trabalho se desenvolveu de forma rápida e que ela nem chegou a ir para o quarto, pois já entrou no hospital com toda a dilatação necessária. 

Assim como as demais mamães que escolhem humanizar esse momento, ela também compartilhou a sua vivência e suas impressões. “Eu não julgo a mãe que não quer ter parto normal. Eu mesma fiz uma cesariana de amor da Juju, mas conseguir a humanização total desse ciclo era algo muito importante para mim e para quem estava ao meu lado, conseguimos!”, escreveu Anelise, mamãe da Júlia e do Henrique. 

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