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A luta que reflete conquistas

Dia da Consciência Negra marca as batalhas da comunidade afro-brasileira para conquistar seus espaços de direito
Por Bruna Borges Criciúma, SC, 20/11/2018 - 06:15
Laís com Nino e Kika / Fotos: Guilherme Hahn / A Tribuna
Laís com Nino e Kika / Fotos: Guilherme Hahn / A Tribuna

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A história brasileira celebra hoje uma data que tem como referência a luta de toda uma comunidade pela conquista dos seus direitos, de direitos iguais. O 20 de novembro é instituído no Brasil como o Dia da Consciência Negra e faz alusão à morte de Zumbi dos Palmares, um dos principais líderes na batalha contra a escravidão. Exemplos de perseverança que vão de uma estilista a um professor, de uma professora a um secretário.

“A característica do negro é a resistência. As conquistas que vemos hoje são resultado do movimento negro, do feminismo negro”, comenta a professora da Unesc, mestre e doutoranda em História, Lucy Ostetto. “O povo negro está sempre se organizando e reivindicando os seus direitos”, complementa.

Também professor da Universidade, Alex Sander da Silva é formado em Filosofia, mestre e doutor em Educação e participa do coletivo Chega de Racismo. Para ele, o 20 de novembro é um marco da luta dos negros no país. “Este ano comemoramos os 130 anos da abolição da escravatura, no dia 13 de maio, mas toda a conquista tem a ver com 20 de novembro, esse é o marco histórico que está relacionado com a morte de Zumbi dos Palmares”, enfatiza. 

Políticas de ações afirmativas

Um avanço importante destacado pelos especialistas são as ações afirmativas criadas nos últimos anos pelo Governo Federal e que têm como objetivo promover a igualdade e corrigir erros históricos. Um deles é a aplicação da política de cotas para o ingresso de negros nas universidades.

“As políticas de ações afirmativas têm feito diferença, pouca diferença, mas têm aumentado a visibilidade da população negra. Porque ainda é recente, a primeira universidade com reserva de vagas para negros foi em 2001”, afirma Silva. 

A consciência negra chega ao ambiente escolar, observa o professor Alex / Foto: Unesc / Divulgação

O tema tem seu lugar nas escolas

Passo importante também são as leis 10.639/03 e 11.645/08 que torna obrigatória a inclusão do tema “História e Cultura Afro-brasileira” na grade curricular do Ensino Fundamental e Ensino Médio no país. “Todos os alunos têm hoje acesso a esses conteúdos. E não é a história do povo negro, é a história do Brasil. Porque a luta pela consciência tem que se transformar em ações”, comenta Lucy. 

A conquista também é pontuada pelo professor Alex Sander. “Hoje eu posso dizer que quase 90% das escolas trabalham a questão da consciência negra. Hoje (ontem) mesmo eu fui buscar minha filha na escola e vi que o pátio estava todo decorado com a questão da valorização racial”, conta.

“Criciúma, que se declara uma cidade multicultural, que faz a Festa das Etnias, precisa dar visibilidade para todas as culturas e trabalhar muito a questão da diversidade cultural”, completa Silva. 

Para ele, é preciso estar atento para que os avanços não sejam desconstruídos. “Uma grande preocupação é de que essas conquistas não retrocedam. Vemos declarações inverídicas sobre Zumbi dos Palmares das redes sociais e isso nos preocupa. Já demos muitos passos para frente, não podemos dar passos para trás”, ressalta. 

Atividades na Unesc

Para marcar o Dia da Consciência Negra, a Unesc preparou uma programação especial que iniciou ontem e segue até o dia 27. Hoje, às 14h, será realizada uma oficina de hip hop e capoeira na quadra poliesportiva. Já às 19h ocorre um debate com o tema “Racismo x Injúria Racial e Violência x Juventude Negra, no auditório Edson Rodrigues. 

Ascensão pela via da oportunidade

A possibilidade maior que o jovem negro possui de ingressar na vida acadêmica atualmente é uma oportunidade que há alguns anos também foi dada a Paulo César Bitencourt. Hoje secretário municipal de Assistência Social de Criciúma, Bitencourt conta que ganhou uma bolsa de estudos e conquistou sua ascensão profissional por meio dessa e de outras chances que teve durante a vida.

“Eu tive a oportunidade de receber uma bolsa de estudos e de ter patrões que não olharam a minha cor da pele, mas a minha capacidade de trabalhar. As oportunidades melhoraram, mas as pessoas ainda nos julgam pela aparência. O negro precisa mostrar muito mais que os outros para ter o seu espaço”, declara o secretário.

O caminho de Paulo César Bitencourt até ser secretário municipal / Foto: Divulgação

Ele conta que iniciou a sua carreira profissional também na Administração Municipal de Criciúma, mas em uma posição diferente. “Eu fazia a limpeza das salas, passava aspirador de pó nas salas. Ali tive a oportunidade da bolsa, mas tive também bastante rejeição. Alguns guardas vinham ver se eu não estava mexendo em nada enquanto fazia a limpeza”, relembra. “Hoje eu ocupo o papel de gestão nessas mesmas salas onde antes passava o aspirador de pó”, pontua Bitencourt. 

Ele acredita que a realidade para o seu filho será ainda melhor do que aquela que ele mesmo viveu. “Ele vai ter mais oportunidades porque hoje temos mais acesso aos bancos escolares. Meus pais, por exemplo, não conseguiram completar a quarta série”, comenta. 

“É importante dizer que o negro não quer mais nem menos do que os demais, ele quer oportunidades iguais para mostrar que pode desempenhar o mesmo papel”, enfatiza o secretário. 

A representatividade dos negros ditando moda

Fagner Santos / Especial

Laís Costa já é referência nacional / Foto: Guilherme Hahn / A Tribuna

Representatividade. Essa é a ideia central das criações da designer de superfícies, estilista e proprietária da marca Zakii Moda Afro-brasileira, Laís Costa. Entre bijuterias, calçados, bolsas, turbantes e bonecas, a relação entre marca e cliente é enfatizada pelo uso de estampas baseadas em tecidos de Angola, Moçambique e outros países do Continente Africano. São mais de 20 estampas, todas releituras criadas pela estilista, que representam a diversidade de culturas dos povos africanos, ao mesmo tempo em que trazem influências brasileiras, principalmente pelo formato dos produtos em que são aplicadas. 

Atendendo clientes adultos, idosos e infantis, a Zakii traz o fortalecimento da identidade afro através da moda. “O principal é mesclar beleza e ancestralidade, criando assim uma identificação por parte do cliente”, enfatiza Laís. E o processo começa logo com o nome da marca. A palavra, africana e de origem persa, significa inteligente. “Enaltece o valor de negras e negros brasileiros, mas também do mundo todo”, completa. A marca foi criada a dois anos, de maneira puramente autoral. “Foi, também, para fortalecer o mercado da moda afro, pois não vemos estilistas formados que sejam negros, muito menos como o rosto de uma marca maior”, comentou a proprietária, fixando a falta de profissionais etnicamente diferenciados do padrão encontrado na região, fortemente marcada pela indústria têxtil.  

Mais do que brincadeiras, consciência social

Os bonecos de Laís carregam grande significado / Foto: Guilherme Hahn / A Tribuna

Um dos produtos que permitem a alta representatividade são os modelos masculinos e femininos de bonecos vendidos pela Zakii. Com eles, as crianças passam a se identificar de maneira mais profunda nas brincadeiras. “É possível ir além de brincar com um objeto de formato humano, mas diferente das crianças negras”, colocou a proprietária da marca. “É a maneira de podermos demonstrar a representação humana negra, abrindo espaço para compreender esta e outras diferenças étnicas e sociais do mundo em que vivemos”, acrescentou Laís.

Os bonecos também podem, e devem ser utilizados por crianças de outras etnias que não a negra. Estas passam a assimilar a diversidade ao seu redor desde a infância. “É uma questão de fortalecer raízes, demonstrar diferenças, e ensinar isso logo nos primeiros anos de aprendizado”, apontou a proprietária da marca. “Vai além do brincar, existe uma construção afetiva entre o brinquedo e a criança, que acaba percebendo diversidade étnica não com a sua semelhança com o boneco ou boneca, mas com a diferença entre ela e o brinquedo”, complementou Laís.

Na cabeça, apenas olhos e cabelo

Entretanto, os bonecos da marca vão além de permitirem maior conexão étnica com a criança. Também oferecem a descoberta dos sentimentos próprios de cada indivíduo. O motivo: não possuem boca ou nariz. Pode parecer complexo, mas bonecos sem estas duas características faciais podem oferecer maior ligação emocional entre criança e brinquedo. Isso porque, independente de gênero, etnia, crenças religiosas questões morais ou ainda a fase do crescimento em que o dono do boneco se encontra, é possível relacionar melhor os sentimentos da criança com seu brinquedo. “O boneco não traz estereótipos de felicidade pré-determinados pelos fabricantes, então não demonstra apenas um sentimento. Assim, dá pra relacionar a brincadeira com alegria, tristeza, raiva e outras emoções naturais”, coloca Laís. Geralmente, este tipo de brinquedo é vendido com um largo sorriso estampado no rosto. 

O Nino e a Kika não. Sem, nariz e boca, feitos de pano, com vestimentas africanas e etnicamente divergentes do padrão branco encontrado em grandes marcas de brinquedos, os dois bonecos são os principais modelos da linha infantil da Zakii. “Eles focam na representatividade para as crianças negras, que podem brincar com algo que se parece com eles”, explica Laís. São feitos num prazo de 15 dias por encomenda, e carregam as estampas exclusivas da marca em suas roupas. “Assim, dá pra brincar de maneira segura e também com incentivo à consciência social”, complementa. Além da Kika e do Nino, a linha também conta com outros produtos, como a Dandara, uma boneca com dimensões maiores, e a bailarina, que conta com acessórios para a prática da dança, mas adaptados com estampas de origem africana. A linha de bonecos da Zakii é inspirada nas bonecas de Waldorf, criadas a partir da pedagogia de mesmo nome, que oferecem a melhor ligação sentimental entre criança e brinquedo.

Produção totalmente manual

Começando com a confecção de brincos, aos 14 anos, Laís foi incorporando a criação de outros produtos. Inicialmente, apenas bolsas femininas mais simples eram produzidas com o auxílio de sua mãe, costureira. “Aos poucos, fui aprendendo a aplicar minhas estampas a produtos diferenciados, e hoje temos cinco linhas diferentes”, disse. Além das bolsas, a escolha entre tênis, alpargatas e chinelos permeia a linha de calçados, enquanto que colares, brincos e pulseiras fazem parte das bijuterias.

A tecnologia ajudou na hora de criar. “O que eu não sabia fazer mas queria trazer pra marca, procurava vídeos ou tutoriais na internet”, revelou a proprietária da marca. Mas, mesmo com o crescimento na variedade de produtos oferecida, a Zakii continua produzindo de maneira puramente manual. “Independente do tamanho da empresa, pretendo seguir sempre contando com fornecedores pequenos”, afirmou Laís. “É assim que busco empoderar financeiramente, através das pequenas mãos que, unidas, se tornam grandes”, enfatiza. 

Para compartilhar os ideais sociais e econômicos da marca, Laíz palestrou, há duas semanas, no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), além de participar de uma reportagem veiculada pelo SBT no próximo final de semana, duas participações no programa É de casa, da Globo, e também de projetos na São Paulo Fashion Week. Participa, amanhã, de uma feira que reúne produtos relacionados à cultura afro em Florianópolis. Já na próxima semana, entre os dias 26 e 30 de novembro, os produtos da marca estarão em feira do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Siserp) de Criciúma, na sede da entidade. 

A loja Zakii fica localizada na Rua Júlia Pandine Zaneti, no bairro Santo Antônio, número 127. O horário de funcionamento é entre 10h30 e 16h. Horários diferenciados de atendimento podem ser marcados pelo Whatsapp (48) 99628-0108.

Os Negros, por Archimedes Naspolini Filho

Quando se fala na participação negra na sedimentação da “raça” criciumense, acho que se comete pelo menos uma injustiça.

Raciocinemos: afirmamos que os italianos que nos colonizaram, obviamente, são provenientes da Itália, um país; que os alemães vieram da Alemanha, também um país; que os poloneses vieram da sua Polônia, outro país; que os lusos vieram de Portugal, nosso país mãe. Mas, quando falamos dos negros, dizemos que são originários da África.

É verdade que toda a ascendência negra é africana. Isto nenhum inteligente vai discutir. Todavia, se falamos de italianos, alemães, poloneses e portugueses, não há como se falar de africanos. O certo seria mencionar o gentílico do país de onde são procedentes aqueles que aqui habitam. Por exemplo, o congolês, numa referência ao Congo de onde, segundo é afirmado alhures, procedeu a maior parte dos negros brasileiros.

E mais: a continuarmos afirmando que os africanos trabalharam na edificação de nossa cidade, temos que corrigir o restante: seriam, então, os africanos e os europeus. O que não se pode é fazer essa misturança que diuturnamente é ouvida por aqui.

Essa discussão de lado, falemos dos negros que também plantaram nosso município. As pesquisas dão três prováveis datas para a chegada dessa raça; 1905, 1910 e 1912. Fiquemos, então, com o interregno de 1905 a 1912. Naqueles sete anos, primeiro os solteiros e, depois, também os casados, chegavam por aqui para serviços braçais: uns trabalhavam na indústria da extração do carvão, que aflorava; outros, na abertura de estradas já que a própria mineração do carvão exigia vias de escoamento. A origem deles era a vizinhança: uns de Tubarão, outros de Jaguaruna, alguns de Araranguá e uns poucos de Laguna.

Dentre aqueles primeiros, que foram morar, praticamente todos, ali na Santa Bárbara, são citados: Antônio Fidelis, Afonso José Cangeri, Aristides Lima, Bento Bibiano, Benjamin Cândido, Domingos de Jesus, Esaú José Cangeri, Francisco de Assis dos Santos, Família Lalau, Felisbino Santiago, José Cangeri, José Sebastião, Lizoca Cândido, Manoel Bibiano, Manoel Estevão e Pedro Paulo dos Santos.

Na indústria carbonífera e na construção civil, os negros revelaram-se a melhor mão de obra na construção da cidade. Houve destaques no futebol e noutras profissões e são cultuados como expressões máximas dessa raça, dentre outros, o Maestro Jacó Vitório, por muitos anos presidentes da Banda Musical Cruzeiro do Sul e grande compositor; o Padre Manoel João Francisco, por muitos anos vigário da Paróquia Nossa Senhora da Salete, da Próspera; Pedro Paulo dos Santos, pai de 15 filhos todos com curso superior concluído, e Wilson Lalau, vocação tardia para o magistério e primeiro diretor geral do Centro Interescolar de Segundo Grau de Criciúma Abílio Paulo – CIS (hoje Cedup).

Crônica produzida e radiofonizada
no dia 11 de fevereiro de 2000, 
parte integrante do livro
“Criciúma, Orgulho
 de Cidade”, volume 2.

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