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O pequeno grande homem da política brasileira

"O pequeno grande homem poderia ser qualquer um de nós. Ele é alguém comum, tão comum que poderia compartilhar mesa com você no próximo almoço de domingo, trocando ideias aleatórias e falando amenidades."
Por Ananda Figueiredo 09/08/2018 - 10:00 Atualizado em 09/08/2018 - 10:49

Em uma semana marcada pelas definições de chapas e candidaturas para as próximas eleições, curiosamente, coincidentemente - ou como você preferir chamar - cruzei novamente com o texto "Teoria Freudiana e o Padrão da Propaganda Facista", uma obra de Adorno, filósofo e sociólogo alemão, inspirada no "Psicologia das Massas e Análise do Eu" de Freud.  Quero lhes apresentar aqui as relações que eu enxerguei entre nosso cenário político-social e o texto em questão.

Vivemos um momento de desalento, de sofrimento, de sofrimento, de violação de expectativas (o país estava crescendo, estava melhorando seus indicadores sociais e econômicos e, nos últimos tempos, tem regredido consideravelmente). Neste cenário, é comum que soframos com uma fragilização do nosso sentimento de pertença, o que é muito bem retratado pela quantidade de vezes em que ouvimos nos diálogos informais afirmações relacionadas ao desejo de sair do país ou da vergonha/falta de orgulho em ser brasileiro. Freud, Adorno e tantos outros já escreveram que momentos como estes nos impelem ao fortalecimento de grupos sociais, sejam religiosos, esportivos, de classe, comunitários e, evidentemente, políticos. O que todos estes grupos tem em comum? O ódio a um nomeado inimigo.

Grupos religiosos temem o demônio.

Times rechaçam o técnico, o atacante ou polarizam com o adversário.

Sindicato patronal x Sindicato dos trabalhadores. 

Esquerda x Direita.

Os inimigos estão bem claros, geralmente mais claros até do que a compreensão sobre as limitações das verdades do grupo em questão.

Foi assim no nazismo. É assim com os imigrantes/refugiados. Está assim nosso cenário político.

É claro que este ódio traz coesão social. De uma forma ou de outra, estamos agrupados e, em grupos, somamos forças e encontramos acolhimento para nossas dores e esperança no coletivo. Nossa fraternidade, ainda que parcial, está reestabelecida.

O texto de Adorno diz que este é o cenário perfeito para o surgimento do que ele chamou de "pequeno grande homem". Leia abaixo quem é este sujeito e me diga se vê alguma relação com o que temos vivido.

O pequeno grande homem poderia ser qualquer um de nós. Ele é alguém comum, tão comum que poderia compartilhar mesa com você no próximo almoço de domingo, trocando ideias aleatórias e falando amenidades. Ele surge em um cenário maior para comunicar a verdade, para falar aquilo que você também gostaria de falar. É alguém visto como autêntico, ou seja, alguém que não está, em uma primeira análise, fazendo discurso político; está falando o que pensa. Quando questionado, não necessariamente responde à pergunta, mas comumente se centra no ataque à quem o questionou ou retorna ao inimigo comum.

Outra característica do pequeno grande homem é que ele reproduz o discurso de seu inimigo, intencionalmente ou inconscientemente, de modo deformado. E o pequeno grande homem faz isso com tamanha habilidade e frequência que o discurso do inimigo só pode, "obviamente", ser objeto de ódio. Aqueles, por sua vez, que estão no outro extremo da polaridade, ou seja, não concordam conosco, que não fazem parte deste nosso grupo, são "obviamente" ignorantes, loucos (no sentido popular do termo), ou até vistos como pessoas corruptas, no sentido de que optam pelo meu inimigo porque estão, "obviamente", recebendo algum tipo de benefício com esta escolha.

O pequeno grande homem, na verdade, é um retorno à nossa fantasia infantil. Quando crianças, tínhamos em nosso pai, mãe ou naquele que ocupava nosso papel de referência, um grande herói, alguém capaz de nos proteger, salvar, resolver todos os nossos problemas e dificuldades porque era soberanos e possuía inquestionável caráter e inteligência. E, como já falamos outras vezes, situações de crise nos fazem buscar memórias de acolhimento e bem estar primitivas, como quando tomamos posição fetal em situações de choro compulsivo.

O problema de retomar a fantasia infantil é que, nela, temos a afetividade de uma criança e, assim, infantilizamos o debate e as relações - o gatilho perfeito para voltarmos à posição de herói-vilão, de bem-mal, de certo-errado, aquelas polarizações que já falamos tanto aqui e que enraizamos tão profundamente em nosso convívio que facilmente chegamos ao ponto de estragar definitivamente nossas relações.

Bem, é provável que você, leitor, que chegou ao final deste texto, esteja imaginando que eu vi este ou aquele candidato no pequeno grande homem de Adorno. E sim, eu vi. Mas não vi só este em que pensas agora, vejo muitos. Quantos candidatos cabem neste perfil? Sim, seu inimigo cabe aqui, mas o seu representante, provavelmente, também cabe. E aí, só nos resta pensar: será que o pequeno grande homem é capaz, realmente, de nos salvar de todas as mazelas sociais? E, ainda que sim, merece que eu pague como preço disso o adoecimento e até rompimento de minhas relações?

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