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Juízo Final, orelhas de burro e Il Braghettoni

Por Benito Gorini 23/03/2023 - 06:00 Atualizado em 23/03/2023 - 10:11

Herdeiros de Ian Fleming estão autorizando a revisão de seus livros, permitindo a substituição de termos considerados ofensivos pelos novos e chatos tempos “politicamente corretos”. O assunto provocou intensos debates, muitos favoráveis e julgando a medida ainda tímida, e outros frontalmente contrários argumentado que essa era a visão da época e que  alterações iriam  comprometer a compreensão e análise de um período histórico. George Orwell,  na visionária obra “1984” escrita no pós-guerra em 1949, já havia previsto isso. Fleming, autor dos livros sobre o agente 007, deve estar se revirando no túmulo. Mas isso não é novidade no mundo da arte. Biagio di Cesena,  mestre de cerimônias do  papa Paulo III,  criticou severamente o Juízo Final, afirmando que os nus  deveriam ser cobertos e que a obra-prima de Michelangelo na Capela Sistina  era mais apropriada para  banhos públicos e tavernas. O genial pintor se vingou, retratando Biagio no inferno com  orelhas de burro e uma serpente ocultando sua nudez e mordendo a região correspondente ao  pênis. Biagio se queixou ao papa Paulo III mas o pontífice se limitou a sorrir dizendo que sua jurisdição não se estendia até o inferno. Paulo III, da ilustre família Farnese, amante não só das artes (teve quatro  filhos e dois netos foram nomeados cardeais), não iria permitir tal afronta ao grande artista, que inclusive fora  encarregado da construção do magnífico Palácio Farnese, hoje sede da Embaixada da França em Roma.

Biagio di Cesena, retratado por Michelangelo no Juízo Final, na Capela Sistina
Paulo III com seus netos, óleo sobre tela de Ticiano no Museu Nacional de Capodimonte, em Nápoles

E os afrescos permaneceram. Mas não por muito tempo. O Concílio de Trento e a contrarreforma  trouxeram medidas extremamente conservadoras, reativando a inquisição e determinando regras nas produções artísticas. O papa Pio IV  em 1559 promulgou o “Index Librorum Prohibitorum”, uma enorme relação de livros proibidos pela igreja católica. O papa também ordenou que o pintor Daniele da Volterra   vestisse as “partes pudendas” do Juízo Final na Capela Sistina, alguns meses  após a morte de Michelangelo. Daniele passou para a eternidade com a alcunha “Il Braghettone”, o “veste as calças”.  Algumas esculturas anexas ao  “Cortile della Pigna” no Vaticano tiveram seus pênis decepados. Muitas obras de arte tiveram os órgãos genitais cobertos, geralmente com folhas de figueiras.  

O “Cortile della Pigna”, pátio interno dos Museus do Vaticano I Foto: Arquivo Pessoal

E o Terceiro Reich protagonizou episódio semelhante. Em 10 de maio de 1933 os nazistas queimaram livros em Berlim.  Heinrich Heine escreveu : “Isso é um aviso. Onde eles queimam livros logo estarão queimando pessoas”.  E infelizmente esses tempos sombrios, eivados de preconceitos,  intolerâncias e  inverdades nas redes sociais,  estão voltando.

Placa no Memorial dos Livros Queimados, na Bebelplatz, com a citação de Heine. O texto ao lado informa que estudantes nazistas queimaram livros de escritores independentes, jornalistas, filósofos e acadêmicos I Fonte : visitberlin.de

Sugestões

  • A Vida Sexual dos Papas, livro de Nigel Cawthorne
  • Santos & Pecadores – História dos Papas, livro de Eamon Duffy
  • Os capítulos “Os Segredos do Juízo Final” e   “Um Mundo Transfigurado”, do livro “Os Segredos da Capela Sistina”, de Benjamin Blech e Roy Doliner

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