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A faixa artesanal e o boteco

Foi diante do Bar do Bibe, na Operária Nova, que apareceu a sinalização pintada de improviso
Por Denis Luciano Criciúma, SC, 28/09/2018 - 07:19
Foto: Guilherme Hahn / A Tribuna / Especial
Foto: Guilherme Hahn / A Tribuna / Especial

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Quando o menino Adair tinha 11 anos e trocava as brincadeiras com os moleques da Operária Nova pelas horas ajudando o pai a cuidar do boteco, não imaginava o que era uma faixa de pedestres. Seis décadas depois, em uma manhã de quinta-feira, tentou, aos risos, explicar o que era aquilo rabiscado no chão defronte ao mesmo bar, herança paterna.

“Não sei. Alguém veio aí com um galão de tinta e um pincel e pintou”, disse, apontando para o arremedo de faixa de pedestres a cortar a movimentada Rua Santarém, diante do agitado cruzamento com a Rua Wenceslau Braz. “Faz 60 anos que cuido do bar e nunca vi isso aqui”. E faz uma semana que a improvisada, e até engraçada, faixa de pedestres “brotou” no asfalto.

“Aqui é muito perigoso”, disse um dos frequentadores do bar, entre um gole e outro do aperitivo que saboreava no final da manhã passada. “É para abrir o apetite”, emendou. Entre os tantos goles que serve à clientela fiel do Bar do Bibe – o seu apelido – o dono do lugar, Adair Moliner, 71 anos, observa aquele trânsito hoje pesado mas que, claro, nem sempre foi assim. “Quando o pai começou aqui era um matagal danado. Só tinha a gente”.

Seu Bibe e a faixa / Foto: Denis Luciano / A Tribuna

Voltando à faixa, ela é, no mínimo, bem diferente dos padrões. São pelo menos doze traços, bem mais finos que os das “oficiais” pintadas pela cidade. Um tanto tortos, e com um “Pare” escrito também de qualquer jeito. É um claro protesto. “Não sei mesmo quem pintou”, garante o seu Adair. “Mas seja quem for, tá certo”. A reclamação não é só dele nem do primeiro cliente, aquele do aperitivo. “Já vi atropelarem gente aqui. A turma acelera mesmo”, reclama outro, que rapidamente passou pela calçada sem atender o apelo dos demais para um gole pré-almoço.

Nos minutos que a reportagem por ali permaneceu, foi possível testemunhar a agonia que o cruzamento oferece. A Santarém cumpre uma reta, enquanto a Wenceslau Braz, para quem desce do Hospital Materno Infantil Santa Catarina, faz uma leve curva, que torna um tanto oblíqua a visão, obrigando aquela “bicada” para espiar se alguém vem ou não. “Semana passada pegaram uma moto aqui. Foi feio”, testemunha o seu Adair. “Já morreu gente aqui”. O velho comerciante pede socorro.

Testemunha ocular da história

O antigo bar, seis décadas de história na Operária / Foto: Denis Luciano / A Tribuna

Do Bar do Bibe foi possível assistir de camarote, nas últimas seis décadas, à história da Operária Nova. Da explosão dos anos 50 e 60, com o auge da mineração, até o declínio do carvão e a posterior diversificação da economia. “Já abriu e fechou de tudo aqui, e nós continuamos”, garante.

Um dos segredos do seu Adair é o mix. “Tem gente que prefere comprar aqui a ir ao supermercado”, diz, orgulhoso da clientela fiel. Ele não tem apenas um boteco que vende “aquele martelinho liso” (a cachacinha que desce queimando) ou a cerveja bem gelada. “Não. Eu vendo duas caixas de 20 quilos de banana quase todo dia”, conta. “E o meu preço é bom. O povo sabe”.

É bem sortido o Bar do Bibe / Foto: Denis Luciano / A Tribuna

Tem outras frutas também. E tem salame, queijo e até torresmo. “Tudo coisa boa. Quer fritar uma linguicinha, a gente tem”. E a fidelidade da clientela passa não somente pelo sortimento, mas pelo atendimento com jeito muito familiar. “Conheço todo mundo aqui. Tenho cliente que vi nascer há mais de 50 anos e hoje já é avô”, revela, enaltecendo que está na terceira geração de fregueses nessas seis décadas.

E o cansaço? “Anda batendo. Ainda mais com esse trânsito danado aqui”. Tanto que seu Adair vem pensando em parar. Com os três filhos encaminhados – detalhe, todos formados engenheiros e com os ganhos do bar – o descanso parece cada vez mais próximo. “Mas faz quatro anos que tenho falado em fechar, e não consigo”.  E assim vai seguindo, entre o arranque de carros, o deslizar dos ônibus e o ronco das motos da pulsante esquina, a rotina do “bar mais antigo de Criciúma”. “Eu garanto, não tem mais antigo que o nosso”, reafirma. 

"Anota aí, prefeitura"

É claro que um cidadão não pode pintar uma faixa de pedestres. Ao saber do caso da Operária Nova pela reportagem de A Tribuna, a Diretoria de Trânsito e Transportes (DTT) de Criciúma prometeu providências. “Vou amanhã (hoje) lá, conversar com as pessoas”, informa o diretor de Trânsito, Paulo Borges. O diretor da DTT Gustavo Medeiros anunciou que ontem à noite ainda a faixa nova seria pintada. “Essa e em outros pontos do Centro”, disse.

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