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Temporão: "O presidente fala, tem que fazer o contrário"

Ex-ministro da Saúde fez duras crítica à condução da pandemia pelo Governo Federal, mas elogiou a gestão de Mandetta
Por Denis Luciano Criciúma, SC, 14/05/2020 - 11:30 Atualizado em 14/05/2020 - 11:35
Ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão falou hoje à Som Maior / Divulgação
Ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão falou hoje à Som Maior / Divulgação

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"O principal aliado do vírus hoje, no Brasil, é o presidente da República". Essa foi uma das muitas críticas que José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, fez ao governo Jair Bolsonaro, em entrevista à Rádio Som Maior na manhã desta quinta-feira, 14. Temporão fez uma densa avaliação sobre a forma como o país está lidando com a pandemia de Covid-19. O país contabiliza 188 mil casos e 13,1 mil mortes, conforme dados do fim da tarde desta quarta-feira, 13.

Era ele, Temporão, o titular do Ministério da Saúde quando da epidemia de H1N1 no Brasil, em 2009. Ele foi o ministro do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre março de 2007 e janeiro de 2011. "O presidente da República tem demonstrado pouco respeito à ciência", disparou, quando indagado sobre a persistência de Bolsonaro na recomendação da hidroxicloroquina como uma solução para o combate ao novo coronavírus. "Precisamos de uma liderança, de um comando, de uma coordenação do Governo Federal, e não estamos vendo isso", reforçou.

Temporão é médico sanitarista e, atualmente, diretor executivo do Instituto Sul Americano de Governo em Saúde. Ele já foi secretário de Planejamento do INAMPS, presidente do Instituto Nacional do Câncer e do Instituto Vital Brazil, além de sub-secretário de Saúde no Estado do Rio e no município do Rio de Janeiro.

Temporão na época em que era ministro da Saúde / Divulgação

Pontos fortes e fracos

O ex-ministro fez uma distinção entre o que chamou de fortalezas e fragilidades na atual gestão da saúde no Brasil, considerando a imprevisibilidade da pandemia. "É um fenômeno que a medicina e a saúde pública não dão conta. A pandemia impacta economia, desenvolvimento, segurança nacional, isola as pessoas e traz sofrimento. É uma coisa que as últimas gerações não viveram. É como se tivéssemos uma situação dramática de quem viveu a Primeira e Segunda Guerra Mundial", afirmou.

Ele fez elogios ao SUS como um agente catalisador da crise. "O Brasil tem algumas fortalezas. Temos um sistema universal. O SUS, com todas dificuldades e críticas, é um sistema estruturado, que se organizou de forma descentralizada, tem uma rede nacional, claro que expressa também desigualdades. De 2016 para cá o orçamento do Ministério da Saúde perdeu R$ 20 bilhões, por conta da emenda que congelou os gastos do governo. Enfrenta problemas de falta de leitos, por exemplo", observou.

O isolamento social exerceu um papel importante para o controle inicial da Covid-19 no Brasil, na opinião do ex-ministro da Saúde. "Tomamos uma decisão importante que foi o isolamento social de maneira precoce. Hoje a situação estaria muito pior se não tivesse sido tomada. Quando o vírus chega ao Brasil da Europa, uma pessoa tem capacidade de contaminar aproximadamente três no início da pandemia, em média. Isso cresce em produção geométrica. Hoje a taxa está em 1,4 no país. Em Santa Catarina, está em 1,1. Quanto mais próximo da taxa de 1, mas se controla o vírus", comentou.

Entre as fragilidades, Temporão elencou a falta de uma condução coesa em nível federal contra a pandemia. Daí, fez um elogio ao ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. "São muitas fragilidades. Nessa situação inesperada, que coloca pressão sobre o país, economia, empresas e trabalhadores, uma questão importante é ter uma liderança, coordenação do governo federal, que conduza a sociedade nesta luta. O sistema de saúde, economia e outras políticas públicas. Nós não temos isso no Brasil. Tínhamos o Mandetta, que foi demitido em meio à crise", lembrou.

Aposta na cloroquina e as vacinas

O presidente Jair Bolsonaro fez, logo no início da pandemia, uma forte aposta na hidroxicloroquina como alternativa de tratamento. Chegou a destacar que os laboratórios do Exército trabalhariam a pleno para produção em massa do medicamento. "O presidente da República tem demonstrado pouco respeito à ciência, criando ruídos e dubiedade para a sociedade seguir", disparou Temporão. "Na prática, estados e municípios estão criando as próprias estratégias apesar do Governo Federal. É como se tivesse criado uma outra estrutura, que fazem parte governadores, o Consórcio do Nordeste, prefeitos, a fiocruz e pessoal da saúde pública", destacou.

O médico salientou que não há, de fato, medicamentos viáveis comprovadamente para combater a Covid-19. "Não temos medicamentos comprovadamente eficazes. A hidroxicloroquina sempre aparece como possibilidade para novos vírus. Como não tinha outro, liberou-se o uso em casos extremos. Dois artigos científicos importantes mostram que a cloroquina não funciona e tem alto risco de uso, ela pode causar arritimia cardíaca", ponderou. "Podemos ter o risco de ter quadros de arritimias cardíacas e outros efeitos colaterais graves. Infelizmente, até o momento, não temos nenhuma droga que podemos afirmar que mudará o curso da doença", advertiu.

A busca incessante por uma vacina foi destacada. Mas Temporão não prevê resultados conclusivos em 2020. Talvez em 2021. "O tratamento muda, usa anticoagulante, porque parece que o vírus causa micro troncos dentro do organismo. É muito complexo. Poderemos ter lá na frente uma vacina. Até hoje nunca se conseguiu desenvolver uma vacina para essa família de vírus. São mais de 100 experimentos", relatou. "Mesmo com essa barreira científica, devemos chegar a uma vacina que proteja contra a doença. Pouco provável esse ano, é mais provável ano que vem. Além de fazer e testar, precisamos de fábricas. Qual o preço que a empresa que tiver patente vai vender? Será que só os países ricos terão a vacina?", indagou. "Podemos ter um dilema ético", completou.

Mandetta e isolamento

Temporão fez muitos elogios ao ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. "O Mandetta demonstrou preparo, calma, equilíbrio e lucidez. Com decisões baseadas na ciência e em especialistas. Enfrentou situação difícil no começo, mas demonstrou conhecimento técnico e de gestão. A decisão de demiti-lo foi muito ruim", criticou. "Sempre que troca o ministro, é inevitável, o novo entra, não conhece direito a situação, troca a equipe. Cria paralisações e atrasos inadmissíveis. A impressão hoje é de que o ministério está parado. Não temos um novo líder, infelizmente", referiu.

Temporão faz elogios a Mandetta / Divulgação

O governador do Maranhão, Flávio Dino, tem sido um personagem central nas atuais discussões sobre isolamento social no Brasil, com a adoção do lockdown em São Luís e cidades vizinhas. O ex-ministro lembrou que há um grau de distanciamento social que poderá fazer o Brasil "salvar uma vida por minuto". "Há um apontamento de um grupo de pesquisa da Unicamp que diz que, se na média brasileira conseguirmos manter nas próximas duas semanas o mesmo grau de distanciamento social de hoje, o Brasil salvaria uma vida a cada minuto. Medidas de radicalizar o distanciamento e fortalecer medidas de proteção, ampliar a testagem para saber o padrão de circulação de vírus, é tudo importante. O Maranhão foi levado a essa situação por uma ordem judicial", comentou Temporão.

O Rio de Janeiro, estado onde o ex-ministro reside, vive uma situação difícil. Ele lembrou que radicalizar o isolamento ajudaria no combate à doença. "Temos 900 pessoas internadas esperando leito de UTI no Rio de Janeiro. A Fiocruz liberou um documento que sugeria a radicalização do distanciamento social para salvar vidas. Quanto mais precoce (a radicalização), melhor", destacou.

Transporte coletivo e os testes

Partidário do isolamento social, o ex-ministro Temporão comentou as dificuldades de se liberar um serviço como o do transporte coletivo, discussão que atualmente está em pauta em Santa Catarina. "Tem que levar a média para abaixo de um, para diminuir as pessoas que precisariam de UTI e respirador", reforçou, retomando os índices sobre grau de contaminação de uma pessoa para outra. "Todos os ambientes fechados são propícios para contaminação. Academia de ginástica e salão de belezaa, alto risco. Shoppings, restaurantes e bares, alto risco. Atividades ao ar livre, menos risco. Transporte coletivo é considerado alto risco. Inevitavelmente, mesmo que todos usem máscara, tem aglomeração. Compartilha por um bom tempo de até mais de 30 minutos um espaço fechado com muitas pessoas próximas. Uma pessoa contaminada pode passar para muitas outras", analisou.

O ex-ministro lembrou, ainda, a dificuldade para realizar os testes, o que torna ainda mais necessário, na opinião dele, o isolamento. "Estamos com um problema sério de acesso aos testes. Os testes rápidos não estão suficientemente validados. Tem muita coisa no mercado que não teve validação, e pode dar falso negativo. Uma nova geração de testes deve chegar ao mercado que nos permite navegar melhor no ambiente mais complexo", explicou.

Presidente apela aos governadores

Bolsonaro fez, na manhã desta quinta, um apelo aos governadores, para que flexibilizem medidas de isolamento social com foco no reaquecimento da economia. "O presidente tem esse comportamento negacionista. A gente brinca dizendo que tudo o que o presidente fala, tem que fazer o contrário. Ele está o tempo todo equivocado. O problema principal é salvar vidas, claro que a economia está sendo afetada, mas é no mundo inteiro. É o momento da economia estar a serviço da saúde para salvar vidas", rebateu Temporão.

Ele lembrou, ainda, a situação difícil na qual Bolsonaro colocou o atual ministro da Saúde. Nelson Teich soube nesta semana, em uma entrevista coletiva, da decisão presidencial de liberar o funcionamento de academias, barbearias e salões de beleza. "Decisão tomada sem ouvir o ministro enfraquece o ministério. ficou constrangedor. O ministro foi questionado ao vivo e desconhecia a medida. Cria mais confusão, ruído e conflito e a perda da confiança da população no ministro aumenta. Neste momento, as grandes lideranças são os secretários de Estado e ministros. O principal aliado do vírus no Brasil é o presidente da República", comentou.

Ex-ministro critica Bolsonaro / Divulgação

Temporão faz uma relação entre relaxamento do resguardo e retomada da economia, lembrando que uma segunda onda de coronavírus poderá ser ainda mais arriscada para o resgate dos empregos e do poderio econômico do país. "Estudos mostram que quanto mais precoce você sai do isolamento, sem planejamento e segurança, a probabilidade de ter uma segunda onda é maior, e a economia ser obrigada a fechar de forma desorganizada, gerando mais problemas econômicos, é maior. É ruim o tom do presidente, pois passa que essas vidas não são tão importantes. Todas as vidas valem. A contradição que o presidente cria entre economia e saúde é muito ruim. O que deveria acontecer é um trabalho articulado", respondeu Temporão.

O ex-ministro chegou a citar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que conforme ele "mudou de opinião" com o avanço da pandemia. "Espero que os governadores não ouçam o presidente. Até o Trump nos Estados Unidos recuou, o único país que coloca a questão dessa maneira é o Brasil. Será que o único certo é o nosso presidente e todos os outros estão errados? Temos algum problema aí", sublinhou.

Remdesivir, a nova aposta

O ministro Teich mencionou, nesta semana, o avanço nos Estados Unidos de estudos envolvendo um novo medicamento, e com resultados promissores contra o coronavírus: o remdesivir. "Esse medicamento tem um estudo mostrando que ele reduziria o número de dias de internação de pessoas em estado grave", confirmou Temporão. "Seria um medicamento que não resolveria o problema, mas teria uma ação", apontou.

O médico salientou que reduzir o tempo de internação já seria um bom caminho na busca da solução. "Uma das gravidades da doença é de que as pessoas podem ficar internadas até quatro semanas. Um medicamento que possa reduzir os dias, pode ser importante, mas ainda faltam estudos que confirmem. Foi feito apenas um. É promissor", reforçou.

Os perfis de isolamento

Quando a pandemia chegou ao Brasil, o presidente Bolsonaro bateu na tecla do isolamento vertical, de grupos mais sensíveis ao vírus, como forma de preservar a economia mantendo um relativo resguardo à saúde da população. Temporão critica esse modelo. "É um disparate. O que vai acontecer quando as pessoas forem para a vida normal, elas serão infectadas. 85% das pessoas vão entrar em contato com o vírus e 30% não terão sintomas, mas transmitiram; 55% terão poucos sintomas, apenas 15% vão precisar de cuidados hospitalares. Você manda os jovens que vão se contaminar e quando voltarem para a casa vão contaminar os outros. É um raciocínio tão fácil de entender que é absurdo alguém sério propor isso (o isolamento vertical)", ponderou o ex-ministro.

Temporão lembrou do papel que os trabalhadores da saúde vêm desempenhando no Brasil. "Temos milhares de profissionais de saúde arriscando suas vidas. Tivemos mais de 100 mortes de enfermeiros no Brasil, nem sempre eles trabalham bem protegidos", observou.

Os números vão aumentar

O Brasil fechou a quarta-feira com 188.974 casos confirmados de Covid-19 e alcançou a marca de 13.149 mortos. É o sexto país do mundo com mais contaminados. Para Temporão, a situação vai piorar. "Estamos longe de terminar esse pesadelo. Vamos ter durante o mês de maio muitos casos e mortes. A taxa de reprodução do vírus continua acima de um. Os países europeus começaram a sair da pandemia, liberando setores da economia. Mas a taxa de contaminação lá está abaixo de 1", relatou. "E a nossa taxa de isolamento está abaixo de 50%, quando deveria estar entre 60 e 70%", concluiu.

(Colaboração: Heitor Araújo e Vitor Netto / 4oito)

Tags: coronavírus

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