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Alerta que vem da Itália: “O isolamento é a arma contra o vírus”

Nadia Cechinel, que é de Morro da Fumaça e está na Itália com o marido Daniel, relata a situação vivida no país
Por Marciano Bortolin Criciúma, SC, 20/03/2020 - 18:44 Atualizado em 20/03/2020 - 18:44
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

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Há quase dois anos, a Médica Veterinária, Nadia Cechinel, de 30 anos, deixou Morro da Fumaça, ao lado do marido Daniel, com destino a Verona, na Itália. Mas a busca por uma vida melhor na terra de seus antepassados deu lugar, nas últimas semanas a um misto de incertezas e preocupação. 

Nessa quinta-feira, 19, o país ultrapassou a China no número de mortos pelo novo coronavírus (Covid-19). São quase 40 mil casos e mais de 4 mil óbitos. O número elevado, aponta ela, se deve ao descaso do governo italiano no início da proliferação do vírus. “Infelizmente, quando começou aqui, primeiramente como epidemia, os governantes não deram a atenção necessária. Negligenciaram. Foi muito tardia as medidas que eles tomaram para poder conter a disseminação. Levaram em torno de 15 dias para tomar as medidas mais severas, mais drásticas, para conter as pessoas em casa e diminuir a taxa de disseminação”, comenta.

Infelizmente, conta a fumacense, a Itália passou a adotar medidas mais duras porque a população não se conscientizava. “Faziam brincadeiras, faziam piadas e não levavam a sério. Mas o exemplo veio de cima, dos governantes, que não levaram a sério e demoraram para tomar as medidas mais justas. Estamos no décimo dia de isolamento e agora começamos a avaliar a diminuição dos resultados desta quarentena e se os decretos ajudaram a conter a disseminação do vírus. Acreditamos que os números comecem a baixar, bem como a quantidade de mortos. Assim esperamos”, diz.

No hospital onde trabalha, o contato maior de Nadia é com as salas operatórias, que foram 70% fechadas e estão disponíveis para qualquer emergência. No país, são quase 700 salas como essas fechadas para dar assistência a pacientes com coronavírus.

 

Casos de coronavírus na Itália (até a tarde de sexta-feira, 20)

Para muitas famílias, nem o direito da despedida

A cada 24 horas, o país perde 400 pessoas vítimas do Covid-19. A pior região é a Lombardia onde o foco começou. “Em Bérgamo não tem mais lugares para cremações. O Exército faz o transporte para crematórios de regiões próximas e as famílias não têm nem a oportunidade de se despedir das vítimas porquê as pessoas morrem isoladas em um hospital. Nos hospitais, morrem sozinhos, não têm a oportunidade de se despedir de seus entes queridos. Os parentes recebem apenas a urna com as cinzas e não podem fazer uma cerimônia de despedida justamente pelo decreto que proíbe qualquer tipo de aglomeração. Aquelas que morrem em um hospital, pois sabemos que têm muitas mortes em casa e estas não são contabilizadas, não entram para as estatísticas. Então este número é maior, com certeza”, lamenta.

Médica Veterinária, na Itália a fumacense atua em um hospital para humanos, e devido a isso, mesmo com a quarentena, ela segue nas suas funções. Estamos todos em quarentena, saindo só para trabalhar. Eu trabalho em hospital, então posso ir normalmente. O meu marido trabalha em uma grande empresa, a qual a produção não para, então ele trabalha normalmente todos os dias”, explica.

Além de sair para o trabalho, os habitantes da Itália podem ir ao supermercado uma vez por semana e também à farmácia. “Qualquer outro deslocamento desnecessário corre o risco de pagar uma multa que pode chegar a 450 euros e se sair de casa com sintomas de gripe ou com exame positivo para coronavírus pode pegar até 12 anos de prisão por homicídio doloso”, diz.

E o “pós-pandemia”!?

Além da saúde, Nadia diz que outra preocupação é com o momento que a pandemia passar, pois os reflexos econômicos serão inevitáveis. “No dia a dia acabamos ficando preocupados não só pelo período que estamos passando, mas com o pós, pois muitas pessoas são autônomas, muitas pessoas possuem contrato determinado por estação e pode ser que muitos empregadores não consigam continuar fazendo o pagamento, e ficando sem salário, não tem como se bancar. Muitos estrangeiros que vieram para cá, voltarão e muitos italianos ficarão sem os seus empregos, gerando uma recessão muito grande. Acredito que vai ter um grande impacto na economia, assim como em outros lugares do mundo, como já percebemos, sem contar nas perdas que estamos tendo por dia. O número de mortes por dia é muito alto”, diz.

 

 

Preocupação com os parentes no Sul do estado

Do Velho Mundo, Nadia e o marido acompanham em tempo real a proliferação do vírus na região Sul de Santa Catarina, pois onde estão as suas famílias. “A minha família está toda no Brasil. Pais, irmãs, sobrinhos, uma avó de 96 anos. A minha preocupação não é nem comigo nem com o meu marido. Somos jovens, sem nenhuma doença precedente. A minha preocupação é com quem está no Brasil, pois sabemos que o sistema de saúde é muito precário. Os hospitais não são estruturados pra receber uma pandemia dessa gravidade. A taxa de mortalidade na Europa não é maior porque a população tem recursos. Tem para onde recorrer. Mas em um país onde não tem o mínimo necessário para dar tratamento para a população fica bem mais complicado. Espero estar muito errada, mas pode ser que no Brasil tenha mais mortes porque não tem suporte no sistema de saúde”, fala.

Para que este pensamento não se torne realidade, ela fala que é preciso que a população tome consciência da gravidade do que está afetando o mundo todo. “O apelo é para que a população realmente fique em casa. Não é preciso ir aos supermercados e estocar comida. Estamos em uma guerra. De qualquer modo é uma guerra, mas não uma guerra onde vai faltar comida. Por exemplo, na Itália, quando começou, aconteceu a mesma coisa. Mas na mesma semana as autoridades foram à televisão e disse que os mercados não seriam fechados, que não ia faltar e que as pessoas não precisariam correr aos supermercados. Foi um pico, mas cessou muito rápido”, cita.

Pouco movimento nos mercados italianos. Foto: Nadia Cechinel/Colaboração/4oito

Ela acrescenta que enquanto as pessoas continuarem saindo de casa, a disseminação do coronavírus não será freada. “Enquanto as pessoas estiverem fazendo a sua caminhada matinal, a sua corrida, levando o cachorro para passear, andando de bicicleta com o filho. Enquanto se aglomerarem em supermercados, enquanto as pessoas não tiverem a consciência que é uma questão de saúde coletiva, uma questão sanitária, que não depende só de um, mas de todos, infelizmente não tem como reduzir o número de vítimas. Não saiam de casa e falo isso muito seriamente. Não saiam de casa se não for necessário, se for emergência, para ir à farmácia, se não tiver nenhuma comida em casa, daí vai ao mercado. Mas não façam o que temos visto na televisão, na internet. É pior ainda para a disseminação do vírus. Tem gente que ainda faz piada, que ainda brinca, que não leva sério. Infelizmente têm pessoas que vão precisar perder um ente querido, ou até mesmo ficar doente com sintomas graves para aprender que não é brincadeira, que é uma doença séria, que não é uma conspiração, que não é manipulação da mídia. O isolamento é a arma contra o vírus”, ressalta.

Nesta semana, Nadia enviou um texto para o prefeito de Morro da Fumaça e para o secretário de Saúde, Robson Francisconi, com um apelo e ressaltando a importância dos cuidados.

Na íntegra, mensagem de alerta enviada pela fumacense Nadia Cechinel, residente em Verona, na Itália:

Ao Excelentíssimo Senhor Prefeito Agenor Coral e Secretário Municipal da Saúde Robson Francisconi:

Me chamo Nadia Cechinel, fumacense residente na Província de Verona - Itália, filha de Antônio Luiz Cechinel e Maria Salete Cechinel.
Venho através deste texto fazer um apelo em nome de todos os cidadãos de nossa cidade, falo em nome dos mais novos, dos jovens, dos idosos, de todos aqueles que neste momento enfrentam alguma enfermidade, e em nome daqueles que possuem sua saúde estável.

 

A situação em que nos encontramos é extremamente delicada, sabemos pouco a respeito deste novo vírus que está causando tantas perdas seja no âmbito econômico como no social, porém o desrespeito de muitos cidadãos frente a este problema de saúde coletiva faz com que todos se tornem ainda mais vulneráveis a esta nova doença.
Vejo em inúmeras redes sociais pessoas que continuam a enfrentar este problema de forma banal, continuam com eventos em nossa cidade aonde a aglomeração de pessoas vindas de inúmeras localidades se torna o principal agravante diante do atual problema sanitário, bem como continuam a frequentarem festas, bares e Pubs.


Escrevo isso, pois me preocupo com os meus conterrâneos, com minha família e amigos, nós que estamos vivendo este pesadelo de tão longe, não queremos que vocês passem pelo o que nós estamos passando, não queremos que precisem chegar a um ponto onde as medidas podem ser ineficazes, queremos que vocês se antecipem, que tomem de modelo os países que estão enfrentando o problema e comecem a instituir medidas de prevenção e controle antes de ter que implantar estratégias severas para tentar amenizar as perdas.


Sabemos que o sistema público de saúde do nosso país é muito falho, e não irá suportar o colapso, sabemos que muitos estarão no perfil de risco, e não terão todo o suporte necessário para se recuperar completamente.
Não desejo a vocês o isolamento, não desejo a quarentena obrigatória, não desejo que seja necessário a toda hora um carro de som passar pelas ruas pedindo que todos fiquem dentro de suas casas, que as cidades sejam vigiadas 24/7 até mesmo com helicópteros, não desejo que vocês tenham que decretar voz de prisão por homicídio doloso a quem sair na rua com sintomas de resfriado, não quero ver crianças presas dentro de suas casas sem poder ir a escola por semanas (ou meses), nem que nossos idosos lotem os leitos dos hospitais sem esperança de saírem deles com vida, não quero voltar à Morro da Fumaça e não poder abraçar meus pais ou minha avó.


Não deixem a situação ficar fora de controle como os governantes daqui a deixaram, a cada dia temos um novo decreto, a cada dia uma nova medida para tentar amenizar a pandemia, mas a cada dia o número de contagiados aumenta em mais 1.000, a cada dia o número de mortos aumenta em mais 300, o número de internados aumenta, assim como o de recuperados (mas infelizmente não na mesma velocidade dos enfermos)
Podemos sair de casa apenas um por núcleo familiar, para fazer as compras de necessidade alimentar (apenas 1x por semana), ou ir a farmácias e emergências de saúde, e para quem ainda tem a sorte de continuar trabalhando pode se deslocar apenas até o trabalho e voltar para casa.


Corremos risco de pagar €420 se sairmos em duas pessoas para ir ao mercado, corremos o risco de pegar 21 anos de prisão se sairmos com sintomas de casa.
Pessoas estão presas à respiradores, isoladas em quartos de hospitais sem poderem nem ao menos ver seus parentes e amigos, nem poder segurar a mão de seus próximos no momento mais difícil, sem ter a oportunidade de se despedir, e isso devasta com nós que trabalhamos diretamente no hospital regional, ver filhos, netos, fora do prédio hospitalar, na agonia por notícias e na esperança de poder encontrar seu ente querido mais uma vez.
O assunto é urgente, é sério, nossa população não terá suporte nem apoio em uma situação como essa.


O meu apelo é para que todos passem por essa e continuem suas vidas sem sequelas, sejam elas na saúde ou financeira. O meu apelo é que medidas mais rígidas sejam tomadas a fim de evitar o caos antes que ele se instale.


Atenciosamente,
Nadia

Tags: coronavírus

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