A Câmara dos Deputados aprovou recentemente uma das mudanças constitucionais mais indecorosas das quais se tem notícia. A pretexto de estabelecer “mais proteções” aos parlamentares no exercício do mandato, trouxe de volta a exigência de autorização legislativa para a abertura de processos criminais contra deputados e senadores que possa levá-los a eventual condenação.
Para que se possa ter idéia do tamanho do estrago, passamos a alguns dados: De 1988, quando Assembléia Nacional Constituinte fez aprovar na Carta Magna a regra que previa que deputados e senadores só seriam processados com a autorização prévia da Câmara e do Senado, até 2001, quando foi aprovada a emenda que retirou tal obrigatoriedade e pôs fim à farra da impunidade, cerca de 253 pedidos de abertura criminal contra parlamentares foram apresentados pelo STF. Destes, apenas um, somente um único pedido foi acatado, isso numa situação de absoluta impossibilidade de negativa diante da comprovação, pelo Ministério Público, de crimes graves praticados pelo parlamentar que incluia desde a recepção de bens roubados a tráfico de drogas e homicídios. Neste período, falou mais alto o espírito de corpo e de proteção recíproca.
Com a alteração constitucional de 2001, acabou a mamata. A obrigatoriedade do aval da Casa Legislativa para abertura de processos criminais foi extinta. Era latente, na sociedade, o desejo de por fim ao instituto da imunidade parlamentar que funciona até então como um grande cobertor, no qual criminosos travestidos de parlamentar se agasalhavam para o cometimento de toda a espécie criminosa.
Hoje, 150 parlamentares respondem a processos criminais perante ao STF. Nos últimos 12 meses, foram 48, sendo 36 contra deputados e 12 contra senadores. Se a Pec da blindagem for promulgada, o entendimento é que ela não abarcará inquéritos já instaurados, todavia, travará outros 36 em fase de indiciamento contra 108 parlamentares.
Longe, muito longe, de se falar em garanias para o execício da atividade parlamentar, à Pec da blindagem melhor seria chamá-la de “pec da bandidagem”. É grande o risco do Congresso Nacional se transformar em refúgio perfeito para bandidos, que não exitarão usar o poder econômico para se elegerem e se reelegerem, organizado-se institucionalmente para se protegerem de crimes cometidos e defender seus interesses mais espúrios.
O que se viu com a aprovação dessa Pec é algo para além de assombroso de tão escandaloso. O avanço de temas corporativos, pautas espúrias e desconectadas da realidade social e dos anseios populares coloca em xeque a própria existência do parlamento diante do desprezo ao principio da representação popular, do desrespeito ao estado democrático de direito e à própria democracia que se vê corroída por instrumentos que ela mesma criou.
Não podemos deixar que essa Pec avance no Senado. Faz-se necessário a mobilização de toda a sociedade contra essa medida que para além de todos os males e perigos citados, criará uma hodienda casta social, na qual os politicos de toda a monta estarão livres para o cometimento de todos os crimes, seguros de que dificilmente serão alcançados pelo braço da lei.