Cascais, na Grande Lisboa, é um lugar lindo, singular, preservadíssimo, bucólico, histórico, suave e aconchegante.
Há nele impressionantes características: muito colorido nas edificações, um mar de orla curtíssima, monumentos para todo lado, bares e restaurantes esparramados nas suas ruas.
Gostei ali dum detalhe: na lateral de sua principal orla há uma colônia de pescadores, aspecto rústico, aparência até meio desleixada – com lonas e bugigangas jogadas ao léu, cordames e peças de navegação.
Indo lá, Sonia e eu, curiosos como brasileiros, perguntamos se havia algum controle sobre aquela situação. “Nenhuma” - foi a resposta. Os pescadores são originais dali. O lugar começou com eles. São, portanto, soberanos.
Imaginei aquilo no Brasil: a vigilância sanitária fecharia num átimo e seria capaz de pespegar uma multa milionária, apreendendo os materiais e, sem dúvida, expulsando os pescadores.
O lugar tem algo que gostei do nicho dos pescadores, além do aspecto histórico: é cheio de gatos, justamente para caçar eventuais comunidades de ratazanas. Ou seja, eles combatem o mal com a natureza. Ciência de Darwin.
Pesquisei e soube: no térreo dos prédios ao longo das ruas daquele cantinho perto do mar não pode haver nenhum comércio, exceto bares, lanchonetes e restaurantes. Nada. A estrutura das construções é imutável. Nelas é terminantemente vedado mexer. Nem para alterar, nem para tirar, nem pra colocar. Nada. E as cores não podem ser mudadas.
São coisas desse tipo que me fascinam em Portugal. E nem digo mais nada, por absolutamente desnecessário. Exceto Camões:
Portugal, Tão Diferente de seu Ser Primeiro
Os reinos e os impérios poderosos,
Que em grandeza no mundo mais cresceram,
Ou por valor de esforço floresceram,
Ou por varões nas letras espantosos.
Teve Grécia Temístocles; famosos,
Os Cipiões a Roma engrandeceram;
Doze Pares a França glória deram;
Cides a Espanha, e Laras belicosos.
Ao nosso Portugal, que agora vemos
Tão diferente de seu ser primeiro,
Os vossos deram honra e liberdade.
E em vós, grão sucessor e novo herdeiro
Do Braganção estado, há mil extremos
Iguais ao sangue e mores que a idade.
Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"